Governador de Luanda Viola a Constituição ao Proibir Manifestação
Face aos dados neste momento disponíveis, torna-se necessário esclarecer o seguinte sobre a proibição da Manifestação das Mães dos Presos Políticos prevista para o próximo dia 28 de Agosto, pelo governador provincial de Luanda, o jurista Graciano Domingos:
1 – A Constituição angolana garante o direito de manifestação no seu Artigo 47.º. Aí se afirma liminarmente que este direito não carece de qualquer espécie de autorização para ser exercido; necessita tão-somente de uma comunicação.
2 – Assim, um primeiro ponto: as autoridades não podem, de forma alguma, proibir manifestações. A comunicação que lhes é feita serve apenas para efeitos de orientação do trânsito, conhecimento dos percursos e tomada de medidas administrativas para a manutenção da ordem pública. Não existe qualquer poder público discricionário que possa ou não autorizar a manifestação.
3 – Um segundo ponto refere que a lei regula o exercício desse direito. Ora, regular é orientar, e não impedir qualquer possibilidade de manifestação. Há que salientar que o Artigo 47.º se encontra no âmbito da Secção I – Direitos e Liberdades Individuais e Colectivas, Capítulo II – Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais do Título II da Constituição. Ora, os preceitos contidos nesta parte da Constituição estão submetidos ao Artigo 28.º da Constituição, que lhes dá força jurídica reforçada, sendo directamente aplicáveis e vinculando todas as entidades públicas e privadas. Não há mediação necessária da lei ordinária e, quando esta existe, não pode restringir o direito, apenas aplicar e executar a Constituição.
4 – A reacção face a uma proibição ilegal, em termos jurídicos, deve ter em conta os preceitos constitucionais e administrativos. O Artigo 29.º da Constituição garante o acesso de todos ao tribunal para a defesa dos seus direitos. Por sua vez, a Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro (Lei da Impugnação de Actos Administrativos), permite que os particulares ofendidos impugnem actos administrativos ilegais.
5 – No caso em apreço, estamos perante um acto administrativo (a proibição da manifestação) ferido da mais elevada ilegalidade: a inconstitucionalidade. Nestes termos, os interessados já reagiram juridicamente à ilegalidade.
6 – A reacção jurídica fez-se por meio de uma reclamação do acto administrativo proferido pelo governador (Artigo 12.º da Lei n.º 2/94). Essa reclamação solicitou, em simultâneo com a sua entrada, que se suspenda a eficácia do acto administrativo. Depois, pode-se sempre recorrer para o tribunal, pedindo a suspensão da eficácia do acto administrativo (Artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril, e Lei n.º 8/96, de 19 de Abril), subsistindo ainda o posterior recurso contencioso de impugnação de acto administrativo (Artigo 39.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril).
7 – Resumindo: legalmente, não pode existir qualquer proibição de manifestações, mas apenas adequações administrativas para efeitos de manutenção da ordem pública. Para reagir a qualquer proibição, a lei dispõe de meios claros, que consistem na reclamação do acto que estabelece a proibição, requerendo simultaneamente a sua suspensão e, depois, o pedido judicial de suspensão da eficácia, além de, finalmente, o recurso contencioso.
8 – Em tempo útil, não deverá já ser possível obter uma decisão judicial. Mas é forçoso pelo menos confrontar as autoridades com as suas próprias leis.