Oposição: CNE e MPLA Inventam Resultados Eleitorais
A CNE iniciou ao fim desta tarde a divulgação preliminar dos resultados eleitorais, sem que as províncias tenham feito o apuramento dos resultados, quer a nível local, quer no Centro Nacional de Escrutínio. De acordo os números apresentados, o MPLA vence com uma maioria de 64.57%, seguido pela UNITA, com menos de metade dos votos, alcançando apenas 24.4%, e em terceiro lugar a CASA-CE, com 8.56%.
“Esses resultados divulgados pela CNE são completamente falsos. Nem nas províncias nem em Luanda houve apuramento dos resultados pela CNE. Esses resultados são completamente inventados”, denuncia o presidente do Partido de Renovação Social (PRS), Benedito Daniel.
Contrariamente às eleições passadas, desta vez não houve projecções de resultados. A porta-voz da CNE, Júlia Ferreira, leu os resultados a partir de folhas soltas numa capa. Não respondeu às perguntas. “Leu o que lhe deram para ler”, comenta um jornalista.
A leitura foi feita na Escola Nacional de Administração Pública, no Morro Bento, apesar de o Centro Nacional de Escrutínio se situar no Centro de Convenções de Talatona, a poucos quilómetros de distância. Basicamente, a conferência de imprensa serviu para afastar os jornalistas do centro de escrutínio.
Nas eleições de 1992, 2008 e 2012, os resultados foram projectados em ecrãs montados pela CNE, e a sua actualização podia ser acompanhada pelas televisões e outros órgãos de informação. O Centro Nacional de Escrutínio está mais bem equipado do que das vezes anteriores e tem esses meios à sua disposição.
Os mandatários e comissários dos partidos políticos estiveram no centro de escrutínio até às 2h00 e retiraram-se apenas por poucas horas. Durante todo o dia, não notaram quaisquer movimentações de apuramento de resultados no Centro Nacional de Escrutínio.
Um alto funcionário da CNE, que prefere não ser identificado, confirma ao Maka Angola o que se passa no Centro Nacional de Escrutínios, onde estão centenas de operadores. “Eu ainda não vi chegar um único fax ao centro. Desde que aqui estou, só vi testes de envio e recepção de faxes anteriores às eleições. Oiço agora dizer que estão a chegar alguns faxes lentamente, mas não confirmo ter visto nenhum. Também não vi lá nenhuma acta [de mesa, ou síntese de assembleia de voto]”, garante o alto funcionário. “Esteve aqui uma delegação norte-americana a visitar, com autorização de um oficial do Serviço de Inteligência colocado aqui no centro, para impressionar. De resto, não temos mais informações”, revela o mesmo interlocutor.
“Ainda não assistimos a nenhuma contagem no centro de escrutínio. Estamos aqui desde ontem. Não vimos nenhum fax a chegar e agora temos projecções da CNE. Como?”, interroga-se o mandatário da UNITA, José Pedro Katchiungo.
Na hipótese de se usar o argumento da dificuldade de comunicação entre a CNE e o resto do país, vejamos o que se passa em Luanda, no Centro Provincial de Escrutínio. A CNE garante ter já escrutinado 63.74% dos votos.
“Estamos desde ontem (23 de Agosto) de manhã na sala paralela à do escrutínio e até a esta hora nenhum comissário eleitoral teve acesso ao apuramento de dados”, revela um dos comissários.
“Nós estamos desde ontem sentados a olhar para um mapa que nos dá apenas zero de resultados. Estamos a ouvir a projecção da CNE, que parece ter sido transmitida de outra galáxia. É inacreditável”, refere.
Segundo o referido oficial, “nós [comissários] tínhamos de confirmar os resultados, em função da verificação das actas e ratificá-los com as nossas assinaturas. Só assim poderiam ser divulgados os resultados”, esclarece o membro da CNE.
Oposição mais bem preparada
Desta vez, a oposição, apesar dos fracos meios e da escassa organização de que dispõe, tem conseguido apresentar uma contagem de votos alternativa à que o MPLA e a CNE divulgaram à imprensa nacional e estrangeira sem apresentarem factos de suporte.
Segundo a contagem paralela que efectuou a partir das actas-síntese recolhidas à boca das urnas, a UNITA reclama que o MPLA tem apenas uma ligeira vantagem sobre si.
De mais de um milhão e 200 mil votos – apurados através das referidas actas-síntese, produzidas pela CNE e assinadas pelos delegados de lista dos partidos concorrentes –, o MPLA leva vantagem com 47.6% do total dos votos contabilizados. Segue-se a UNITA, com 40.2% e, em terceiro lugar, a CASA-CE, com 9.15%. Em quarta posição está o PRS, com 1.55%, seguido pela FNLA, com 1.10% e, por último, com 0.40%, a APN.
Em Luanda, num universo de cerca de meio milhão de eleitores, a UNITA e o MPLA disputam a vitória com 42.48% e 42.08%, respectivamente.
Essa contagem assustou o MPLA. Na realidade, embora apontasse para uma maioria relativa do MPLA (isto é, em primeiro lugar mas sem maioria absoluta), o MPLA tinha a maioria absoluta em dúvida (isto é, mais de 50% dos votos) e certamente nunca alcançaria a maioria qualificada (isto é, mais de 66% dos votos). O problema é que só a maioria qualificada de 66% (dois terços dos assentos parlamentares) permite que o MPLA governe em ditadura, fingindo que está em democracia.
Por isso, vendo a ditadura chegar ao fim, o MPLA reagiu e anunciou, sem qualquer base real, essa maioria, colocando a CNE a divulgar resultados provisórios até ao momento “inventados”.
Antes disso, o secretário do Bureau Político e para os Assuntos Eleitorais, João Martins, anunciou, a partir da sede do seu partido, que o MPLA venceu com 65% dos votos. Uma hora depois deste anúncio, a própria porta-voz da CNE veio a público afirmar que os votos nem sequer ainda estavam a ser contados.
Por sua vez, o presidente do PRS, Benedito Daniel, afirma que o seu partido está a fazer a contagem paralela dos votos, de acordo com as actas operacionais das assembleias de voto na posse dos seus delegados de lista.
“A CNE não está a realizar o escrutínio das assembleias de voto e atribui-nos resultados inadmissíveis. A CNE tem de acabar com essa manipulação. Não são resultados que correspondam à verdade. Não são enviados pelas assembleias de voto e não sei onde isso vai acabar.”
Vigarice
Até ao momento, as províncias não fizeram o apuramento dos resultados locais e, consequentemente, não os comunicaram à CNE. Portanto, onde foi que a CNE obteve os dados? As informações dadas pela CNE não podem ser consideradas válidas sem o apuramento legal dos resultados e na presença dos membros dos partidos concorrentes, como estabelece a lei.
Acresce que, até a meio da tarde de hoje, as Comissões Municipais Eleitorais não tinham enviado quaisquer dados ao Centro Nacional de Escrutínio, em Luanda.
Sabe-se que, ontem, a CNE suspendeu os trabalhos de escrutínio por ordens políticas do poder, quando as previsões se começaram a manifestar contrárias aos planos do MPLA.
Um pouco por todo o país, verificaram-se situações bizarras durante o processo de votação.
Por exemplo, conforme denuncia o comissário eleitoral Muanauta, na comuna de Camaxilo, município de Caungula, os agentes eleitorais iniciaram os trabalhos depois das 18h00, pelo que a população local (oito bairros) se recusou a votar às escuras.
Em Cafunfo, o ex-administrador da comuna do Luremo e secretário local do MPLA removeu as urnas das assembleias de voto 7809 e 7813, sem que ninguém o impedisse, e transportou-as para outra localidade.
Como quer que seja, as vestes de legitimidade democrática do MPLA caíram logo que se sentiu assustado com a previsão de resultados. Por isso, mandou parar a contagem e anunciou uma vitória com maioria “qualificada”. Só se for qualificada na fraude!
“Os angolanos votaram com serenidade e civilidade. Vamos confrontar a CNE, para que nos explique como chegou a estes resultados. Ninguém deve criar distúrbios, para não dar pretexto ao MPLA de se escapar pela violência”, defende o mandatário da UNITA José Pedro Katchiungo.