Estranhas Surpresas na EFACEC
A EFACEC sempre foi uma empresa prestigiada em Portugal, com 70 anos de uma história de sucesso na engenharia. Em 2015, encontrava-se em grave crise, colocando alguns bancos portugueses, como a Caixa Geral de Depósitos (CGD), em elevado risco de exposição – o que, no rescaldo da troika, era particularmente assustador.
Foi nessa altura que Isabel dos Santos surgiu como uma cavaleira de armadura cintilante e comprou a companhia, salvando pelo meio os bancos portugueses de sofrerem novos prejuízos avultados. Recebida com um tapete vermelho, obteve junto dos mesmos bancos que antes estavam aflitos com a EFACEC – a começar pela CGD – a concessão de empréstimos para financiar parte do seu negócio de compra da empresa.
A compra da EFACEC era estratégica para Isabel dos Santos, pois, além de lhe permitir aumentar a reputação comercial em Portugal, era um valioso complemento tecnológico para a construção de barragens em que estava empenhada em Angola, como Caculo Cabaça, que será a maior do país.
Entretanto, a situação mudou e Isabel dos Santos perdeu os negócios das barragens em Angola. Em Julho de 2018, o presidente João Lourenço excluiu Isabel dos Santos da construção da barragem de Caculo Cabaça. Posteriormente, Isabel dos Santos viu-se a braços com várias iniciativas da justiça angolana para arrestar os seus bens, iniciativas que se estenderam a Portugal.
Sem barragens em Angola, e com uma dívida bancária em Portugal proveniente da EFACEC, esta companhia tornou-se um peso morto para Isabel dos Santos.
É neste contexto que devem ser analisadas as recentes notícias sobre a EFACEC e Isabel dos Santos, segundo as quais Isabel dos Santos assinou um memorando para libertar acções da empresa em benefício dos bancos credores.
Aparentemente, a operação servirá para que Isabel liquide com essas acções as suas dívidas à banca portuguesa, designadamente à CGD (principal credor), ao BCP, ao BPI, ao Novo Banco, ao Banco Montepio e ao EuroBic/BIC.
Portanto, nesta operação, Isabel abandona a sua posição como sócia da empresa e deixa de dever aos bancos o valor que pediu emprestado. Os bancos portugueses, que já antes da chegada de Isabel à EFACEC estavam a braços com a possibilidade de incumprimento desta empresa, continuarão igualmente expostos…
Do ponto de vista da racionalidade económica, esta operação é boa para Isabel, uma vez que, afastada do negócio das barragens, já não precisa da EFACEC e pode assim reduzir o seu passivo. Em contrapartida, para a banca portuguesa, significa voltar ao passado e aos velhos problemas com a EFACEC.
Não se percebe a complacência da banca face a Isabel dos Santos. Faria bem mais sentido cobrar-lhe a dívida, em vez de receber acções de uma companhia com futuro incerto. Que novos gestores, sócios ou projectos tem a EFACEC para justificar este negócio? Ou será que a banca portuguesa não tem meios de cobrar a dívida a Isabel? Será que nunca lhe pediu garantias e que este é o único meio de simular uma resolução do problema?
Na verdade, os bancos portugueses entregaram dinheiro fresco a Isabel dos Santos para que esta salvasse a EFACEC, e em troca vão agora receber uma empresa em situação difícil, cujos trabalhadores estão em lay-off desde 6 de Abril.
Neste momento, teria mais lógica nacionalizar a EFACEC, de forma a viabilizar efectivamente a empresa e a proteger os trabalhadores. Paralelamente, os bancos deveriam ir atrás de Isabel dos Santos para buscar o seu dinheiro, distinguindo a dívida pessoal de Isabel da dívida da empresa. São realidades distintas que devem ser tratadas e modo igualmente distinto.
Por sua vez, para os intentos do Estado angolano, esta situação suscita alguma perplexidade. Não se recupera qualquer activo, nem se exerce qualquer sanção criminal ou civil sobre Isabel.
Além do mais, há que relembrar que o Estado angolano, através da ENDE (Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade) também é sócio da EFACEC, aparentemente através da Winterfell de Isabel dos Santos. Segundo a mesma afirmou em tempos a um jornal português, “com os 40%, o capital da Winterfell, a ENDE deveria pagar 40 milhões de euros, mas só pagou 16 milhões de euros”. Portanto, mesmo na versão de Isabel dos Santos, o Estado angolano entrou pelo menos com 16 milhões de dólares no negócio. Não vai receber nada? Fica sem a totalidade do dinheiro? Acaba por ser o grande prejudicado desta operação? Ou será que as participações do Estado já foram entretanto vendidas?
Em resumo, o negócio da EFACEC parece ser positivo única e exclusivamente para Isabel dos Santos, que se liberta simultaneamente de uma empresa que já não lhe interessa e da respectiva dívida. Para os bancos portugueses, renova-se um problema que julgavam ter resolvido em 2015. Para Angola, não se recupera qualquer activo, o Estado fica neutralizado em relação a Isabel dos Santos no que toca à EFACEC e, caso o Estado não tenha vendido já as suas participações, corre-se o risco de perder os 16 milhões de dólares investidos directamente na empresa.