Revisão Constitucional e Terceiro Mandato Presidencial

Nos últimos dias, tem-se discutido uma eventual revisão constitucional e a possibilidade de um terceiro mandato presidencial. Na realidade, as duas questões não têm de andar ligadas, mas na opinião pública – ou melhor, na opinião publicada – parece fazer-se essa associação. Neste artigo procedemos a um exercício especulativo sobre a matemática da eventual revisão constitucional e as possibilidades reais de um terceiro mandato de João Lourenço, com e sem revisão constitucional. A Assembleia Nacional conta com 220 deputados. De acordo com a Constituição (CRA), artigo 169.º, n.º 1, os projectos de Lei de Revisão Constitucional e as propostas de referendo são aprovados por maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções. O número mágico de votos necessários para a revisão é portanto de 147 deputados. Se obtiver o voto positivo de 147 deputados, a revisão constitucional fica aprovada. O MPLA tem 124 deputados, faltando-lhe 23 para […]

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Breve Teoria da Revisão Constitucional

Temos recebido muitas e variadas perguntas acerca da revisão constitucional, no sentido de clarificarmos o que significa este processo e explicitarmos algumas distinções importantes, como revisão ordinária e extraordinária, ou revisão pontual. A revisão constitucional é um acto eminentemente político, pois pretende modificar alguma parte, maior ou menor, da Constituição, que é a lei que determina a organização e o funcionamento do poder político e a sua relação com os cidadãos. Portanto, a revisão constitucional é, acima de tudo, obra de políticos, e só depois de juristas, pelo que a sua discussão deve ser o mais alargada possível e não estar reduzida a tecnicismos. O facto de um assunto geralmente circunscrito aos maçadores bancos da faculdade se tornar tema de interesse público é, por si só, digno de aclamação e regozijo. Por isso, procuraremos neste texto responder, dentro do possível, a algumas dúvidas que nos foram colocadas, para assim alargarmos […]

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O Mito do Não-Controlo Parlamentar do Executivo

Há um mito recorrente no constitucionalismo angolano, segundo o qual a Constituição de 2010 não permite que a Assembleia Nacional fiscalize os actos do poder executivo. Esse mito foi reforçado e transformado em realidade, durante uns tempos, pelo tristemente famoso acórdão n.º 319/13, de 23 Outubro, do Tribunal Constitucional. Na verdade, este acórdão, escrito pelo então juiz conselheiro Raúl Araújo e subscrito pelos juízes Rui Ferreira, Américo Garcia, Miguel Correia, Onofre dos Santos e Teresinha Lopes, declarou ser inconstitucional a participação de ministros ou de altos responsáveis do Executivo em Comissões Parlamentares ou audiências na Assembleia Nacional sem a autorização do presidente da República, bem como a realização de interpelações e inquéritos ao Executivo, e igualmente perguntas ou audições de ministros. Esta peça judicial foi vista como um ponto baixo da jurisprudência constitucional, ao coarctar os poderes da Assembleia para vigiar e questionar ministros. Foi, aliás, estranho que apenas seis […]

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A Constituição e as Imunidades do Deputado-Ladrão

Pelo menos um “milagre” podemos desde já atribuir ao magistério de João Lourenço: ter transformado os piores torcionários e violadores das liberdades fundamentais angolanos em arautos permanentes dos direitos humanos. Nunca, em tão pouco tempo, tantos mudaram o seu discurso, deixando de proclamar o respeito pelas ordens superiores do presidente José Eduardo dos Santos, passando a anunciar a necessidade imperativa de respeito dos direitos fundamentais do cidadão. Bendigamos João Lourenço por este autêntico “milagre”! Tal transformação retórica tem sido especialmente candente nos casos que envolvem deputados da Assembleia Nacional. Esbracejou-se acerca da detenção, em pleno avião, de Manuel Rabelais, acenam-se novos fantasmas acerca da possível detenção de Higino Carneiro e de outros deputados. Em relação a estes altos representantes do povo soberano, alega-se sempre que nada lhes pode ser feito sem autorização da Assembleia Nacional, uma vez que estão protegidos pela imunidade parlamentar. O que é a imunidade parlamentar? É […]

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A Falsa Imunidade do Ex-Presidente da República

Os anúncios oficiais e as notícias na imprensa sucedem-se de forma quase vertiginosa: José Filomeno dos Santos, filho do antigo presidente da República José Eduardo dos Santos, é acusado de desviar US $500 milhões  do Tesouro angolano para Londres; o mesmo indivíduo e o seu sócio Jean-Claude Bastos de Morais são suspeitos de se terem apropriado de US $5 biliões do Fundo Soberano de Angola; Isabel dos Santos, filha mais velha do mesmo ex-presidente da República, vê adjudicações canceladas pelo facto de o processo de atribuição não ter respeitado a lei. Não vamos aqui discutir novamente os factos associados a estes processos. O que nos interessa agora realçar é que em todos eles há um denominador comum: a pessoa que foi responsável máxima e última por tudo, que decidiu, autorizou, despachou, mandou, ordenou. Trata-se, evidentemente, do antigo presidente da República, José Eduardo dos Santos (JES). Sempre que se chega à […]

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A Hora dos Deputados

A estratégia desenvolvida por José Eduardo dos Santos no sentido de travar a acção de João Lourenço através do MPLA está condenada ao fracasso. Esse fracasso resulta do facto de Angola ter uma Constituição. É esta lei fundamental do país que fundamenta juridicamente os órgãos de soberania: determina-lhes as funções, o âmbito de acção e impõe-lhes limites. Acresce que a Constituição de Angola criou uma Presidência da República “imperial”. Aliás, só os poderes “imperiais” do presidente permitiram que, em apenas três meses, este desenlaçasse os nós grossos que lhe tinham sido deixados pelo anterior presidente. JES fez o que quis, mas agora João Lourenço tem a mesma prerrogativa. Em termos jurídico-constitucionais, JES e o MPLA só podem condicionar João Lourenço através da enorme maioria parlamentar de que dispõem. Na Assembleia Nacional, os deputados do MPLA, se forem fiéis a JES, poderão tentar manietar João Lourenço. Poderão nomear secretários disto e […]

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Limpeza de Arquivo, Corrupção e as Eleições

Um marciano que aterrasse em Luanda e lesse os artigos que vêm sendo publicados pelos mais distintos comentaristas da oposição acreditaria que as eleições tinham ocorrido de forma livre e justa, e que tudo estava no melhor dos mundos. A discussão é tépida: centra-se nos próximos passos após a tomada de posse do novo presidente e dos deputados na Assembleia Nacional, e nas eleições de 2022, imagine-se. Parece que as decisões do Tribunal Constitucional negando as pretensões dos partidos da oposição foram definitivas para calar a oposição, quando bastava ler as declarações de voto da juíza-conselheira Imaculada de Melo para se constatar e aferir a atipicidade e ajuricidade dessas decisões. Escreveu, e bem, a juíza-conselheira: “Há subjacente ao direito eleitoral uma dimensão de probidade na qual a fé e a confiança devem assumir especial realce, dado ser fundamental, para a crença nas instituições democráticas, que as práticas [e] os actos […]

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O Medo e a Luta Pós-Eleitoral

E já está: no dia 6 de Setembro, o regime consumou o roubo das eleições, anunciando resultados em que ninguém acredita. Em reacção, a CASA-CE convocou uma conferência de imprensa em que sublinhou que o escrutínio foi uma votação para a mudança, considerando que os resultados anunciados pela CNE estão eivados de vícios, e rejeitando os resultados eleitorais. Para que seja reposta a verdade eleitoral, anunciou que vai usar os meios democráticos previstos na Constituição, designadamente o recurso ao Tribunal Constitucional. Por sua vez, Adalberto Costa Júnior, presidente do Grupo Parlamentar da UNITA, afirmou na SIC (canal de televisão português) que nenhum partido reconhece os resultados anunciados, porque eles não representam qualquer apuramento devidamente efectuado. Está assim lançada uma crise sem fim à vista, já que claramente a contagem dos votos desrespeitou a lei. E basta ver que os resultados provisórios e definitivos são exactamente iguais, até à centésima, pelo […]

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A Teoria da Fraude Eleitoral em Angola

Mais uma vez, a sociedade angolana, demonstrou as suas qualidades cívicas e colectivas, exercendo pacificamente o seu direito de voto nas eleições de hoje. Notou-se também, um pouco por todo o país, considerável grau de abstenção, com muitos angolanos a não acreditarem nem no processo eleitoral, nem nas promessas dos candidatos. Todavia, para que o voto de cada cidadão efectivamente conte e as eleições sejam a verdadeira celebração do poder soberano do povo – os eleitores – é fundamental abordar e resolver os impedimentos à transparência do processo eleitoral. A fraude eleitoral numa sociedade moderna e debaixo do foco de uma boa parte do mundo, como acontece em Angola, não é um processo artesanal e óbvio, como seria no século passado ou em outros países africanos mais recônditos e sem aspirações a serem potências regionais e ao reconhecimento global. Em Angola, a fraude eleitoral acontece através de um tempo longo, […]

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A Nudez da Justiça no Tribunal Supremo

Warren Buffet, célebre investidor norte-americano, Warren Buffet, diz muitas vezes: “Quando a maré desce é que se vê quem está a nadar sem calções.” Um exemplo típico da descida da maré que põe a nu a completa inoperância de um sector fundamental do Estado é a justiça angolana. Nos tempos mais recentes, temos visto os problemas com os técnicos de justiça da Procuradoria-Geral da República a propósito da decisão de greve do Sindicato Nacional dos Técnicos de Justiça e Administrativos da Procuradoria-Geral da República (PGR); tomámos conhecimento do manifesto do Sindicato dos Oficiais de Justiça, que identificava com clareza os vários problemas concretos e graves da justiça em Angola; e, mais recentemente ainda, soubemos da notificação judicial avulsa requerida pela Associação de Juízes de Angola relativamente ao poder executivo. Tanto quanto apurámos, este requerimento terá desencadeado uma “caça às bruxas”, no seio da magistratura judicial, por parte de elementos afectos […]

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