Foi Hoje o Funeral dos Três Jovens Assassinados no Golf II

Os três jovens assassinados a 3 de Junho, na Zona do Golf II, por indivíduos identificados como sendo membros do Grupo Operativo da 32ª Esquadra da Polícia Nacional, foram a enterrar hoje no Cemitério da Camama, em Luanda.

Joice Neto assistiu ao assassinato dos três jovens, incluindo do seu irmão mais velho, Damião Zua Neto “Dani”, de 27 anos, a poucos passos da sua residência. O Maka Angola esteve nos funerais e deslocou-se ao local do crime, onde Joice reconstituiu os momentos do ataque.

O Assassinato 

Pouco depois do meio-dia, do seu quarto, Dani pediu à irmã para ir atender à porta, supondo ser um cliente interessado em comprar gelado de múcua, que a família produz e vende em casa.

Joice Neto saiu à rua e, conforme o seu depoimento, ouviu um estrondo e viu uma viatura Hyundai Accent imobilizada, com dois ocupantes, na esquina da rua, enquanto um viatura Toyota Hiace bloqueava a estrada e alguns dos seus ocupantes saíam armados. O seu irmão saiu de casa e dirigiu-se ao carro, ao reconhecer que era um amigo que ia ao volante, “para saber o que se passava”, contou Joice.

Ainda de acordo com o seu depoimento, “os agentes deram dois tiros para o ar, para afugentar as pessoas, e depois dispararam contra o meu irmão. Um tiro atingiu-o na cabeça e outro na virilha”.

“Comecei a gritar ai, meu irmão! Ai, meu irmão! O meu irmão levantou a cabeça olhou-me apenas e morreu. Eu estava a gritar demais”, acrescenta Joice.

Seguiu-se uma saraivada de tiros contra o carro. O amigo de Dani que se encontrava ao volante da viatura, Gosmo Pascoal Muhongo Quicassa “Smith”, de 25 anos, morreu cravejado com 14 tiros, concentrados na parte esquerda do corpo, segundo o resultado da autópsia, revelado ao Maka Angola pelo padrasto

Manuel Contreiras, de 26 anos, foi atingido no pé. Desceu da viatura e, segundo as testemunhas, implorou aos executores que poupassem a sua vida porque tinha pedido apenas uma boleia até à estrada principal, onde deveria apanhar um táxi até Viana e dali o transporte para a sua terra natal, na província de Malanje.

“O assassino olhou-o apenas. O motorista do Hiace desceu da viatura e com a AK atingiu o meu irmão no abdómen e deu-lhe outro tiro na cabeça”, lamentou Samuel Contreiras, irmão do malogrado.

As primeiras testemunhas informaram o Maka Angola de que Manuel se encontrava no assento de trás. A informação errada deveu-se à disposição em que os corpos se encontravam quando as testemunhas se aproximaram do local do crime. Dani morreu junto à roda da frente, do lado direito da viatura, e Manuel, que dela descera, foi abatido junto às portas, conforme a foto ilustra.

Quais as Razões do Crime?

Alfredo Turca Cabila, padrasto de Smith, foi peremptório no funeral: “Eu não vou julgar o morto. Eu vim apenas enterrá-lo. Sobre as causas que o levaram à morte eu não sei de nada.”

Nós fomos surpreendidos com o acto. O Smith almoçou com a família às 12h00, funge com peixe seco. Despediu-se e disse que ia ter com o amigo Dani. Não sabemos quais os motivos que levaram ao seu assassinato”, acrescentou o tio, que se identificou apenas como Nando.

Segundo ele, “a polícia não nos informou se ele assaltou, se fez mal. Só sabemos que ele foi baleado em plena rua”.

O padrasto referiu também que o seu enteado esteve detido por uma semana, no princípio de 2013, no Comando da 5ª Divisão da Polícia Nacional, sob suspeita de violação de uma jovem durante uma festa. “Ele foi inocentado e libertaram-no”, disse o padrasto.

Por sua vez, a mãe de Dani admitiu que o filho cometeu delitos no passado. Joice referiu que o irmão passou vários meses detido por crime de furto, tendo pago pela sua má acção.

“Quem deu a ordem é o nosso governo. A polícia mata de qualquer forma. Foi o governo que matou. Então, vamo-nos queixar a quem? Vamos aceitar, pronto”, disse a mãe, resignada.

A palavra de Deus e a bondade da vítima marcaram a tónica no acto de enterro de Manuel Contreiras, que era dedicado aos seus estudos e devoto à Igreja Católica.

Por falta de ensino superior em Malanje, Manuel chegou a Luanda, em Janeiro passado, para dar continuidade aos seus estudos universitários, frequentando o curso de Educação de Infância.

“Meu irmão de coração, bom, humilde, meu conselheiro, insistia para que, como irmão mais velho, estudasse mais. Nós trabalhamos muito, somos humildes, não temos vícios”, partilhou Tiago Contreiras, um dos nove irmãos da vítima.

“Deus é justo e haverá justiça”, afirmou um colega de turma, Juair, após referir que Manuel era um indivíduo “exemplar”.

O padre, uma madre, familiares e amigos reiteraram o carácter íntegro de Manuel nos seus elogios fúnebres.

Quem matou?

O irmão mais velho de Manuel, Tiago Contreiras, em casa de quem aquele pernoitara e com quem tinha tomado o pequeno-almoço bem cedo, é primeiro subchefe do Posto Policial do Fubu, no município de Belas.

Depois dos assassinatos, Tiago Contreiras foi chamado pelo oficial Beto Kinjila, chefe da Linha Operativa do Kilamba Kiaxi, que dispõe de um gabinete no referido posto.

“O chefe Beto informou-me de que o grupo operativo, comandado pelo Toledo, tinha abatido três marginais no Golf e ordenou-me para ir com uma patrulha fazer a remoção dos corpos. Eu disse que aquela zona era da responsabilidade da Unidade do KilambaKiaxi e saí para cuidar de outra missão”, disse ao Maka Angola o subchefe Tiago Contreiras.

Vários minutos depois, alguns familiares, não tendo conseguido telefonar-lhe, apareceram no posto, para o informar do sucedido.

Só então me apercebi de que os meus colegas mataram o meu irmão. Fui perguntar ao senhor Beto Kinjila sobre quem matou aqueles três marginais.Nessa altura, ele [Beto Kinjila] já sabia que os seus homens tinham matado o meu irmão. Então, ele disse-me que eu estava a acusá-lo e que faria uma informação a pedir a minha demissão e expulsão da polícia”, conta Tiago Contreiras.

“Eu conheço bem o Toledo, sabia que ele ia ao volante do Hiace. E todos os outros elementos, depois disso, vieram ao Posto. São colegas. Só não sabia que tinham assassinado o meu irmão”, disse o policial enlutado no dia a seguir aos assassinatos.

Fonte policial garantiu ao Maka Angola que a Polícia Nacional continua a averiguar o caso. A mesma fonte aventou a possibilidade de ter ocorrido um ajuste de contas entre os executores e as vítimas, reiterando não haver qualquer ordem superior para a execução de cidadãos.

 

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