Chegou a Vez dos Generais Dino e Kopelipa

No âmbito do processo-crime n.º 12/2020, da Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), os generais Dino e Kopelipa foram constituídos arguidos na passada terça-feira, 29 de Setembro, depois de terem sido ouvidos pelo procurador Matos de Macedo Dias.

Como escreveria Uanhenga Xitu, é sabido que o estabelecimento prisional de Viana já tinha criado as condições para receber os generais. Alguns jornalistas também foram previamente avisados, para que pudessem cobrir as detenções.

Nos seus tempos áureos, os generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, então ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, e Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, consultor da mesma Casa, eram, logo depois de José Eduardo dos Santos, os homens que mais poder detinham no País.

Segundo informações fidedignas recolhidas pelo Maka Angola, a acusação formal que recai sobre os referidos generais inclui crimes de peculato, participação em negócio, corrupção e branqueamento de capitais relacionados com um empréstimo do Banco Industrial e Comercial da China (ICBC).

Em 2010, este banco concedeu uma linha de crédito de 2,5 mil milhões de dólares a Angola, destinados à construção de projectos urbanos no município de Viana, melhor conhecidos como Zango.

O Estado angolano suspeita de que os generais se tenham apropriado dos referidos fundos através da empresa privada China International Fund (CIF). Esta empresa detinha uma das maiores carteiras de obras de reconstrução nacional no País, realizadas com linhas de crédito da China.

De acordo com a suspeita formal, os generais venderam ao Estado aquilo que era à partida seu.

Sobre o papel de Kopelipa e Dino neste negócio e os factos que lhes sejam imputados, não nos pronunciaremos por agora. Neste caso como noutros casos, a suspeição não deve ser vista de forma atómica e parcial. O caso é muito mais complexo e envolve a estrutura do Estado de forma mais ampla do que se pretende.

Há um ditado em kimbundu segundo o qual “kituxi kiebuca o kohukizembele ngamba”: o pecado colectivo de um grupo não deve ser da responsabilidade de uma ou duas pessoas, mas de todos os envolvidos. Temos chamado a atenção para as fragilidades discriminatórias da Procuradoria-Geral da República (PGR) nos grandes casos de corrupção. Mas a verdade é que, nos casos de corrupção em Angola, as pessoas são de facto como um colectivo de pecadores. Vêm umas atrás das outras.

O empréstimo do ICBC – o maior banco do mundo por activos – que está em causa nesta acusação foi concedido ao Governo de Angola, pelo que, como é evidente, os generais não receberam o dinheiro pessoal e directamente. Coube ao Ministério das Finanças assinar o acordo de empréstimo e responder pelo mesmo. Durante o ano de 2010, o governo teve dois ministros das Finanças. Em Janeiro e Fevereiro, o cargo foi exercido por Eduardo Severim de Morais, sucedendo-lhe Carlos Alberto Lopes, que se manteve em funções até 2013, quando entrou Armando Manuel.

Carlos Alberto Lopes é hoje presidente do Conselho de Administração do Fundo Soberano, e poderá explicar, possivelmente melhor do que ninguém, como é que o dinheiro do ICBC saiu dos cofres do Tesouro, ou se nem sequer lá entrou…

Depois de resolvido este mistério, surge um segundo mistério, que é o do próprio CIF (China International Fund). Não se sabe se existem várias entidades com o nome CIF. Como tem sido habitual entre a elite dirigente angolana, são criadas várias empresas com o mesmo nome em diferentes jurisdições: umas são do Estado, outras particulares, mas estabelece-se uma enorme confusão e não se sabe quem é quem, se se está a pagar a uma legítima empresa estatal ou a uma empresa privada com o mesmo nome. É o caso das AAA, ou da China Sonangol, entre outras.

O CIF, conhecido publicamente, é uma empresa alegadamente detida por um grupo de investidores de Hong Kong de propriedade chinesa que descreve o seu principal negócio como “projectos de reconstrução nacional em grande escala e construção de infra-estruturas em países em desenvolvimento”. O CIF e suas empresas associadas em Hong Kong e Singapura investiram mais de US $ 20 mil milhões em África, sobretudo em Angola e na Guiné. Muitos afirmam que é uma empresa estatal chinesa, porque o seu pessoal-chave tem ligações com empresas estatais chinesas e agências governamentais. No entanto, o governo chinês tem negado qualquer ligação do CIF ao Estado, reiterando que se trata de uma empresa privada cujo maior activo foi os seus donos serem muito próximos do antigo presidente José Eduardo dos Santos (JES).

Em Angola, atribui-se a propriedade do CIF a Sam Pa, como detentor de 60 por cento capital da empresa. Sam Pa é um antigo oficial de inteligência chinesa e intermediário em África, e encontra-se preso na China desde 2015, por ter defraudado o Estado chinês em negócios de petróleo com Angola. Os restantes 40 por cento foram subscritos por dois agentes fiduciários: os advogados Fernando Santos e Samora Borges, também constituídos arguidos no processo-crime n.º 12/2020.

As ramificações do CIF são imensas, e obviamente não começam nem terminam nos generais Kopelipa e Dino. Não teria sido possível fazer desaparecer 2,5 mil milhões de dólares do Tesouro angolano sem a intervenção de José Eduardo dos Santos. Também não teria sido possível construir o edifício dourado do CIF, com vista privilegiada para o Palácio Presidencial, sem a autorização de JES. Consequentemente, se da parte angolana o CIF desemboca em JES, da parte chinesa também terá necessariamente ramificações profundas. Quantas individualidades chinesas ligadas ao governo de Beijing estão incluídas no CIF? Apenas Sam Pa? Em caso afirmativo, Sam Pa deveria ser também arguido. Se há mais envolvidos, deveriam ser igualmente incluídos.

As pessoas que surgem atrás de Kopelipa e Dino são portanto muitas – JES, Severim de Morais, Carlos Alberto Lopes, Manuel Vicente, Sam Pa e talvez outros chineses – e, obviamente, cabe à PGR abrangê-las na investigação.

Comentários