A Política Externa de Angola e o Congo

A primeira viagem de Félix Tshisekedi, o novo presidente da República Democrática do Congo (antigo Zaire), foi a Angola, onde se encontrou com o presidente João Lourenço, no passado dia 5 de Fevereiro.

Nunca é demais sublinhar a importância do Congo para a estabilidade e o progresso de Angola, pelo que é necessária uma política externa constante e equilibrada, assente em três pilares: a estabilidade política do Congo, a segurança das fronteiras comuns e o incremento das trocas comerciais.

A eleição de Tshisekedi, tal como sucedeu, envolvida em graves suspeitas de uma alargada fraude eleitoral, foi surpreendente. Talvez por isso mesmo Angola tenha assumido uma posição intermediária pragmática, entre a decepção e o facto consumado. O objectivo de Angola era ver Joseph Kabila partir tranquilamente, sendo que também não era desejada a vitória de Emmanuel Shadary, que seria a continuação de Kabila, logo, da instabilidade política e fronteiriça.

O problema é que Tshisekedi só foi eleito porque firmou algum acordo faustiano com Kabila, acabando por ser a escolha deste, o que não deixa Luanda nada tranquila. Várias fontes do Maka Angola confirmaram a existência de um acordo entre o antigo e o novo presidente, esperando-se que este último forme um governo de coligação com o próprio Kabila, que, na prática, manterá o monopólio da política do governo. Kabila enquadrou e manipula Tshisekedi, deixando-o com uma margem de manobra muito limitada, afirmam essas mesmas fontes.

A opinião pública congolesa está cada vez mais convencida de que o novo presidente foi “tomado como refém” por Kabila. O que parece é que o país se desloca a passos largos para um governo conjunto entre o partido de Joseph Kabila e o partido de Félix Tshisekedi. O peso do partido do actual presidente nesta coligação determinará provavelmente a margem de manobra dele para implementar as verdadeiras reformas que todos os congoleses esperam.

Caso não ocorram essas reformas, que vão desde a estruturação de um Estado funcional ao combate à corrupção e ao progresso económico e social, rapidamente o país desiludido entrará em erupção, agora mais violenta ainda, devido às expectativas frustradas.

É aqui que entra o papel determinante de Angola. O objectivo angolano deve ser tentar que o novo presidente se dissocie do anterior e promova as reformas necessárias, tal como João Lourenço tenta fazer em Angola.

Desta forma, será criada uma dinâmica reformista nesta região de África, que possivelmente se compaginará com o que vai ocorrer na África do Sul, dando força a Moçambique para continuar o seu movimento contra a corrupção, que foi obrigado a encetar pelos Estados Unidos da América, e talvez mesmo levando o novo líder do Zimbabué a aderir a este bloco reformista e de progresso.

Portanto, joga-se agora não apenas a estabilidade do Congo, mas todo um movimento que pode tornar-se exemplar na África Austral, e é nesse âmbito que a política externa e de defesa angolana pode actuar de forma contundente e relevante para o futuro.

Como nota lateral, refira-se que o marido de Isabel dos Santos, Sindika Dokolo, perdeu a luta inicial que pretendia travar com o movimento cidadão “Les Congolais Debout”, que realmente não tinha objectivos claros nem um modus operandi que lhe permitisse agir focado. As mesmas fontes afirmam que Sindika está a tentar negociar com o novo presidente congolês o levantamento da condenação que impende sobre ele, de forma a poder retornar à sua terra natal. Neste momento, se o fizer, será preso.

Parece que, em Angola, o novo presidente do Congo pediu a ajuda de Lourenço para a sua segurança privada, porque se sentia mal protegido pelos guardas de Kabila. É aqui que Angola poderá voltar a dominar o terreno, como fez no passado, concedendo a Tshisekedi os recursos necessários para que este, diplomaticamente, se livre do abraço de Kabila.

Recentemente, houve um pequeno episódio que revela um primeiro movimento de autonomização por parte de Tshisekedi. Kabila espera que o novo presidente obtenha da comunidade internacional o levantamento das sanções internacionais às figuras cimeiras do anterior governo. No discurso que Tshisekedi proferiu diante do corpo diplomático, no texto escrito existia um apelo a esse levantamento, tal como havia sido acordado com Kabila. No entanto, no discurso oral, Tshisekedi omitiu essa parte, não fazendo qualquer apelo verbal ao levantamento das sanções impostas pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia.

Face ao exposto, consideramos fundamental que Angola apoie de forma equilibrada um processo de autonomização progressiva de Félix Tshisekedi face a Joseph Kabila, já que o novo presidente é peça-chave para garantir a estabilidade no Congo e a criação de um bloco nativamente reformista na África Austral.

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