Opacidade e Falência no “Império” de Isabel dos Santos

A riqueza de Isabel dos Santos tem habitualmente sido abordada na perspectiva da sua misteriosa origem.

Contudo, hoje, depois das muitas investigações levadas a cabo por vários especialistas e jornalistas, já se pode dizer com segurança que a origem da fortuna não foi a venda de ovos nem o restaurante Miami Beach, instalado na Baía de Luanda.

Também se pode dizer com segurança que a riqueza de Isabel dos Santos assenta nos contratos iniciais de diamantes com Arkady Gaydamak, bem como, e sobretudo, nas “parcerias” com as empresas estatais angolanas, entre as quais que se destaca a Sonangol. A Sonangol é, de resto, a fonte dos investimentos de Isabel dos Santos na Galp, na Unitel e no BPI, pelo menos.

Assim sendo, já se estabeleceu o padrão da origem da fortuna de Isabel dos Santos, e este padrão resulta de uma actividade essencial: o financiamento público da fortuna pessoal, através das empresas do Governo, principalmente a Sonangol, e da entrega de monopólios ou oligopólios de mercado por parte do Estado angolano.

Ademais, já se estabeleceu que não se pode falar de um Grupo Isabel dos Santos, nem sequer de um conglomerado organizado de acordo com uma lógica económico-financeira. O “império” de Isabel dos Santos aparenta ser um conjunto de empresas desgarradas, sem um núcleo de gestão forte, dominadas por empresas off-shore, que por sua vez são dominadas por outras empresas off-shore. Constata-se então que o predicado básico do universo empresarial de Isabel dos Santos é a opacidade: opacidade para impedir investigações e futuros reempossamentos de activos por parte de um renovado e legitimado governo de Angola.

No entanto, essa opacidade tem uma segunda consequência (desejada ou indesejada, não se sabe), que é a negação ao mercado internacional do conhecimento efectivo das finanças de Isabel dos Santos e do seu “império”.

E essa consequência da opacidade leva-nos actualmente, face a vários sinais que apareceram, a duvidar da solvabilidade real de Isabel dos Santos. Dito de outro modo, haverá a possibilidade de o “império” de Isabel dos Santos ser um “império” falido, ou pelo menos ter partes a apodrecerem ou a falir, e tal pode ter, acima de tudo, justificado o controlo da Sonangol.

O primeiro raciocínio é básico.

Se uma boa parte dos fundos para Isabel dos Santos eram canalizados através da “parceria” com a Sonangol (directa ou indirecta), e esta não tem dinheiro – facto comprovado pela recente revogação do contrato de US $1,5 biliões com a Cobalt (empresa norte-americana a quem a Sonangol tinha comprado em 2015 dois blocos no off-shore ao largo de Luanda por US $1 bilião e 750 milhões de dólares; esse negócio não se tinha concretizado até agora por falta de aval do Governo angolano; agora caiu definitivamente) – então a sobrevivência do “império” de Isabel dos Santos ficará dependente das operações concretas.

Vejamos as empresas essenciais, para tentarmos chegar a alguma conclusão.

Uma parte dos negócios de Isabel está na banca angolana. Conta-se que recentemente, em função da situação preocupante dos seus dois bancos, Isabel dos Santos terá abordado o governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe, para saber como este poderia ajudar a desbloquear algumas situações. Segundo a imprensa mais bem informada, o governador não acudiu a Isabel dos Santos, ignorando os seus apelos, e tacitamente responsabilizando-a, justamente, pelos problemas da banca angolana. Portanto, por aqui (sector bancário) não há lucros, pelo contrário.

Outra das participações é a Unitel. Na Unitel há um diferendo grande com a antiga PT (empresa portuguesa de telecomunicações) por falta de pagamentos de dividendos no valor de centenas de milhões de dólares. Acresce que, na disputa pelo banco português BPI, nem Isabel nem a Unitel alguma vez tiveram o músculo financeiro para fazer uma OPA ou contrapor uma proposta financeira à oferta feita pelo CaixaBank espanhol. Portanto, obviamente houve aqui também problemas de liquidez que, segundo fontes próximas do negócio com o BPI, foram a grande razão para este não se concretizar.

O BPI também anunciou que, no final de 2015, estavam ainda por pagar um valor de US $27,5 milhões devidos pela Unitel na sequência da compra de 49,9% do BFA a este banco.

E é certo que, devido à crise em Angola, mercado por excelência da Unitel, as vendas devem estar mais baixas.

Em resumo, a Unitel tem várias dívidas significativas referentes a dividendos e contratos de compra e venda realizados no passado.

Em Portugal, a participação na Galp dará certamente dividendos. Contudo, esses dividendos eram destinados a pagar a dívida de Isabel dos Santos à Sonangol, segundo o Memorando de Entendimento divulgado recentemente no MakaAngola. Estará essa dívida paga? Quem ficou com o dinheiro dos dividendos da Galp? A Sonangol ou Isabel dos Santos?

Outra participação é a NOS (empresa de telecomunicações e audiovisual portuguesa, em parceria com a Sonae). Aqui os resultados parecem ser positivos, mas não se tem conhecimento neste momento da política de distribuição de dividendos.

Finalmente, temos os hipermercados Candando: estão numa fase de arranque, e certamente ainda não há retorno do investimento.

O que se conclui de todo este passeio, ainda que superficial, pelos negócios de Isabel dos Santos é que eles se pautam por um alto grau de litigância, que muitos têm problemas financeiros, que outros não têm números públicos, e que apenas uma parte tem lucro certo, que deverá ou não ser utilizado para serviços de dívida.

Não temos um quadro consolidado: temos mais interrogações do que certezas.

A Sonangol foi sempre a grande financiadora de Isabel dos Santos: Unitel; Galp; NOS. Em quase todas as empresas em que ela entrou teve sempre o apoio da Sonangol. Agora que domina a Sonangol, o que quer isto dizer? O suposto devedor comanda o credor. Vai-lhe pagar? Vai-lhe retirar mais dinheiro para sustentar os outros negócios?

São questões que têm de se colocar face à opacidade dos negócios de Isabel dos Santos.

Qualquer investidor internacional tem de se aperceber exactamente do estado das contas de Isabel dos Santos antes de investir.

Qualquer angolano tem de saber o ponto exacto da relação entre a Sonangol e as empresas de Isabel dos Santos.

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