Benguela: Esbulho e Mais Uma Trapalhada Judicial

“Na ausência de qualquer segurança jurídica, como se pode atrair investimento estrangeiro e promover o investimento interno? Angola só mudará quando estes abusos forem combatidos de forma célere, inequívoca e vigorosa” – assim terminava o mais recente artigo do Maka Angola sobre justiça e mau funcionamento dos tribunais.

Bem poderia ser esse o preâmbulo do presente artigo, hoje dedicado à situação inaceitável do investidor israelita Dudik Hazan, assunto que também já abordámos neste portal.

Na opinião de Hazan, com quem conversámos, as palavras que o presidente da República proferiu no seu discurso à nação – “Angola hoje é um lugar seguro para investir” – são muito apelativas, mas a vontade de tornar o país propício ao investimento estrangeiro não basta, quando a elite político-militar e os tribunais continuam a fazer de Angola um país muito perigoso para se investir e viver.

Dudik Hazan é israelita e sempre quis investir em Angola, pois gostou do país, das pessoas e acreditava no potencial nacional. Por isso, decidiu formar uma sociedade em Angola. Na altura, a legislação exigia que tivesse um sócio angolano para poder abrir negócio, e foi o que fez. Associou-se a Jú Martins, deputado do MPLA e figura influente da elite política; julgou que o seu investimento estaria salvaguardado e que não poderia ser roubado por um dirigente angolano.

Hazan é sócio-gerente da Starlife Group, Lda. desde 2 de Julho de 2014. Para o arranque das actividades da sociedade, cumpriu todos os procedimentos que a lei exige aos investidores estrangeiros a nível da Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP) e do Guiché Único de Empresas (GUI). Em consequência das exigências legais, efectuou pagamentos às referidas instituições, bem como fez transferências para a conta da Starlife Group, no Banco Sol, em montante equivalente a um milhão de dólares, com vista a dar início à actividade comercial da empresa. Procedeu também à realização do capital inicial da empresa, sozinho, no montante de cem mil kwanzas, um valor que foi transferido da conta de Dudik Hazan directamente para conta da empresa Starlife Group, sem nenhuma contribuição de Jú Martins.

Jú Martins não colocou nenhum montante na empresa, apenas contribuiu com a sua nacionalidade e o facto de ser alguém que se apresentou como bem relacionado. No fundo, comprometeu-se a realizar actos que provavelmente hoje se enquadrariam no crime de tráfico de influências.

No entanto, mesmo sem ter direito efectivo algum sobre a empresa, por nem sequer ter realizado o capital inicial, Jú Martins instaurou um processo contra Dudik Hazan, quando este se encontrava fora de Angola, na Câmara Cível do Tribunal de Benguela.

O referido tribunal decretou a suspensão de funções de Dudik Hazan. Conforme a sentença, o tribunal ordenou que a fiel depositária de Jú Martins, Orquídea de Apresentação dos Santos, tomasse posse da empresa. A decisão determinou também a expulsão de todos os trabalhadores estrangeiros afectos à empresa, que se encontravam nas salinas, com ajuda da Polícia Nacional, sem sequer acertar contas com os mesmos.

Para reforçar a sua narrativa, Jú Martins acusou todos funcionários estrangeiros de vários crimes económico-financeiros. Não se percebe o que foi roubado a Jú Martins, uma vez que não fez nenhuma contribuição financeira, ou equivalente a esta, na empresa. No entanto, com este “golpe” judicial, Jú Martins apoderou-se da empresa e até conseguiu que dois funcionários estrangeiros fossem condenados.

Contudo, Angola ainda tem órgãos que seguem a lei. Os advogados de Dudik Hazan recorreram ao Tribunal Supremo, Câmara Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro 1.ª Secção, e Hazan ganhou o processo n.º 1672/17, em cujo acórdão decisório ficou provado que a acção levada a cabo pela Polícia Nacional consubstanciava um esbulho, e que foi exercida violência sobre Dudik Hazan e sobre os seus bens por parte de agentes da Polícia Nacional angolana. As fotos tiradas pelos funcionários da empresa que estavam presentes na salina durante o momento desta acção policial mostram que estava presente um dos filhos de Jú Martins, Bruno Martins, durante a acção policial, agindo como uma espécie de mandante policial.

Adicionalmente, no mesmo acórdão, foi explicitado que na lei angolana não se pode suspender os sócios-gerentes. Os mesmos podem ser destituídos, mas isso tem de ser feito à luz de um processo de averiguação dos factos. Ou seja, a suspensão de Dudik foi ilegal.

Por incrível que pareça, mesmo com a decisão do Tribunal Supremo, até à data o Tribunal de Benguela não efectuou a execução da sentença para que Dudik Hazan receba a empresa de volta e possa ajustar as contas com Jú Martins, uma vez que havia mais de mil toneladas de sal nos armazéns da empresa, entre outros pertences, no momento em que Jú Martins se apoderou dela.

Este acórdão saiu a 21 de Março de 2019, e o Tribunal de Benguela, até à data, passado mais de um ano e oito meses, não repõe a legalidade. Ou seja, para fazerem o errado foi tudo muito rápido, na hora de repor a legalidade, o processo é moroso, a passo de tartaruga. Há anos que vimos alertando para a privatização da soberania efectuada pela elite político-militar do regime: tribunais, polícias, aparelho de justiça, tudo foi posto a funcionar como um braço particular de um punhado de dirigentes que se arrogaram em homens ou mulheres de negócios. Se são homens e mulheres de negócios, é porque recorreram ao esbulho e à falcatrua contra os seus sócios e investidores estrangeiros ou contra o próprio tesouro público nacional. Os casos são inúmeros. É tempo de travar estes abusos e pôr o sistema judicial e as autoridades a funcionar de acordo com a lei, e não de acordo com interesses privados da elite rapace de Angola.

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