A Contabilidade Fictícia e a Reestruturação da Sonangol

Durante muitos anos a Sonangol foi o sustentáculo de Angola, sobretudo do seu regime, havendo muitos autores que se referiam a esta empresa como o deepstate angolano, no sentido de ser o “Estado dentro do Estado” e o repositório real do poder. Mais recentemente, surgiram variadas notícias que colocavam em dúvida a sua saúde financeira, enquanto outras apontavam para a existência de uma comissão presidencial encarregada de planear um processo de reformas internas da empresa.

Já em Outubro de 2015, o Ministério das Finanças angolano anunciava que as receitas da petrolífera com a exportação de crude caíram 44% em Setembro, face ao mesmo mês do ano de 2014. Há, portanto, um sentimento de gravidade e urgência face aos números apresentados pela Sonangol.

O trabalho que aqui se apresenta resulta de um estudo das contas públicas da empresa relativas a 2013, que efectivamente suscitam muitas dúvidas e impõem uma grande reestruturação desta empresa.

A questão essencial é que os resultados da empresa não são sólidos nem sustentáveis. Em 2013, os resultados da Sonangol não se fundamentaram na sua actividade, mas em dois aspectos contabilísticos: a reavaliação de activos (principalmente no segmento de exploração e produção de petróleo e nos investimentos internacionais) e uma redução nas obrigações tributárias, como consequência de nova legislação. Isto quer dizer o seguinte: a Sonangol começa a assentar os seus resultados em artifícios formais e ajudas do Estado.

Analise-se o primeiro caso, o da reavaliação de activos. A empresa tinha uma activo que valia 100, procede a uma reavaliação e o activo passa a valer 200. É uma mera operação nominal, não cria nada de novo. É aliás por isso que a auditora Ernst&Young, na sua certificação de contas, coloca  reservas, escrevendo: “Não foi possível concluir sobre a valorização das imobilizações corpóreas relativas ao centro de formação marítima”; “ Não foi obtida a documentação necessária para aferir sobre a propriedade do conjunto de activos que compõem o imobilizado fixo corpóreo”, “não tendo igualmente sido obtida evidência suficiente que permita concluir sobre a existência, plenitude e valorização das imobilizações corpóreas”. Finalmente, afirma a consultora: “Não foi possível obter informação suficiente e apropriada sobre a reavaliação do imobilizado corpóreo”. O que temos? Temos uma reavaliação que influencia determinantemente as contas da Sonangol e que não é susceptível de confirmação por parte da auditoria. Dito de outro modo, pode ser assim ou ao contrário.

O outro ponto em que assentam os resultados da empresa, como acima se referiu, é uma redução de impostos. Isto é, o Estado baixou os impostos a pagar pela Sonangol. O mesmo é dizer que lhe deu um subsídio. Por exemplo, onde antes tirava 200 em impostos, agora só retira 100. Assim, é como se fizesse uma entrega de 100 à empresa.

A Sonangol só consegue apresentar resultados atraentes em virtude de uma operação contabilística não confirmada pela auditora e de um subsídio do Estado.

Em termos de resultados derivados da sua actividade essencial, esta empresa reconhece que a produção petrolífera da Sonangol “diminuiu em 10%, o preço médio de exportação diminuiu em 4%, a remuneração à concessionária foi reduzida de 10% para 7%, a empresa registou vendas de AKZ 4.026.814 milhões, 8% inferior em relação a 2012. Em termos de metas estimadas para o ano de 2013, verificou-se um incumprimento em todos os blocos em produção neste período, representando um desvio global de 29.7%.receitas avaliadas em USD 41.250.305.536, montante inferior em 8% face ao período homólogo de 2012.”

Tecnicamente, existem vários problemas óbvios no modelo de negócio e gestão da Sonangol.

Um primeiro ponto liga-se ao facto de a Sonangol ser a concessionária nacional, arrecadando em 2013, “sob forma de direitos sobre o petróleo bruto, 223.816.113 barris, equivalente a uma quantidade média diária de 613.195 barris”. Isto insere no seu seio uma actividade de natureza eminentemente pública e não empresarial.

Em rigor, o facto de a Sonangol ser a responsável pelas concessões e licitações do petróleo em Angola retira-lhe estímulo para ser uma empresa eficiente. À partida, a companhia não tem um incentivo para se organizar com regras eficazes e fazer face à concorrência, uma vez que tem receitas garantidas. Uma empresa com receitas garantidas torna-se preguiçosa, lenta e pouco inovadora.

Simultaneamente, esta junção na mesma entidade de todas as funções torna o processo de concessão pouco transparente, tudo fica misturado, não se conseguindo obter uma percepção real do que cada parte da actividade petrolífera contribui para as receitas do país.

Assim, em nome da eficácia da Sonangol e da transparência da obtenção e alocação das receitas do petróleo, a tarefa das concessões petrolíferas deveria ser entregue a um ministério ou a um instituto público que tivesse essa única função.

Sobre vários outros aspectos da necessária reestruturação da Sonangol (fundamentados no escrutínio das contas da empresa), o Maka Angola publicará doravante uma série de novos artigos.

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