Petrolífera Chevron Autorizada a Poluir em Cabinda

O Maka Angola tomou conhecimento de que o governo angolano alargou o período de regime de excepção face à actual política de protecção ambiental, de modo a permitir que a petrolífera norte-americana Chevron despeje toneladas de resíduos perigosos de crude directamente nos baixios junto à costa de Cabinda, o enclave a norte do país. Especialistas em sistemas marítimos descrevem esta iniciativa como “um acto incompreensível” e apelam ao presidente João Lourenço para que faça cumprir a legislação em vigor e garanta que TODAS as companhias estrangeiras obedecem à política de “descarga zero”.

O Maka Angola teve acesso a um relatório sobre descargas de resíduos contaminados de crude provenientes dos poços petrolíferos explorados ao largo da costa setentrional angolana. Segundo o relatório, estas descargas, que já foram banidas na maior parte do mundo, são uma enorme ameaça à vida e aos ecossistemas marinhos. Aliás, o forte impacto negativo dos poluentes sobre a vida marinha, os impactos que acabam por se fazer sentir também nos territórios costeiros e os perigos que se colocam à saúde humana estiveram entre os principais motivos para a adopção, em Angola, em 2014, da política de “descarga zero”.

No período de transição para a meta de zero descargas, foi introduzida uma moratória destinada exclusivamente a novas explorações em águas ultraprofundas. Contudo, o Maka Angola teve acesso a uma carta endereçada pelo Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás (MIREMPET) a Peter William Lacobie Jr., director-geral da Cabinda Gulf Oil Company (CABGOC), a empresa angolana subsidiária da Chevron, em que se concede à CABGOC a prorrogação da moratória até Julho de 2023 em duas antigas zonas de baixio, os Blocos 0 e 14, junto à costa de Cabinda. Em consequência desta decisão do Ministério, pelo menos 12 mil toneladas de resíduos das perfurações serão despejados no mar, bem como 6 milhões de litros de crude por ano.

De acordo com os documentos a que o Maka Angola teve acesso, a autorização para prorrogar a moratória terá partido do mais alto nível político. A carta do MIREMPET, assinada por Euclides de Oliveira e datada de Maio deste ano, indica que, depois de um processo de consulta junto da ANPG – Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, o pedido da companhia petrolífera norte-americana foi aprovado “por incumbência superior”.

A ANPG foi criada em 2019, assumindo funções de concessionária nacional para licenciar operações e empreitadas, deixando para a Sonangol a responsabilidade pela exploração, o refinamento e processamento, o armazenamento, o fornecimento e a distribuição. Com o novo organismo, pretendia-se aumentar a transparência; porém, a carta sugere que a administração da Chevron continua empenhada em negociações de bastidores com responsáveis angolanos para não ter de obedecer à letra e ao espírito da lei.

O Maka Angolacontactou o MIREMPET e a CABGOC, para que pudessem comentar a situação. Em resposta escrita, o MIREMPET garantiu que está a cumprir com as obrigações decorrentes da conferência do clima (COP26, Glasgow, Escócia) ao assegurar que as aparas das perfurações são tratadas in loco, o que reduz as emissões de dióxido de carbono em 1500 toneladas por ano.

O Ministério referiu ainda que tem o direito legal, conferido pelo decreto 97/14, de conceder regimes de excepção em “determinadas circunstâncias” que impeçam o operador de cumprir o que está estipulado na lei. O MIREMPET terá verificado que isso “ocorreu no caso da Chevron em relação aos projectos Tombua-Landana no Bloco 14 e […] no Bloco 0. [A] província de Cabinda não disp[õe] de instalações para o tratamento desse tipo de efluentes”, dado serem “projectos com tempo de vida e recursos limitados” e devido ao custo elevado de todas as outras soluções alternativas, nomeadamente a recolha e o transporte dos efluentes para terra, para tratamento em Luanda ou Soyo.

Ainda segundo o MIREMPET, o prolongamento do regime de isenção “permitirá que ela [Chevron/ CABGOC] desenvolva um campo marginal (Lifua) e um campo bastante maduro (TL) sem custos adicionais que poderiam impactar negativamente as metas de produção do país”, mas o Ministério terá imposto à empresa condições rígidas: modificar instalações e colocar equipamentos para assegurar limites mínimos de tratamento das aparas de perfuração; testes de monitorização para garantir que é respeitado o limite de 5% de contaminação por crude; utilização de produtos sintéticos de acordo com a lista de produtos químicos aprovada pelo MIREMPET.

Numa brevíssima resposta, a CABGOC afirma que opera dentro do espírito e da letra da lei e alega que foi por não dispor de nenhuma outra opção viável que solicitou a concessão de um prolongamento do actual regime de excepção para descarregar efluentes no oceano.

Deve ser notado que as várias companhias petrolíferas a operar no país têm investido, para benefício das comunidades locais, na saúde, na educação, em projectos ambientais e de criação de infra-estruturas. No entanto, pouco se nota o impacto real desses investimentos. Por exemplo, apesar de Cabinda representar mais de metade da produção angolana, não há sinais de investimento em infra-estruturas essenciais, muito menos noutros projectos com impacto para o desenvolvimento económico do enclave.

A Chevron explora o petróleo desta região desde 1954, e construiu uma base operacional fortemente armada, de acordo com os padrões norte-americanos. Lá fora, porém, há poucos indícios dos milhares de milhões de petrodólares gerados pela riqueza petrolífera de Cabinda. As populações nativas permanecem mergulhadas na pobreza, sujeitas às ameaças de instabilidade político-militar com a insurreição armada por parte dos movimentos de guerrilha, como aconteceu com a FLEC no passado. Ao longo dos anos os habitantes de Cabinda não param de denunciar situações de violação dos direitos humanos.

* Resposta enviada pela CABGOC ao Maka Angola:

“Eis abaixo o pronunciamento oficial da Cabinda Gulf Oil Company Limited (CABGOC) sobre o tema em análise:

O Plano de Gestão de Resíduos (WMP) e o Plano de Gestão Química (CMP) da Cabinda Gulf Oil Company Limited (CABG) e o Plano de Gestão Química (CMP) foram aprovados pelo Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás de Angola (MIREMPET), estando em estrita conformidade com a legislação angolana aplicável. O MIREMPET concedeu às empresas membros da Associação das Empresas de Exploração Petrolífera de Angola (ACEPA) uma renúncia temporária (Renúncia à Indústria), até 31 de Dezembro de 2022, a partir da aplicação do artigo 4.º do Decreto Executivo 97/14, e concedeu à CABGOC uma isenção específica (Isenção Específica) para algumas das operações da CABGOC, válidas até Julho de 2023.

Durante o período da Isenção Específica, a CABGOC utilizará as melhores práticas globais que consistirão no tratamento de estacas de perfuração offshore antes de as descarregar em offshore, onde serão dispersas com as correntes. Este procedimento é utilizado pela Chevron nas nossas operações no Brasil, Golfo do México, Austrália, Canadá e outros países onde a Chevron tem uma vasta experiência em descarregar cortes de forma ambientalmente sã.”

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