Para além das Universidades: Formar Pessoas para as Necessidades de Angola

A igualdade e a prosperidade alcançam-se por meio da diversidade e flexibilidade, e não através da uniformização e unidimensionalidade. Deve ser este o pilar da reflexão que iniciámos recentemente acerca da universidade do futuro, tomando como ponto de partida as afirmações do general Paka acerca da “doutoromania”. Queremos dar continuidade a essa reflexão.
Efectivamente, o ensino superior não deve ser um formador universal de “doutores”, pois a partir de certo momento nem estes são necessários à sociedade, nem o ser “doutor” satisfaz o pleno desenvolvimento da personalidade de cada um. Deve-se assegurar a existência de vários caminhos possíveis para uma carreira de sucesso profissional e realização pessoal.
Este texto foca-se nas alternativas válidas à formação universitária tradicional, as quais deverão cumprir duas funções: satisfazer a realização pessoal de cada um e ir de encontro às necessidades do país.
É fundamental criar uma nova geração de pessoas capazes de explorar os muitos caminhos para uma carreira de sucesso. A educação e formação não pode ser afunilada num ensino universitário ainda muitas vezes escolástico, desinteressante e desmotivador, cujo futuro é apenas o desemprego. Há que abandonar a convicção de que a universidade clássica é o único caminho para o sucesso profissional.
A taxa de abandono escolar em Angola é elevada. Tanto quanto sabemos, não existe uma quantificação estatística agregada actual [o problema das estatísticas em Angola é tremendo e dá origem a uma grande dificuldade em adoptar políticas públicas pensadas e eficazes], mas qualitativamente parece claro que há uma grande percentagem de jovens que abandonam a escola e não continuam o seu percurso escolar até à universidade clássica. Por exemplo, em Dezembro de 2019, no Huambo, o abandono escolar abrangia mais de 49 000 alunos, representando um aumento de 5% em relação ao ano transacto, segundo afirmou o director de Educação na província do Huambo, Celestino Chikela. É um número que impressiona e entristece.
Ora, começa por ser exactamente a estes jovens em abandono escolar que deve ser oferecida uma alternativa educacional que lhes proporcione trabalho no futuro e também realização pessoal. Essa alternativa é uma rota de aprendizagem centrada na valorização e no desenvolvimento das capacidades reveladas por cada um dos jovens.
Para isso, deveriam ser criadas instituições resultantes de parcerias público-privadas, dedicadas a três áreas principais: medir o potencial de cada um, além do académico, para recrutar técnicos; fornecer treino de nível mundial com foco no trabalho, por meio de programas de aprendizagem aplicada; ajudar diferentes grupos de pessoas a construir fortes redes profissionais, por meio de comunidades online e offline.
Este sistema de aprendizagem, ao concentrar-se nas capacidades e aptidões de cada um, na formação contínua e na criação de redes de profissionais, seria concebido para durar a vida toda.
Não se trata de instituir imitações de universidades, como são os politécnicos, cujo real objectivo acaba por ser sempre tornarem-se em universidades.
Estas instituições que aqui sugerimos seriam uma alternativa à universidade e resultariam de uma parceria entre o Estado e a sociedade civil. Consequentemente, daria origem a um tipo de aprendizagens que ajudaria a construir uma carreira, possibilitando e incentivando o aperfeiçoamento ou a modificação ao longo de toda a vida.
É muito importante a promoção destas instituições flexíveis, de modo que constituam uma alternativa apelativa, útil e necessária às universidades, formando os técnicos de que o país precisa e a que o general Paka se referia.
Trata-se de instituições não académicas, em que a aprendizagem se faz na prática e nas empresas, e os professores são os mestres dos seus ofícios, e não diplomados. O importante será o conhecimento prático e técnico, e não os graus académicos. Os alunos-alvo começariam por ser todos aqueles que abandonaram o curso escolar tradicional.
Este tipo de ensino, focado na aprendizagem e na prática, apresenta três vantagens óbvias: desde logo, o combate ao desemprego, porque quem se iniciasse nessa aprendizagem deixaria de estar desempregado; depois, a orientação daqueles que abandonaram a escola e se sentem desmotivados, proporcionando-lhes uma perspectiva de futuro; por fim, a promoção da formação dos técnicos fundamentais para o desenvolvimento do país.
Note-se que o governo surgiria como parceiro da sociedade civil, sobretudo agilizando as burocracias e fornecendo o necessário enquadramento legislativo – mas não ficaria encarregado das funções principais, designadamente ao nível do financiamento. A sociedade civil seria o motor fundamental destas organizações, quer realizando os contactos empresariais para estágios e aprendizagem no local, quer montando o sistema de captação dos estudantes em situação de abandono escolar, ministrando as formações e criando as comunidades de profissionais. Esta ainda é uma ideia embrionária, mas que acreditamos constituir uma via alternativa ao ensino universitário clássico, apostando na formação técnica e prática tão necessária para o desenvolvimento económico e social de Angola.
Esta proposição parece simples por um lado, e bastante complexa, por outro. Recorro apenas a um exemplo para animar o debate, mas estou instigado a continuar esta discussão.O Japão, no pós-guerra, esoclheu um projeto de desenvolvimento, cujo principal pilar foi o Sistema de Enssino. Um ensino focado na produção de bens. O japonês é, por excelência, um estraordinário produtor de bens. É disciplinado, rigoroso e extremamente obediente aos ditames da produção de bens. Daí resultou num Japão como potência econômica e desenvolvimento social acima da média. Até aí, tudo parece muito bem, não fosse o alto índice de suicídios de jovens e a inacreditável “obediência como virtude”, em larga medida, produzidos por esse modelo de desenvolvimento japonês. O assunto não se encerra aqui, pois há muito o que ser discutido sobre formar/instruir pessoas, quando não deve ser possível separar interesse/obrigação/satisfação pessoal dos interesses/necessidades coletivas. Um não pode, jamais, prescindir do outro.
Parece-me que o problema da formação em geral , em Angola ou em qualquer outro país, tem a ver com uma visão clara, objectiva e estratégica das lideranças. A premissa de que qualquer núcleo familiar é um reflexo dos seus chefes ou pais é válida e, por extarpolação, pode ajudar-nos a compreender a realidade de um país, seja ele qual fôr. Da mesma maneira que os pais, numa família, determinam o rumo, a educação e a instrução a dar às crianças, as lideranças dos países determinam que tipo de cidadãos elas querem forjar. Não nos esqueçamos de que o homem é o elemento fundamental em qualquer processo de transformação ou desenvolvimento. Assim, se queremos construir um país sério, sólido e sustentável, a prioridade e o foco das lideranças dum país é a educação e formação dos seus cidadãos. O Japão, escolheu o seu caminho, e, vemos que teve bons resultados. Esses resultados são o fruto de uma visão e estratégia honesta das suas lideranças. Também reconheço que visões e estratégias honestas podem, por vezes, produzir erros e parir aberrações. Mas, se essas lideranças são bem intencionadas e responsáveis, podem ir corrigindo esses problemas de acordo com o sistema de controlo do seu plano estratégico. Portanto, o alicerce de desenvolvimento é constituido por líders honestos, que tenham uma visão e estratégia claras, e que sejam humildes para reconhecer erros, consultar e ouvir os cidadãos e, corrigir os seus planos de desenvolvimento. Para o nosso caso, Angola, será que temos sido abençoados com uma boa liderança? Se olharmos para os orçamentos executados pelo governo angolano, salta-nos logo à vista que a educação e a formação em geral não têm sido vistas como pedra basilar no desenvolvimento estratégico do país. Estou a exagerar? Em Angola, a estatística práticamente não existe, é verdade, para podermos fazer um julgamento mais justo, mas, vide online, as estatisticas produzidas por ONGs, pelo FMI, UNESCO, UNICEF, CIA, Nações Unidas, etc., e será fácil verificar a nossa afirmação: a liderança angola não tem visão e estatégia honestas para o desenvolvimento do cidadão. A prática é o critério da verdade. Na nossa prática os indices são baixíssimos! Estamos nos lugares mais baixos mesmo quando comparados aos nossos vizinhos africanos!Quando se institui um ANO ZERO como remédio para a juventude que vem do ensino de base sem saber a tabuada, com caligrafias quase indecifráveis, pode-se ter já uma ideia da visão estratégica da nossa liderança! Então, de repente, só nos preocupamos com a tabuada no ingresso às universidades? Nos 12 anos que se percorrem até ao fim do ensino médio não se consegue ensinar tabuada?! Como o ser humano é um reflexo de Déus, o japonês é o reflexo da liderança japonesa, assim como o suéco é reflexo da sua liderança. Por fim, o eu diria que o angolano é o reflexo da liderança te temos a desgraça de ter!