Os Camaradas do Fundo Soberano de Angola e a Ligação Russa
Foram publicadas com relevo em variada imprensa algumas notícias sobre a estranha gestão do Fundo Soberano levada a cabo pelo filho do presidente, José Filomeno dos Santos, cognominado Zenú.
Ao que parece, o Fundo é gerido por um amigo suíço, que cobrará umas valentes comissões, no que é ajudado por um patriota alemão, Ernest Welteke, caído em desgraça por aceitar ofertas para assistir à Fórmula 1 no Mónaco, na companhia da sua jovem mulher de então.
O mais interessante que surgiu nessas divulgações, e que aqui aprofundamos, é a ligação russa.
Em 2013, através de uma off-shore chamada Renfin, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, nas Caraíbas, mas curiosamente auditada pela Ernst & Young da Rússia, o Fundo Soberano terá feito várias transferências de dinheiro com vista a obter uma percentagem do capital no Banco Center-Invest, sendo representado por Ernest Welteke.
O Banco Center-Invest é um pequeno banco russo, situado em Rostov-no-Don, no Sul da Rússia, e tem um rating B1 da Moody’s, ou seja, Muito Insuficiente, o que quer dizer “extremamente especulativo”. “Extremamente especulativo”, traduzido para português corrente, significa que se pode perder o dinheiro todo de um momento para o outro.
No conselho de administração do banco consta o nome de Ernest Welteke, o tal amigo do amigo de Zenú.
O Banco Center-Invest tem 153 balcões na Rússia e um escritório de representação em Moscovo, conta com 1512 empregados. No relatório de contas referente a Dezembro de 2015, afirma-se que “o rating de crédito da Rússia foi reduzido para níveis abaixo do grau de investimento. Este ambiente operacional tem um impacto [negativo] significativo sobre as operações do Grupo e a sua posição financeira. A Administração está a tomar as medidas necessárias para garantir a sustentabilidade do Grupo e das suas operações. No entanto, os efeitos futuros da actual situação económica são difíceis de prever e as actuais expectativas e estimativas da Administração podem diferir dos resultados efectivos.” Esta prelecção mais não revela do que graves preocupações por parte da própria instituição financeira visada acerca da evolução da situação económica e dos resultados que possa alcançar. E o facto é que, lendo os Relatórios e Contas, os lucros e dividendos parecem diminutos ou inexistentes.
A composição do capital do banco russo declarada é a seguinte:
25.25%: BERD (Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento)
20.65%: DEG (Organização alemã de suporte às economias em transição, com o apoio do sector privado)
24.43%: Fundadores do banco, Vasily Vysokov e Tatiana Vysokova
9.11%: Firebird Investment Fund
9.01%: Erste Group Bank AG
7.49%: Rekha Holdings Limited
De acordo com as informações reveladas pelos Panama Papers, será através da Rekha Holdings, sediada no Chipre, que a Renfin participará no Banco Center-Invest.
Curiosamente, este é um banco que tem como accionistas instituições financeiras oficiais ligadas a actividades políticas europeias lançadas ou reforçadas a partir da queda do Muro de Berlim, em 1989, em que a predominância alemã foi, e se mantém, fundamental. Ernest Welteke foi presidente do Bundesbank, o Banco Central Alemão, entre 1999-2004, e antes fora responsável pela pasta da Economia e Finanças no estado alemão do Hesse, tendo posteriormente assumido a liderança do Banco Central desse estado, antes de seguir para o Bundesbank.
Perante esta descrição do Banco Center-Invest e das suas ligações, fica a pergunta: o que faz o Fundo Soberano de Angola nas longínquas terras russas, num banco apoiado por fundos destinados às economias em transição do Leste Europeu e que seguramente não trará quaisquer dividendos?
Uma resposta possível: o Fundo Soberano de Angola está a fazer um favor ao amigo Welteke, que está ligado à empresa suíça Quantum, que por sua vez gere três mil milhões de dólares do Fundo Soberano de Angola.
Outra resposta possível: o Fundo Soberano de Angola está a retribuir a amizade manifestada pela União Soviética no tempo da guerra civil angolana, e por isso investe na Rússia como gesto de agradecimento.
Também poderá responder-se que o Fundo Soberano de Angola fez um investimento a longo prazo do qual espera receber os respectivos dividendos.
Finalmente, pode-se pensar que há aqui uma história mal contada e passível de mais investigação.
A verdade é que, se olharmos para o último relatório disponível do Fundo Soberano de Angola (2.º trimestre de 2015), não consta qualquer investimento na Rússia. Aliás, 79% da carteira de investimentos é referida como estando nos Estados Unidos da América. Os rendimentos de dividendos são quase inexistentes, e Angola pouco dinheiro tem realizado nas operações de compra e venda. Onde tem recebido algum rendimento é nos títulos de juros. Saliente-se ainda que os testes de esforço apresentados sugerem a possibilidade de perdas potenciais significativas. Isto é: há o risco de várias perdas nos investimentos do Fundo. Na realidade, estas perdas podem já ter acontecido.
O que mais se nota na análise dos elementos do Fundo Soberano de Angola é a ausência de informações e de dados concretos: os números são apresentados em agregado, as auditorias são inexistentes, não há quaisquer relatórios do Conselho de Fiscalização.
A leitura e análise dos elementos disponíveis provocam duas sensações: uma é a opacidade do Fundo Soberano de Angola, já que se desconhece quanto dinheiro realmente tem, onde está aplicado e quais os rendimentos já alcançados, além de faltarem elementos de controlo; outra, ainda que meramente intuitiva, é que o Fundo Soberano de Angola está a perder dinheiro, caso contrário, os números tinham de revelar outra elasticidade.
Com investimentos escondidos na Rússia ou não, um facto é certo: tem de passar a existir controlo sobre o Fundo Soberano de Angola.