Exigências para Um Ensino de Qualidade

Conforme exposto em artigo recente de Rafael Marques no Maka Angola, são inúmeros os casos de escolas primárias em situação de calamidade em Angola, marcadas por infra-estruturas precárias, sobrelotação, incapacidade de fornecer alimentação adequada aos alunos e, em especial, com recursos orçamentais insuficientes para prover os padrões educacionais mínimos e garantir as aprendizagens das crianças.

Tomando como base o Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2023, os investimentos em educação em Angola foram de aproximadamente 2,4% do PIB, abaixo da média dos países da África Subsaariana (3,2% do PIB) e metade da média da OCDE (5% do PIB). Apesar de se prever um ligeiro aumento no OGE de 2024, para 2,85% do PIB, o quadro é extremamente preocupante, para mais tendo em conta a elevada taxa de natalidade e a pressão demográfica em Angola, que exigirão especial atenção por parte do governo, no sentido de garantir a universalização do ensino primário.

Organizações internacionais como o FMI reforçam o diagnóstico da urgência de se direccionarem mais recursos para a educação. Segundo estimativas desta instituição, seria necessário investir 8,3% do PIB em educação para alcançar os objectivos básicos do ensino primário e secundário.

Paralelamente ao aumento dos investimentos em educação, é necessária uma discussão profunda sobre quais são as medidas mais urgentes a tomar para garantir o objectivo da universalização do ensino básico e a melhoria dos indicadores de ensino. Nesse sentido, é essencial utilizar os dados factuais relativos às políticas bem-sucedidas que foram implementadas noutros países em desenvolvimento para promover uma efectiva estruturação do sistema educacional.

As experiências internacionais de referência mostram que há dois campos complementares para a melhoria da educação em países em desenvolvimento: o aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão educacional e a melhoria das condições de acesso às escolas, evitando-se o abandono escolar e criando-se melhores condições de aprendizagem.

Uma das acções prioritárias é o fornecimento de alimentação adequada nas escolas de Angola. Em muitos países em desenvolvimento, a alimentação nas escolas é a principal refeição diária das crianças. Nesse sentido, fornecer a alimentação não apenas mitigaria os casos de fome e desnutrição, como também promoveria a frequência escolar. É precisamente isso que demonstra o caso documentado no Quénia, onde se constatou que o fornecimento de uma refeição diminuiu o abandono escolar e trouxe benefícios de aprendizagem.

Um segundo eixo fundamental é institucionalizar as escolas como centros de cuidados básicos, e fornecer medicamentos que possam reduzir a incidência de doenças com elevada incidência em países em desenvolvimento. Um estudo na Índia revelou que a distribuição de vitaminas e vermífugos em escolas aumentou a frequência escolar e reduziu os casos de desnutrição severa a um baixo custo.

Além disso, é preciso combater a sobrelotação das escolas. Para garantir as condições mínimas de aprendizagem, é urgente construir mais salas de aula, de modo a comportar a numerosa população estudantil de Angola. Países como o Afeganistão recorreram a parcerias com a comunidade local para a construção de novas instalações escolares e para a melhoria da qualidade da educação. Naquele país, incentivou-se o envolvimento activo da comunidade nas fases de planeamento e execução de construção de novas escolas, promovendo nas famílias um sentido de propriedade e responsabilidade em relação às escolas. As estratégias foram adaptadas aos contextos específicos de diferentes regiões, utilizando-se materiais e mão-de-obra disponíveis localmente. O foco na criação de espaços educacionais simples e funcionais, ao invés de construções complexas, permitiu concentrar esforços nas principais necessidades dos alunos e professores, como salas de aula básicas e materiais didácticos essenciais. Esta experiência mostra como é possível alavancar uma prática que já ocorre em Angola, na qual os pais muitas vezes co-participam na construção de salas de aula, o que possibilitaria ao Estado direccionar mais esforços e recursos para a contratação e a formação de professores.

É importante reforçar que, mesmo com poucos recursos e em condições adversas, é possível obter bons resultados. Um dos casos mais famosos é o da cidade de Sobral, no Brasil, um exemplo de como a formação de professores e directores de escola é essencial para garantir a aprendizagem dos alunos. Localizada no interior do Ceará, um dos estados mais pobres do Brasil, em cerca de dez anos Sobral consolidou-se como o melhor sistema de ensino primário e secundário do Brasil, superando outras cidades e estados com investimentos muito mais expressivos em educação.

Em 2001, a educação foi elencada como a política prioritária de Sobral, tendo como principal meta a alfabetização todas as crianças até o final do segundo ciclo. Para alcançar esse objectivo, a reforma educacional em Sobral assentou em cinco pilares:

  • O primeiro consistiu no uso efectivo das avaliações de aprendizagem. A Secretaria de Educação concentrou esforços num diagnóstico detalhado de cada escola; os resultados eram discutidos com os directores e os professores, de modo a elaborar a melhor estratégia, e os pais também eram chamados, para participarem mais no processo de aprendizagem dos filhos, em especial no caso dos alunos com mais dificuldades.
  • Segundo, reestruturou-se o currículo educacional, com ênfase na alfabetização e nas competências essenciais. As crianças alfabetizadas tardiamente revelavam mais dificuldades em desenvolver competências de leitura e raciocínio lógico; houve um grande esforço para formar os professores e garantir a aplicação do novo currículo educacional.
  • Terceiro, reorganizou-se a rede de escolas e infra-estruturas. Para optimizar o orçamento para ensino básico, Sobral concentrou esforços em ter menos escolas, mas mais capazes de garantir infra-estruturas adequadas e de fornecer comida às crianças. Nas aldeias onde as escolas foram encerradas, disponibilizaram-se autocarros para transportar as crianças até à escola mais próxima.
  • Quarto, criou-se um plano efectivo de carreira para professores. Após a formação dos professores no novo currículo pedagógico, a progressão na carreira passou a ter como principal critério a avaliação do ensino básico, valorizando-se os professores das salas de aula com melhor evolução.
  • Por fim, a selecção de directores de escola passou a ser realizada por critérios técnicos, abolindo-se a nomeação política para o cargo de director de escola e implementando-se um processo de selecção para procurar profissionais com experiência em pedagogia e capacidade de gestão. Os directores passaram a contar com amplo suporte da Secretaria de Educação no sentido de melhorar a gestão escolar e as técnicas pedagógicas.

Em suma, há dados factuais relativos a diversos países em desenvolvimento que fornecem contributos valiosos para a reformulação da política educacional de Angola. Primeiramente, é necessário atribuir prioridade à educação no OGE. O montante que lhe é actualmente destinado claramente não chega, e será cada vez mais insuficiente, dado o cenário de sobrelotação das salas de aula e a pressão demográfica hoje existente em Angola. Em segundo lugar, é preciso explorar sinergias entre os esforços da comunidade e a acção do Estado, em especial para garantir a construção de salas de aula e a colocação de professores capacitados e de material didáctico adequado. Por fim, as escolas precisam de ser centros de cuidados básicos e fornecer alimentação e cuidados de saúde às crianças de Angola.

O caminho para a universalização do ensino básico pode parecer longo e desafiador. Porém, não faltam exemplos de boas políticas, executadas a um baixo custo, que foram extremamente eficazes e que podem servir de guia para alavancar o capital humano em Angola. Trata-se de um caminho essencial para criar uma base sólida que acelere o desenvolvimento económico do país.

Comentários