Compatriota, Uma Carta para Ti (Parte 1)

Compatriota,

Cumprimos agora o ritual de desejarmos uns aos outros, Festas Felizes e Ano Novo Próspero. Por ocasião do Dia da Família, escrevo-te com os votos de saúde e paz e para reflectirmos um pouco sobre a nossa extensa e desavinda família angolana.

O momento serve para falarmos um pouco sobre os nossos feitos enquanto nação, os nossos sonhos e esperanças colectivos, assim como sobre a nossa falta de juízo e a nossa incapacidade de governação.

Bem ou mal se tem dito que não perdemos uma oportunidade para desperdiçarmos uma oportunidade. Por isso, é importante, onde quer que estejamos, conversarmos mais sobre como podemos aproveitar as oportunidades para sermos melhores enquanto seres humanos e seres angolanos e, por consequência, transformar esta nossa maltratada pátria numa bela terra para se viver.

Vemos o sonho e a esperança dos cidadãos a serem carcomidos por falta de diálogo, na sociedade, sobre o modelo político de governação, o tipo de instituições que queremos para o bem comum e a falta de confiança entre os angolanos. O modelo actual acoita o banditismo político, mas continuamos obcecados com a ideia de que a solução está em manter ou mudar pessoas no comando do país.

Na sua obra-prima As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza: Porque falham as nações, Daron Acemoglu e James A. Robinson demonstram claramente que um país se torna rico ou pobre pelas instituições que os seus cidadãos criam, e não devido aos indivíduos que em algum momento ocupam o poder. Não se trata de pessoas, mas de instituições fortes, aquilo que Angola necessita de diferente.

Um simples exemplo desta obsessão é a forma como, em seis anos de poder, o presidente da República passou uma extraordinária parte do seu tempo a nomear e a exonerar pessoas, sem definir um novo modelo de governação e políticas públicas sérias, bem como sem reformar as instituições do Estado. Em seis anos, a “diversificação da economia” traduziu-se na nomeação pelo presidente de cinco ministros da Economia e Planeamento! Trata-se de Pedro Luís Fonseca (2017-19), Manuel Neto da Costa (2019-20), Sérgio de Sousa Mendes dos Santos (2020-21), Mário Augusto Caetano João (2021-23) e agora Víctor Hugo Guilherme (2023-).

Qual é o resultado? A sua agência de governo é cada vez pior e cada vez mais distante do povo e das suas aspirações mais elementares. Faz reciclagens à-toa de gestores, políticos e ministros repetentes e, como consequência, o povo sofre cada vez mais, ficando evidenciada a incapacidade de governação.

É fundamental que tenhamos um sistema político aberto e, como notam os autores acima citados, que “seja capaz de responder às necessidades económicas e às aspirações da sociedade”. Sem essa abertura, não podemos falar de instituições económicas inclusivas, que são fundamentais para conceder oportunidades e incentivos a pessoas com talento e visão, “para desenvolverem as suas capacidades e ideias” quer para o seu benefício pessoal quer para o bem da nação.

Em Angola, não temos sabido aproveitar as vantagens que temos e preferimos mergulhar nas desvantagens que impedem o desenvolvimento humano e na reprodução do sistema de opressão como encobrimento das nossas falhas.

Quais são as nossas vantagens enquanto nação? Atenhamo-nos a três. Primeiro, recursos naturais em abundância, que nos permitem sermos um país rico.

Segundo, temos uma população bastante jovem, com vigor para se tornar uma grande força competitiva, criativa e produtiva. A chave está no investimento massivo na educação, para que se possam retirar dividendos da crescente população, que aumenta ao ritmo de mais de um milhão de novos cidadãos por ano. Ademais, o povo, de um modo geral, é paciente, trabalhador e resiliente.

Terceiro, somos um dos países, em África, com mais denominadores comuns etnoculturais e que se identifica mal com tribalismos e regionalismos. Há uma ausência de ideologias fracturantes e uma classe política – forjada nos movimentos de libertação – que está a prazo. Logo, a médio prazo, todo o sistema poderá ser reconfigurado através de um programa inclusivo de saneamento político, económico e social para revisão da Constituição e do modelo político de governação – sem sobressaltos.

O ponto de viragem, para que ocorram mudanças reais em Angola, assenta na primazia colectiva que se deve dedicar à transformação radical das instituições. O nosso foco deve ser na construção de instituições além dos homens e mulheres que ocupam os cargos, instituições que permaneçam imunes aos voluntarismos e à arbitrariedade. Como escreveu Maurice Hauriou na sua Teoria da Instituição e da Fundação, trata-se de estabelecer uma “ideia de projecto, ou empreendimento, que se torne realidade e persista juridicamente num meio social”.

E quais são as maiores desvantagens, do nosso ponto de vista?

Primeiro, temos o abismal problema da educação em Angola, que não prepara os estudantes para abraçarem o conhecimento e serem críticos, competitivos e criativos. Este problema radica nos dirigentes políticos, oriundos dos movimentos de libertação, que sustentam uma matriz anticonhecimento como forma de empoderamento da sua mediocridade. Os políticos angolanos têm dificuldades em lidar com o conhecimento que vá para além do necessário para a manutenção do seu poder, estatuto, interesses pessoais e de grupo. Preferem prejudicar ou destruir a nação inteira para continuarem no topo.

Segundo, temos o problema da economia. Não sabemos, enquanto colectivo, o verdadeiro valor dos recursos naturais e x estes podem gerar riqueza para o bem comum. Continuamos a pensar de forma primária nas necessidades básicas. É o exemplo recente da Trafigura, acusada, a 6 de Dezembro passado, de ter corrompido, com um total de mais de cinco milhões de dólares, um membro do conselho de administração da Sonangol Distribuidora para facilitar contratos de fretamento de navios e fornecimento de combustível, em que o corruptor obteve lucros de mais de 143 milhões de dólares.

Para a classe dirigente e empresarial administrativa, a riqueza continua a ser sinónimo de liquidez, de ter muito dinheiro na conta bancária ou nos esconderijos. Ter dinheiro chega a gerar bastante insegurança, porque não se trata de saber como investi-lo, mas como desperdiçá-lo em gastos supérfluos ou escondê-lo, sobretudo no exterior do país, ou acumulá-lo em notas para ser comido pelos ratos.

Terceiro, enquanto sociedade não acreditamos na força e no poder das instituições, mas sim no homem forte. Sem instituições funcionais e fortes, de pouco ou nada servem as leis. E sem a aplicação imparcial e independente das leis, o que passa a vigorar é o banditismo institucional com legitimidade política.

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