JLo, Emboscado no Bairro dos Mistérios e das Mentiras
Em vez de Bairro dos Ministérios, temos o Bairro dos Mistérios, onde o presidente João Lourenço foi emboscado no labirinto da corrupção que procura combater.
De forma extraordinária, pelo seu próprio punho, o presidente tem dado ordens e contra-ordens de tal modo contraditórias, que os seus actos de boa governação são ensombrados por algumas das suas próprias más decisões.
Uma delas é o Despacho n.º 19/19, de 2 de Fevereiro passado, que autorizou a celebração de um contrato com a Sodimo para a aquisição de um terreno de 211,7 mil metros quadrados pelo valor de 344 milhões de dólares. Trata-se do terreno, na Chicala II, para a construção do Centro Administrativo de Luanda, mais conhecido por Bairro dos Ministérios. Um dos principais beneficiários desse dinheiro é o MPLA. Ora, João Lourenço é presidente do MPLA, o partido que é sinónimo de corrupção.
As redes sociais têm fervilhado com denúncias sobre a prioridade dada à construção do referido centro político e administrativo, em plena época de crise, para albergar 28 ministérios, residências protocolares e investimento privado. O anúncio governamental deste projecto, há dias, gerou pânico geral.
Pela voz do ministro da Construção e Obras Públicas, Manuel Tavares de Almeida, “pôr em causa o projecto é simplesmente desmobilizar as intenções já manifestadas de investimento do sector privado nacional e estrangeiro e descredibilizar o país”.
Manuel Tavares de Almeida coordenou a Comissão Intersectorial criada para “negociar a aquisição de terrenos e propor a modalidade contratual com potenciais investidores privados para a implementação do Centro Político Administrativo”. João Lourenço estabeleceu a referida comissão por via do Despacho Presidencial n.º 67/18, de 13 de Junho de 2018. Logo, o ministro Tavares de Almeida é o principal responsável por toda esta confusão e por ter sido um péssimo conselheiro do presidente.
O papel da Sodimo
Para além de vendedora do terreno, a Sodimo, conforme informações em posse do Maka Angola, também é a projectista do Bairro dos Ministérios, cuja construção tem um valor orçamentado de 3,6 mil milhões de dólares.
Por via do Diário da República, sabe-se que a Sodimo é uma sociedade anónima detida pelas seguintes empresas: Suninveste S.A., Banco Angolano de Investimentos (BAI), Dar-Angola Lda., Sansul S.A. e Sommis S.A.
A quem pertencem estas empresas?
Sansul – Sociedade de Consultoria S.A.
A Sansul, criada em 1995, é detida em 99 por cento pela GEFI, a holding do MPLA que controla mais de 60 das suas empresas. A percentagem restante é repartida entre quatro membros do MPLA, apenas para cumprir o número de cinco elementos, necessário à constituição de uma sociedade anónima. Logo, a empresa é detida na totalidade pelo MPLA.
Ademais, a Sansul, por sua vez, é a principal accionista do Banco Sol, com 51 por cento do seu capital. Daí que esta instituição financeira seja bem conhecida como o banco do MPLA.
Banco Angolano de Investimentos (BAI)
Com a participação do BAI neste negócio com o Estado, levanta-se a questão fundamental sobre o contínuo enriquecimento ilícito e a protecção dos interesses dos “marimbondos”, tão denunciados pelo presidente Lourenço.
Este banco foi criado em 1996, em grande parte com fundos da Sonangol, que, à partida, detinha 18,5 por cento das acções, sendo a principal accionista. Ao longo dos anos, esta participação, por artes mágicas, baixou para oito por cento.
Como já denunciámos em 2012, o BAI é detido em 47,75 por cento por altas figuras do então regime de José Eduardo dos Santos, incluindo o actual presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó”, a quem pertencem 2,5 por cento.
Já Manuel Vicente, Joaquim David e José Carlos Paiva, antigos gestores da Sonangol, detêm solidariamente 18,6 por cento do banco.
Em 2007, o BAI justificou às instituições financeiras internacionais que havia colocado 13,5 por cento das acções detidas solidariamente pela Arcinella Assets e a Sforza Properties, registadas respectivamente nas Bahamas e nas Ilhas Virgens Britânicas, sob custódia de José Carlos Paiva, enquanto presidente do BAI. Suspeitava-se de que as acções pertenciam, na verdade, a José Eduardo dos Santos. Como já havíamos exposto no Maka Angola, o BAI informou que, de acordo com a sua estratégia e da Sonangol, principal investidor, essas acções seriam transferidas “gradualmente para indivíduos privados, à medida que possam gerar riqueza e comprar acções”. O banco também se comprometeu a vender não mais do que um por cento do conjunto das referidas acções aos angolanos interessados.
De lá para cá, os dividendos acumulados por estes veículos offshore devem ser reclamados pelo Estado, assim como as acções. Como é que o Estado ainda paga ao BAI por um terreno que todo o mundo sabe ser pertença do próprio Estado?
O Serviço Nacional de Recuperação de Activos deve investigar o destino dado aos dividendos das acções extraídas sem explicações à Sonangol, e sob custódia de José Carlos Paiva. São não mais do que pertença do erário público.
Sommis S.A.
Manuel Domingos Vicente, à época PCA da Sonangol; Ismael Diogo da Silva, desde então presidente da Fundação Eduardo dos Santos (FESA); e António de Jesus Castelhano Maurício, presidente da Suninvest, constituíram, em 2008, a Sommis SGPS Limitada. A Suninvest é conhecida como um dos braços de investimentos da FESA, apesar dos desmentidos de Ismael Diogo.
A 21 de Fevereiro de 2017, o então vice-presidente da República, Manuel Vicente, cedeu a sua quota de 34 por cento a Ismael Diogo da Silva, que a unificou às suas, passando a deter 68 por cento. António Maurício manteve a sua quota de 32 por cento.
DAR-Angola – Consultoria Lda.
A Dar-Angola – Consultoria Lda. foi criada em 1997 pelo cidadão libanês Ramzi Ramez Klink, como sócio maioritário, detendo 57,14 por cento do capital, cabendo à multinacional libanesa Dar-Al Handasah (Shair and Partners) 40 por cento.
Durante décadas, a Dar deteve praticamente o monopólio de elaboração e fiscalização das obras relevantes de arquitectura e engenharia do Estado angolano.
Ramzi Klink é descrito por um antigo colaborador do ex-presidente de forma sucinta: “Tinha uma relação muito próxima e estranha com José Eduardo dos Santos. Ele demitia ministros. Os ministros da construção passavam mal com ele. Nada andava nesse sector sem a Dar. Detinha o monopólio.”
Ramzi Klink foi um dos principais impulsionadores da constituição da FESA e é,
desde então, o seu mais influente curador.
Suninvest – Investimentos, Participações e Empreendimentos S.A.
Em 1996, Ramzi Klink criou o Grupo Suninvest, juntamente com Mário Leonel da Silva Correia e José Antunes Neto Queiroz.
Em 2013, esse grupo passou a sociedade anónima, já sob representação de Ismael Diogo, presidente da FESA. Antes dessa transição, já a Suninvest se havia tornado num braço financeiro ligado à FESA, tendo entrado em parcerias com a Sonangol para acumulação de património significativo.
Bairro das mentiras
As justificações do ministro Tavares de Almeida para a construção do Bairro dos Ministérios – como a geração de empregos para jovens, poupanças para o Estado, etc. – são, no mínimo, absurdas e de uma arrogância inadmissível.
Porquê?
A 12 de Setembro de 2014, José Eduardo dos Santos ordenou ao Ministério das Finanças a aquisição de um edifício à IMOB Angola – Empreendimentos Imobiliários Lda., pelo valor de 115,4 milhões de dólares. Essa empresa era detida pelo seu filho José Filomeno dos Santos, pelo empresário brasileiro António Carlos Perruci Alves.
Passados três meses, a 23 de Dezembro do mesmo ano, através do Despacho Presidencial n.º 2/15, de 5 de Janeiro, o então presidente autorizou a aquisição de duas torres, com dez pisos cada, no Condomínio Clássicos de Talatona, a sul de Luanda. Nesse condomínio, foi instalado um complexo administrativo com vários ministérios, incluindo o da Administração do Território.
Pelo valor de 248 milhões de dólares, na verdade, José Eduardo dos Santos fazia negócio com a sua irmã Marta dos Santos. A promotora imobiliária SG21 – Sociedade Gestora de Investimentos Imobiliários, Lda., que vendeu o edifício, é uma sociedade criada em 2008, detida em 50 por cento por Eurico Hélder Reis de Sousa Brito, enquanto a Marsanto, de Marta dos Santos, representa uma quota de 33 por cento, pertencendo a Eurico Hélder Proença Brito os restantes 17 por cento. Eurico Hélder Reis de Sousa Brito é o testa-de-ferro do empreiteiro português José Guilherme, sendo sogro do filho deste.
O valor do contrato incluiu um parque de estacionamento subterrâneo para mais de mil automóveis, uma biblioteca, três restaurantes, cantina para os funcionários dos vários ministérios, um ginásio e um pavilhão desportivo.
O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos comprou, em 2017, um edifício junto à Cidadela Desportiva, por 200 milhões de dólares. O Estado comprou-o a Marta dos Santos e ao empreiteiro português José Guilherme, sempre representado por Eurico de Sousa Brito, por via do Banco Económico. Nesse banco, a dupla deixou uma dívida de 1200 milhões de dólares. O Estado é hoje o principal accionista do banco, e não há informações de que os anteriores accionistas (o triunvirato composto por Manuel Vicente e pelos generais Leopoldino do Nascimento e Kopelipa) tenham accionado os mecanismos para a cobrança desta dívida. O Banco Nacional de Angola também fechou os olhos.
Como pagamento de uma dívida de 200 milhões de dólares ao Estado, o Ministério das Finanças recebeu, em 2017, um dos quatro edifícios construídos pela Escom junto ao Kinaxixi. O Estado deixou de receber esse dinheiro, e ficou com o edifício onde alberga a Administração Tributária Geral do Estado (AGT). Consta que essa transacção foi efectuada sem sequer o edifício ter escritura pública.
Só em quatro operações ora descritas, o Estado já gastou, desde 2014, mais de 763 milhões de dólares para acomodar ministérios. Segundo os despachos do então chefe de Estado, os mesmos visavam “a melhoria do desempenho das suas funções e consequente prestação de um serviço adequado e eficiente aos cidadãos, no âmbito do processo da Administração Pública”. Só não se nota a melhoria na eficiência dos serviços prestados aos cidadãos.
O projecto de construção do Centro Político Administrativo é uma ideia antiga, ancorada num modelo de governação estalinista que, a determinada altura, esteve para ser financiado pela China.
Numa das suas justificações, o ministro da Construção e Obras Públicas, Manuel Tavares de Almeida, refere que o Estado tem gastado uma fortuna com o aluguer de imóveis para alguns ministérios.
Os órgãos competentes e os agentes do Estado directamente ligados ao combate à corrupção devem investigar a proveniência dos fundos para a construção ou aquisição dos edifícios alugados ao Estado, e a natureza dos contratos de arrendamento. Caso sejam detectadas ilicitudes, devem accionar os mecanismos legais para a perda alargada desses imóveis a favor do Estado.
Provavelmente, o Estado terá edifícios a mais, e não saberá o que fazer deles.
Haja responsabilidade
Para restaurar algum sentido de responsabilidade, depois deste desastre do Bairro dos Ministérios, João Lourenço deve investir o seu capital político na transparência das contas públicas. É isso que levará os investidores a acreditarem no país, e não em projectos mirabolantes de um passado estalinista, duvidoso e altamente corrupto.
A segunda tarefa fundamental, para além da transparência, é garantir a disciplina orçamental, para evitar os desvios e desvarios dos dirigentes do MPLA, sempre à caça de oportunidades para roubarem ao Estado e aos angolanos.
Finalmente, tem de se investir em projectos públicos estruturantes, que promovam a existência de um parque industrial capaz de sustentar a produção nacional de bens de consumo essenciais à população no país.
Num país decente, o ministro da Construção e Obras Públicas teria apresentado a sua demissão, para proteger o presidente, de quem é amigo. Só assim apoiaria a sua agenda e o esforço de moralização do seu governo e do combate à corrupção. Mas, como nos falta esse sentido de Estado, lá continuará o ministro a justificar-se de forma arrogante e a contribuir para manchar ainda mais a acção do presidente João Lourenço.
O presidente tem de rodear-se de pessoas competentes e comprometidas com a sua agenda. A sua insistência em algumas figuras incompetentes, assim como nas más práticas de José Eduardo dos Santos e na priorização dos interesses do MPLA acima dos da pátria, é um mau caminho. O presidente continua a ter grande apoio da sociedade para efectuar reformas históricas, e não deve deixar-se capturar pelos seus pares, que pilharam o país até à bancarrota e destruíram o futuro de várias gerações.
Fala-se sempre na dignidade dos edifícios para os órgãos do Estado, e pouco ou nada se fala da dignidade que os titulares de cargos públicos devem demonstrar na sua conduta pública.