27 de Maio: o Sobrevivente de Um Pelotão de Fuzilamento

“Há uma grande verdade no ditado popular que afirma: “Cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima.” Hoje é dia 27 de Maio. Alguns dos anciãos que guardam testemunhos importantes para o arquivo histórico que se deve criar sobre o massacre de 1977, há 45 anos, têm caminhado para a eternidade, e assim levam consigo conhecimentos e bibliotecas únicas, que desaparecem para sempre. Em 1995, ávido de conhecer a história contemporânea da Angola, transmitida oralmente por alguns dos seus protagonistas, tive o privilégio de ouvir o testemunho pessoal de dois nacionalistas, Joaquim Pinto de Andrade e Domingos Coelho da Cruz, sobre a história angolana de que fizeram parte. Estes dois amigos juntavam-se muitas vezes no café do Centro de Imprensa Aníbal de Melo, para uma conversa de fim de tarde. Algumas vezes, Joaquim Pinto de Andrade pedia-me que o acompanhasse, a pé, até ao edifício onde residia, na […]

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Eleições, Frente Unida e Estratégias de Confusão

Vivemos um momento histórico. Nunca, desde as primeiras eleições legislativas, em 1992, a UNITA procurou apresentar uma frente oposicionista unida e liderar uma coligação de partidos políticos para confrontar o governo. Ademais, talvez com a excepção de 1992, nunca como agora houve um desejo e uma esperança tão grandes de vitória. Faltam pouco mais de três meses para as eleições. Assim, a chamada Frente Patriótica Unida (FPU) surge como uma força com especiais responsabilidades históricas. É público e notório que na liderança da FPU estão Adalberto da Costa Júnior, presidente da UNITA, Filomeno Vieira Lopes, presidente do Bloco Democrático (BD), e Abel Chivukuvuku, designado como coordenador do projecto político Partido de Renascimento Angolano – Juntos por Angola (PRA-JA). Há poucos dias, os três líderes presidiram formalmente a uma cerimónia em que empossaram a estrutura operacional da FPU. Destaca-se a nomeação do deputado Lukamba Paulo “Gato”, ex-secretário-geral da UNITA, como director […]

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Um Pacto de Regime na Justiça e Autarquias

Nota-se no ar um ambiente de tensão, eléctrico. As eleições que se aproximam têm um grau de disputa e competição pouco visto em muitos países do mundo, e em Angola são das mais intensas dos últimos tempos. Não se pode dizer que não exista uma democracia prefacial no país – os momentos preparatórios da democracia sucederam e são um facto. O problema coloca-se quando esta animada disputa não constitui um prefácio à democracia, mas sim um prólogo ao confronto violento e à destruição das instituições. A competição eleitoral não deve ser uma ocasião em que os partidos tentam derrubar a ordem constitucional ou pôr em causa as instituições, mas sim um momento em que, dentro das regras do jogo, alcançam o número de votos suficiente para formar governo e legislar. Dito de forma simples, o processo eleitoral deve ser encarado como algo que corre dentro de regras por todos aceites […]

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O Combate à Corrupção em Angola e as Suas Disfunções

Em Novembro passado, durante uma viagem intermunicipal do Muconda para o Luau, na província do Moxico, após mais de 60 quilómetros de estrada sem ver vivalma, a comitiva na qual seguia deparou-se com um pastor que conduzia perto de 30 cabeças de gado para executar a sentença de um kimbandeiro. O proprietário do gado foi acusado de feitiçaria e o kimbandeiro-juiz condenou-o a entregar parte da sua fortuna como pagamento ao próprio “juiz” e ao soba da sua jurisdição.  Muito poderia falar sobre as crenças na feitiçaria e a corrupção como esteios da sociedade angolana. Mas cabe-nos apenas, neste encontro, discutir a corrupção. Ora, a corrupção é um problema transversal, que está presente em todas as áreas da vida. Na aldeia deste pastor, a corrupção entrou na acusação de feitiçaria de que foi alvo, com o quimbanda e o soba a agir como justiceiros para benefício pessoal e dos seus. […]

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Eleições Autárquicas em Angola

Durante a sua visita a Cabo Verde, o presidente da República de Angola fez um anúncio muito interessante e algo surpreendente. Afirmou João Lourenço que “o facto de não haver autarquias locais em Angola é que é uma anormalidade. O normal é nós trabalharmos para corrigir esta situação e eu acredito que estamos cada vez mais próximos de podermos tornar isso possível.” E esclareceu que um dos obstáculos à implementação rápida das autarquias é a “falta de consenso, com relação sobretudo a uma questão, se as eleições serão feitas em simultâneo ou não”. Ora, parece então que a decisão acerca da data em que irão realizar-se as eleições autárquicas – se será ou não no mesmo dia que as eleições gerais – é o único pormenor que falta acordar para se avançar com a criação de autarquias locais em Angola. Da nossa parte, a resposta é unívoca e cristalina: as […]

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A Sociedade Desgovernada

A realidade pré-eleitoral desafia os angolanos a dedicarem um pouco da sua inteligência individual à procura do caminho certo para o bem comum. Ou os angolanos usam solidariamente as suas cabeças para criarem uma sociedade melhor para todos, ou os angolanos e seus governantes continuarão a ser a ruína do país. Com efeito, é fundamental que as forças estruturadas da sociedade lancem, com bastante antecedência, debates públicos sobre as agendas e propostas eleitorais. Se queremos um país diferente, temos de discutir ideias e não emoções. Há questões que os cidadãos preocupados com o bem comum devem colocar. Para que serve o poder? Como recordamos os nossos líderes? Quais são os legados de Agostinho Neto e de José Eduardo dos Santos, respectivamente primeiro e segundo presidentes de Angola? Como nos lembraremos de João Lourenço, o terceiro presidente? Que legado nos deixará? Holden Roberto e Jonas Savimbi, os outros dois grandes líderes […]

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A PGR e os Tigres de Papel

Os velhos hábitos persistem na Procuradoria-Geral da República (PGR). Em alguns casos, parece que há uma força oculta determinada a manter a asneira hiperbólica. É o que se passa actualmente no Tribunal Provincial de Luanda, 6.ª secção da sala dos crimes comuns, processo n.º 906/21-E TPLDA, presidido pela juíza Josina Falcão, uma magistrada com reputação independente e justa, e profundamente conhecedora das normas jurídicas, auxiliada pelos juízes Joaquim Salombongo e Manuela Vatana Soares, que tem como arguidos 30 supostos ex-comandos “Tigres”. Está presente na memória de todos a absurda acusação feita contra os 15+2 em 2015, em que lhes era imputada a prática de crimes de actos preparatórios para a rebelião e de actos preparatórios de atentado contra o presidente da República. Reuniões para ler e interpretar um livro e discutir a situação política do país foram transformadas em conspirações tenebrosas para derrubar o governo. No entanto, o embaraço e […]

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Como Angola e África do Sul Abordam a Corrupção

No início deste ano, foi publicado na África do Sul o Relatório Zondo, que contém diversas lições para Angola acerca do combate à corrupção: umas sobre o que se deve fazer, outras sobre o que se deve evitar. Quando se chega ao fim da leitura, fica a sensação de que o que aconteceu na África do Sul, em termos de corrupção e “captura do Estado”, não é muito diferente do que aconteceu em Angola. O Relatório Zondo O Relatório Zondo é um texto extenso, de 874 páginas, sobre alegações de corrupção de alto nível ocorridas durante a presidência de Jacob Zuma na África do Sul. Foi publicado a 4 de Janeiro de 2022. Este relatório é o resultado do trabalho da Comissão Zondo. Esta Comissão, designada oficialmente como Comissão Judicial de Inquérito sobre Alegações de Captura do Estado, Corrupção e Fraude no Sector Público, incluindo Órgãos do Estado, promoveu um […]

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Diversificação da Economia: Realidade ou Utopia?

Entre os fumos e os fogos, passou despercebido o início de uma discussão fundamental entre o presidente da República, João Lourenço, e o líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, sobre um tema de futuro para Angola: a diversificação. Na sua conferência de imprensa no passado dia 5 de Janeiro, João Lourenço definiu a diversificação da economia como a bandeira da sua governação. Uns dias depois, o líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior veio dizer que a diversificação é uma utopia. A verdade é que, se a diversificação da economia angolana não é ainda uma realidade, não pode, no entanto, ser uma utopia. A dependência de Angola de uma matéria-prima essencial – o petróleo – tem sido um factor determinante para o modelo económico adoptado nos anos de paz, a seguir a 2002. A razão para tal pode ter sido meramente económica, pois o petróleo estava ali “à mão […]

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Os Perigos da Judicialização da Política

Não se pode pedir ao direito que resolva todos os problemas de uma sociedade, nem esperar que ele os resolva. O direito nunca é a solução definitiva e global de uma situação, é um mero coadjuvante do bom senso, da ordem razoável e simultaneamente da estabilidade e do progresso humano. Querer que o direito e a justiça resolvam os problemas políticos fundamentais é puro disparate. Vejamos um caso que nada tem a ver com as discussões em Angola, mas tem exaltado multidões em vários países: o aborto. O aborto é um assunto que divide as consciências e as populações em muitos países, sobretudo os de influência cristã. Nos Estados Unidos, os políticos não se puseram de acordo sobre uma lei que permitisse a interrupção voluntária da gravidez, e teve que ser o Supremo Tribunal norte-americano, em 1973, na famosa decisão Roe v. Wade, 410 U.S. 113, a decidir que a […]

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