Labirintos Estratégicos do Corredor do Lobito

Há uns ventos na opinião pública angolana que surgem do nada e levam tudo em frente, sem reflexão. Foi o que aconteceu recentemente com o denominado “Corredor do Lobito”, que as notícias apresentaram como um novo milagre abençoado pelos americanos.

A realidade é que as coisas são um pouco mais complexas e merecem uma discussão aprofundada, sem embargo de, desde já, afirmarmos o nosso apoio à reutilização plena do Corredor do Lobito.

As nossas preocupações estão nos detalhes geoestratégicos e na concretização técnica. Neste texto, debruçar-nos-emos apenas sobre o primeiro aspecto, os labirintos geoestratégicos do Corredor do Lobito.

Cumpre em primeiro lugar definir o que é o Corredor do Lobito. Na sua acepção mais simples, é uma linha de comboio que tem num extremo um porto de mar (Lobito) e no outro várias minas. Liga as minas da República Democrática do Congo e da Zâmbia (tanto quanto se percebe em relação a este último país, ainda não está construído o ramal ferroviário) ao Oceano Atlântico, através de uma linha férrea. Uma definição mais alargada envolve plataformas logísticas, aeroportos e comunidades envolventes, mas por agora ficamo-nos pela definição restrita.

A ideia do Corredor do Lobito é antiga e foi lançada ainda no século XIX por uma associação entre portugueses e ingleses, originando o Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB), que na década de 1970 foi considerada uma das linhas férreas mais rentáveis do mundo. Portanto, este Corredor já foi em tempos um sucesso. A guerra civil que sucedeu à Independência de Angola destruiu a operacionalidade do CFB, que após 2002 começou a ser reconstruída por empresas chinesas. A linha férrea foi reinaugurada por José Eduardo dos Santos em 2015. O porto do Lobito, entretanto, tinha sido entregue a uma empresa chinesa. Portanto, parecia tratar-se de uma operação essencialmente da China.

O reposicionamento externo de João Lourenço fez mudar a situação e tornou o Corredor num projecto multilateral. Tal começou por se reflectir no facto de o consórcio Mota-Engil/Trafigura/Vecturis ter ganhado concessão do Corredor do Lobito referente à exploração da via-férrea. O que era um projecto chinês deixou de o ser tão completamente. Os chineses provavelmente pretenderiam ter a via-férrea e o porto, e, não sendo assim, saíram do porto, que acabou por ser entregue à Africa Global Logistics SAS (AGL), que integra o grupo Mediterranean Shipping Company (MSC Group), líder mundial no transporte marítimo.

Contudo, esta dicotomia não é assim tão simples, pois a Mota-Engil, empresa com sede em Portugal, é actualmente controlada por uma empresa chinesa, a China Communications Construction Company. Portanto, não se pode dizer que a China ficou fora da via-férrea, mas sim que a partilhou com outros interessados: a Trafigura, sediada em Singapura, e a Vecturis, uma empresa sul-africana.

O facto de haver uma multitude de países e empresas a trabalhar no Corredor do Lobito é positivo, cria concorrência e, possivelmente, trará inovação e mais capital. Contudo, levanta uma questão: quem da parte do governo é responsável pelo Corredor do Lobito? Caso não haja um interlocutor com poder no governo ou o projecto se veja enredado na burocracia estatal, esta operação – tão complexa e com tantos parceiros – facilmente pode falhar.

A segunda questão prende-se com as famosas minas, que passarão a escoar a sua produção através deste Corredor. Até ao momento, o movimento não é significativo. Aparentemente, em 5 de Março de 2018 foi reiniciado o transporte de minérios a partir da Mina de Tenque Fungurume, no Congo-Quinxassa, de onde se extrai cobre e cobalto, e mais recentemente foi assinado um acordo com a companhia canadiana Ivanhoe para no futuro se transportar o produto das minas dessa companhia .

No entanto, há um detalhe da maior importância. A China é proprietária da maior parte das minas industriais na RDC. Em 2009, o presidente da RDC, Joseph Kabila, assinou um acordo com o governo chinês para que este tivesse acesso a concessões mineiras. Rapidamente, as empresas chinesas ficaram com 15 das 19 principais concessões mineiras de cobre e cobalto industrial do país. Segundo um especialista no assunto que não se quis identificar, a China domina a escavação mineira, bem como a cadeia até ao nível da bateria. Cerca de 70% a 80% do mercado de cobalto refinado e provavelmente metade do mercado de baterias é da China.

Assim sendo, torna-se óbvio que sem a China não há sucesso para o Corredor do Lobito. Os interesses chineses podem, com facilidade, movimentar os seus produtos por Dar-Es-Salam, Mombaça ou mesmo Durban, seguindo para o Oceano Índico, que liga mais rapidamente a Ásia aos locais onde actualmente se situam as principais indústrias que necessitam dos recursos do Congo.

Isto serve para dizer que a geoestratégia que sustentou o CFB entre 1930 e 1970 mudou radicalmente. E os decisores políticos não podem pensar que bastar imitar o que se fez bem no passado. Há que ter em conta dois aspectos fundamentais: a necessidade de criar condições competitivas e a abertura de Angola a vários mercados e interesses, como os americanos e europeus, compaginados com a realidade de um terreno mineiro dominado pela China.

Consequentemente, além dos aspectos técnicos, que não dominamos, o desafio do Corredor do Lobito é tremendo, obrigando a compatibilizar os vários interesses e necessidades estratégicas e à responsabilização governamental pelo sucesso do projecto.

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