A Suprema Confusão no Tribunal do Joel

Quase desde a sua designação como presidente do Tribunal Supremo que Joel Leonardo tem sido alvo de contestação.

Numa primeira apreciação, poder-se-ia pensar que tal atitude resulta do mau perder de alguns juízes – no fim de contas, são humanos como qualquer um de nós –, ou de alguma inépcia relacional de Leonardo.

O tempo foi passando e nada melhorou.

Nem os ataques cessaram, nem a aparente incapacidade do juiz para exercer a mais alta função da magistratura se modificou. Não vamos historiar todos os “casos e casinhos”, mas basta lembrar a tendência para instaurar processos disciplinares a despropósito, a estranha aventura com um morto em Benguela, para não falar das decisões desproporcionadas em relação ao colega Agostinho Santos.

Mesmo assim, poder-se-ia considerar que, a bem da estabilidade institucional e do normal funcionamento orgânico de que Angola tanto necessita, é necessário suportar Joel Leonardo, ainda que não abdicando da fiscalização e da crítica pública que compete a uma sociedade activa.

Contudo, duas recentes notícias abalaram essa estabilidade institucional.

A primeira refere desenvolvidamente os eventos que terão levado à “despronúncia” de Higino Carneiro, figura que aliás não existe no ordenamento jurídico. Se há pronúncia, há julgamento; se não há pronúncia, há arquivamento.

Os factos publicitados, já antes mencionados nestas colunas, são suficientemente graves para obrigarem a uma intervenção mais abrangente e contundente, que explicitaremos adiante.

A “despronúncia” de Higino Carneiro, tal como está a ser contada, viola todos os elementos do processo penal e coloca em causa o próprio conceito de combate à corrupção.

A segunda notícia que impõe um escrutínio mais apertado é a suposta venda a título pessoal de bens apreendidos no âmbito do combate à corrupção.

Aparentemente, usando um sobrinho, Joel Leonardo estará a vender edifícios apreendidos ao China International Fund (CIF) e a guardar para si o valor resultante dessa venda.

Ambas as notícias podem estar deturpadas, mal contadas ou descontextualizadas. No entanto, a sua gravidade social, e eventualmente legal, não pode ser escamoteada e impõe a criação de mecanismos de averiguação e, se for o caso, a punição e o afastamento de Joel Leonardo.

Em primeiro lugar, há que averiguar e estabelecer os factos nos dois casos mencionados: “despronúncia” de Higino Carneiro e venda privada de edifícios urbanos apreendidos na luta contra a corrupção.

O procedimento normal para uma situação deste tipo poderia ser a instauração de um processo disciplinar nos termos dos artigos 89.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Todavia, em consistência com a posição que já foi aqui tomada a propósito do processo disciplinar instaurado a Agostinho Santos, entende-se que estamos antes de tudo perante matéria com relevância constitucional, afectando órgãos de soberania. Nessa medida, devem ser chamados à colação os representantes legítimos da vontade popular e adoptar-se um procedimento com dignidade soberana e constitucional.

Consequentemente, no âmbito da Assembleia Nacional, deveria ser tomada uma deliberação por dois terços dos deputados, criando-se uma comissão ad hoc composta por deputados, com a função de investigar e averiguar o comportamento de Joel Leonardo nos dois casos mencionados.

Feita a investigação, caso fossem obtidas conclusões confirmativas, a comissão deveria enviar o relatório conclusivo para a Procuradoria-Geral da República (PGR), com vista à instauração de respectivo processo criminal, e ao Conselho Superior da Magistratura Judicial, para o competente processo disciplinar com vista à demissão da magistratura. Neste intervalo, Joel Leonardo seria suspenso de funções.

Pelo contrário, caso as conclusões da comissão ad hoc da Assembleia Nacional não fossem confirmativas, ou seja, caso não se descobrisse nenhuma actuação incorrecta por parte de Joel Leonardo, os respectivos denunciantes deveriam ser punidos com toda a severidade da lei. Esta parece ser a forma constitucional de se sair do imbróglio aparente em que a mais alta instância de justiça parece estar envolvida. Obviamente, não se pode continuar na situação presente, em que as suspeições se repetem diariamente, contribuindo para uma rápida degradação da imagem e do funcionamento da justiça.

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