Até as Barragens, Engenheira Isabel dos Santos

Isabel dos Santos é a principal beneficiária do acordo de financiamento, no valor de quatro biliões e meio de dólares, assinado em Novembro passado na China pelo ministro das Finanças, Archer Mangueira, para a construção da Barragem Hidroeléctrica de Caculo Cabaça, na província do Kwanza-Norte.

O acordo, assinado com o Banco Industrial e Comercial da China, servirá para pagar os serviços do consórcio que construirá a barragem e, mais uma vez, comprova que o presidente José Eduardo dos Santos usa sistematicamente os seus decretos e despachos para enriquecer de forma ilícita a própria filha.

A 12 de Junho de 2015, José Eduardo dos Santos exarou o despacho presidencial n.º 58/15, que aprovou o projecto de Aproveitamento Hidroeléctrico de Caculo Cabaça e autorizou, por cerca de quatro biliões de dólares, a celebração do contrato de empreitada da obra entre o Ministério da Energia e Águas e o Consórcio CGGC (China Gezhouba Group Corporation) & NIARA Holding, Lda.. Ao valor inicial aprovado pelo presidente em 2015 adicionaram-se mais 500 milhões de dólares, sem qualquer justificação válida.

Para o efeito, o presidente determinou a inclusão do projecto na Programação Anual de Investimentos Públicos (PIP) e instruiu o ministro das Finanças para que obtivesse um financiamento junto do referido banco chinês.

O despacho presidencial não foi precedido de qualquer concurso público ou procedimento formal para a adjudicação da empreitada de obra pública, conforme exige a Lei da Contratação Pública. O despacho, de resto, nem sequer justifica o motivo de exclusão da aplicação dessa Lei. Portanto, a adjudicação da empreitada simplesmente não tem fundamento legal.

Por outro lado, o despacho presidencial, seja por desleixo ou pela habitual arrogância do presidente, que insiste em se colocar acima da lei, refere-se à atribuição da obra a um consórcio, ou seja, a duas empresas: a CGGC e a NIARA.

Ora, a verdade é que, por altura do despacho, não existia consórcio algum. O que havia era uma empresa de direito angolano fundada a 23 de Maio de 2013, com a designação de CGGC & NIARA Holding, Limitada.

Os sócios dessa empresa são nada mais nada menos que a sociedade 2I’S – Sociedade de Investimentos Industriais SA, com sede no endereço de uma das residências privadas de Isabel dos Santos, filha do presidente da República, e a CGGC -Engenharia de Angola Lda., representada por Zhou Cheng, cada um com 50 por cento do capital. O endereço usado para o registo da 2I’s é o mesmo usado por Isabel dos Santos, como seu endereço residencial em Luanda, no registo da Niara Holding SGPS, em 2013, na ilha da Madeira, em Portugal.

A 2I’S tem como testas-de-ferro Machel Bruno Nuno Cordeiro dos Santos (99 por cento das acções), Joaquim Augusto Martins, Graça de Fátima da Costa Rocha, Edith Cassule Lourenço Neto Correia e Iola da Graça Maurício Quaresma. Há uma evidência incontestável: não é possível que um grupo de estranhos tenha criado uma empresa e sedeado a mesma em casa de Isabel dos Santos, caso essa empresa não pertencesse, justamente, a Isabel dos Santos.

Estranhamente, esta sociedade não tem nada a ver, excepto o nome, com a Niara Holding, SGPS Lda., registada na ilha da Madeira, em Portugal, e pertencente a Isabel dos Santos.

A 1 de Abril passado, Maka Angola enviou um questionário (abaixo reproduzido), à empresa portuguesa Luís Paixão Martins Comunicação (LPM Comunicação), responsável pela assessoria de imprensa e de imagem de Isabel dos Santos. Contudo, não obteve qualquer resposta. Essa empresa, de forma mercenária, iniciou recentemente uma campanha contra o autor e Maka Angola, junto da imprensa internacional, com vista a desacreditar o nosso trabalho. As razões são claras: sendo incapaz de rebater as evidências sobre o saque e enriquecimento ilícito de Isabel dos Santos através dos decretos do seu pai, a LPM Comunicação escolhe defender a qualquer preço a pilhagem de Angola perpetrada pelo pai e pela sua cliente.

Em resumo, em 2015, por altura do primeiro decreto, o pai-presidente adjudicou uma obra no valor de quatro biliões de dólares a uma empresa detida, em 50 por cento, pela sua filha, enquanto os chineses detinham outros 50 por cento.

De acordo com o advogado Horácio Junjuvili, “essa adjudicação foi feita sem qualquer formalidade prévia conhecida, constituindo uma concessão ilegal, por violação da Lei da Contratação Pública”.

O segundo despacho presidencial

A 3 de Junho de 2016, José Eduardo dos Santos exarou o despacho presidencial n.º 108/16, acrescentando que a construção da Barragem de Caculo Cabaça será, desta feita, realizada por um consórcio constituído pela CGGC & Niara Holding Lda., mais a China Ghebouza Group Company Limited (CGGC) e a Boreal Investments Limited.

Nesse novo figurino aprovado pelo presidente, a CGGC, uma empresa de engenharia e construção sedeada na província chinesa de Hubei, detém 60 por cento do consórcio, de acordo com a declaração da referida empresa. A empresa privada Boreal Investments Ltd., baseada em Hong Kong, tem uma participação de 37,5 por cento, enquanto a empresa CGGC & Niara Holdings detém os restantes 2,5 por cento.

Aquando da criação da CGGC & Niara Holdings, a empresa 2I’s Sociedade de Investimentos Industriais SA foi representada pelo advogado angolano de Isabel dos Santos, Fidel Kiluanje Assis Araújo. Normalmente, o processo de registo das empresas de Isabel dos Santos em Angola é feito por Fidel Kiluanje Assis Araújo, que actua como seu procurador.

Não é portanto de estranhar que, quatro meses depois do despacho presidencial, a 25 de Outubro de 2016, Fidel Kiluanje Assis Araújo apareça como director da Boreal Investments Ltd. e, indiscutivelmente, como testa-de-ferro de Isabel dos Santos. A Boreal Investments Ltd. consta do Registo de Companias de Hong Kong sob o n.º 1616878, conforme documentos em posse do Maka Angola, e nessa data as dez mil acções da empresa foram transferidas para Fidel Kiluanje Assis Araújo.

A directoria da Boreal Investments Ltd. passou antes pelo cidadão francês Ko Nema Mbamogo Mwenenge, que tem representado uma série de empresas de Isabel dos Santos e do seu marido, Sindika Dokolo. Tal é o caso do grupo de empresas Exem (Holding A.G, Energy B.V, Oil & Gas B.V, Mining B.V), baseadas na Holanda.

Mais uma vez, o segundo despacho presidencial não tem fundamentação legal e derroga ilicitamente, face à informação disponível, as determinações da Lei da Contratação Pública.

Em suma, a Barragem de Caculo Cabaça será financiada e construída pela China. Então, qual é o papel de Isabel dos Santos no meio disto tudo? A filha do presidente não financia, não constrói. Portanto, não faz qualquer sentido nem tem justificação lógica ou racionalidade económica a participação de Isabel dos Santos. A única vantagem é da própria, que assim pode recolher uma percentagem significativa dos lucros da construção da barragem.

As quatro barragens do Rio Kwanza

Importa, antes de mais, contextualizar o projecto hidroeléctrico de Caculo Cabaça no âmbito das políticas e da situação real de fornecimento de energia eléctrica no país, em particular na capital.

José Eduardo dos Santos na sua visita às obras da Barragem de Laúca.

Nos últimos meses, Luanda tem sido afectada por cortes de electricidade diários e pelo sucessivo racionamento e rotatividade por bairros. Muito se tem falado sobre a entrada em funcionamento, em 2017, da Barragem de Laúca (2,070 MW), avaliada em quatro biliões de dólares, para pôr fim a estes cortes e ao défice de electricidade em Luanda.

Laúca é a terceira barragem construída ao longo do Rio Kwanza, depois de Cambambe (960 MW) e Capanda (520 MW). É a maior barragem de Angola. Inspirados pelas constantes promessas irrealizadas e pelas sucessivas desculpas dos dirigentes, que agora atribuem a falta de energia à redução do caudal do Rio Kwanza, alguns internautas iniciaram uma campanha na internet. “Vamos Encher Laúca”, apresenta uma fotografia com várias mulheres a carregarem bacias de água na cabeça para encherem a albufeira de Laúca.

No quadro desse leque de promessas, a quarta barragem hidroeléctrica, de Caculo Cabaça, será construída 19 quilómetros a jusante de Laúca, na província do Kwanza-Norte, para “exportar electricidade produzida no Rio Kwanza para países como a Namíbia ou a África  do Sul”.

É no meio da confusão que floresce o saque

Caculo-Cabaça não representa o primeiro envolvimento de Isabel dos Santos com os chineses para a obtenção de contratos lucrativos por via dos despachos presidenciais do seu pai.

A 27 de Setembro de 2013, pelo decreto presidencial n.º 90/13, a reabilitação e o aumento da capacidade da Barragem de Luachimo (de 8 para 34 MW), na Lunda-Norte, foi adjudicada à chinesa CGGC, por mais de duzentos milhões de dólares. No entanto, apenas três anos mais tarde, a 13 de Outubro de 2016 é que o governo de José Eduardo dos Santos realizou a cerimónia formal de consignação da obra à CGGC, para dar início aos trabalhos, com termo previsto para 2019.

A CGGC, por sua vez, subcontratou a empresa Niara Power, que é uma subsidiária da Niara Holding SA de Isabel dos Santos.

E o que faz a Niara Power? Para além da influência, vai subcontratar outra empresa, a portuguesa Efacec Power Solutions.

“83 milhões de dólares é o valor do contrato que a Efacec acaba de assinar com a Niara Power, enquanto subcontratada da companhia chinesa de engenharia e construção, Gezhouba Group (CGGC), uma das maiores e mais relevantes empresas mundiais no sector da construção civil e em particular na construção de barragens”, anunciou a empresa no seu website.

A Efacec Power Solutions – adivinharam! – também faz parte do universo de empresas de Isabel dos Santos.

Actualmente, a Efacec é dominada, com 72.6 por cento (após aumento de capital em 2015) pela Winterfell, sedeada em Malta. No mesmo ano, a Niara Holding vendeu 40 por cento da sua quota na Winterfell, à Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade – Empresa Pública (ENDE E.P.), numa operação aprovada previamente pelo presidente José Eduardo dos Santos. O valor do negócio permanece em segredo até hoje. A Niara manteve 60 por cento da quota, conferindo a Isabel dos Santos a posição de accionista dominante da Efacec.

Além de Luachimo, a Efacec obteve vários contratos altamente lucrativos em Angola no sector da energia e das águas, incluindo para a provisão de transformadores de potência para a Barragem de Laúca, e para reabilitação da Barragem do Gove (Huambo).

Ultimamente, Isabel dos Santos tem-se desdobrado em pronunciamentos públicos e entrevistas, dentro e fora do país, apresentando-se como vítima de perseguição política e de preconceitos por ser a filha do presidente. Do que Isabel dos Santos não se queixa é da sua arrogância e do seu carácter de predadora insaciável, que continua a acumular riquezas precisamente através das decisões corruptas e ilícitas do seu pai-presidente, continuando a desgraçar o povo angolano e os recursos do país.

 

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