Juventude e Mudança

O que é a juventude?

A juventude é um sonho.

É um sonho de independência individual. É uma ideia de futuro. E o futuro também é um sonho que se constrói, realiza e/ou se desfaz todos os dias. Ilustremos com aquele que foi o maior sonho colectivo dos angolanos e para o qual gerações inteiras deram a sua vida: a independência nacional.

Por causa do egoísmo dos políticos, da sua falta de visão sobre o futuro colectivo, o país foi conduzido a uma guerra atroz entre irmãos, à desumanização dos angolanos e à pilhagem desmedida do país durante um total de 42 anos. Nesse período, os jovens foram os mais sacrificados, como os peões da guerra e como alvos de repressão, enquanto os dirigentes privatizavam o Estado e devoravam os recursos do País. Mais grave ainda, enquanto os líderes do País roubavam os sonhos e o futuro da juventude.

O sonho da juventude foi um sonho destruído. Os jovens tornaram-se a sombra de um sonho.

Durante a guerra, ser jovem era sinónimo de carne para canhão. E, hoje, os que realmente lutaram são marginalizados. Encontramo-los na beira das estradas, nas quitandas da esquina, não conseguindo prover o seu sustento de forma adequada. Os jovens foram os mais sacrificados e não viram as compensações desse sacrifício. A maioria está no desemprego e sem perspectivas de dias melhores.

Mas isso deve e pode mudar!

Actualmente, os jovens são a larga maioria da população angolana. Neles reside a capacidade de mudança do País. Deles depende o futuro.

Pois bem, a juventude é uma noção colectiva. Para que um jovem se realize, toda uma estrutura social tem de contribuir, entre familiares, professores, médicos, amigos e estranhos. Como vivemos em sociedade, de forma interdependente, a organização do Estado é um imperativo para a realização deste sonho colectivo de juventude, de futuro.

Participante na conferência “Os Jovens e a Mudança”, Huambo

Submissão e imediatismo

Ontem, na minha viagem de Benguela para o Huambo, dei boleia a cinco professoras que se deslocavam à localidade de Caimbambo para participar, com carácter obrigatório, num seminário de capacitação. No caminho, expressaram a sua vocação pelo ensino, e afirmaram que se sentiam conformadas com o facto de não lhes ter sido providenciado transporte para a jornada de três horas e de receberem salários insuficientes para suportarem o custo diário dos transportes.

Já no Chinjenje, tive a tarefa de dar boleia a mais dois professores primários locais residentes na cidade do Huambo, a cerca de duas horas de distância. Explicaram-me que ganham 75 mil kwanzas mensais e gastam, no mesmo período, 40 mil em transportes de ida e volta, mais 15 mil de propinas para a universidade. Um dos professores, o mais novo, confessou-me que, na verdade, sobrevive graças à ajuda do pai comerciante.

Perguntei-lhes então sobre os seus sonhos. Responderam-me, com muita animação, que o sonho de ambos era uma transferência para o Huambo. Essa transferência poupar-lhes-ia mais de metade do salário. O meu companheiro de viagem perguntou-lhes: “E as crianças do Chinjenje ficam sem professores?”

“Bom, esse já é um problema do Estado”, retrucou um dos jovens professores.

Insisti em saber se havia algum sonho mais profundo, mais colectivo, para além da transferência. Os professores revelaram-me então que, com a conclusão dos seus estudos universitários, ascenderão a uma melhor categoria salarial, a dos técnicos superiores.

Fiz-lhes notar que, em meados dos anos oitenta, se registou um grande interesse por parte de muitos cidadãos pelos estudos universitários em Angola, muito por conta dos cartões de abastecimento mensal. A formação superior dava acesso à loja complementar, onde o instruído universitário poderia então obter um cabaz alimentar que incluía uma garrafa de whisky, outra de Martini, queijo, cerveja importada e refrigerantes. Foi assim que se formou a intelectualidade do estômago em Angola, que hoje domina o pensamento e a acção das instituições públicas, incluindo as instituições do ensino superior, e manieta o desenvolvimento da capacidade analítica dos cidadãos.

Hoje, a juventude tem a oportunidade de sonhar novamente, com liberdade de espírito, sobre a sua independência individual e o bem-estar colectivo, porque somos interdependentes.

Com efeito, tenho notado, com grande satisfação, que tem aumentado o número de cidadãos – particularmente jovens, cada vez mais expressivos – que intervêm publicamente sobre a situação política e socioeconómica do país.

Nessa intervenção, tenho notado também a cristalização de um dos maiores problemas da cidadania angolana: a falta de responsabilidade individual.

Hoje, os debates centram-se particularmente nas promessas e nos actos do presidente João Lourenço.

Compatriotas, o presidente é um político, não é um sonhador. João Lourenço tem tido o bom senso de facilitar o alargamento do espaço de liberdade de expressão. O povo é soberano e tem de aprender sobre o poder de que dispõe, tem de conhecer esse mesmo poder, para o usar de forma a proteger os interesses nacionais e a transmiti-lo aos seus filhos, aos jovens, de modo que, no futuro, todos saibam qual é o papel que cada um deve desempenhar enquanto cidadão.

Os líderes apontam direcções, abrem caminhos, mas se o povo não toma nas suas mãos a tarefa de traçar e percorrer esses caminhos por si, chega uma altura em que o líder olha para trás e vê que está sozinho. Não lhe resta senão render-se, eventualmente aos “marimbondos”!

Não queremos isso. Agora que a juventude despertou para o futuro do país, cada um tem de ser o seu próprio líder e o responsável pelos seus destinos. A democracia não é, apenas, nem sobretudo, a possibilidade de ir votar de cinco em cinco anos. É a capacidade e a vontade de participar na vida do país e contribuir para as decisões fundamentais.

Participantes na conferência, Huambo

Como sabemos, a ideia de democracia surgiu na Antiga Grécia, embora saibamos que também em muitas partes de África a democracia fazia parte da vida das comunidades pré-coloniais. E o importante, nestas formas antigas e tradicionais de democracia, não era o voto para eleger dirigentes, mas os freios e contrapesos que limitavam os poderes dos governantes e garantiam a fiscalização e maior participação na tomada de decisões por parte das comunidades. Em Atenas, muitos dos dirigentes eram escolhidos por sorteio. Aquilo que era mesmo importante era a participação do cidadão nas reuniões que se faziam nas praças centrais ou nas clareiras protegidas das localidades para tomar as decisões fundamentais.

Então, a democracia angolana começa aqui e agora com a vossa participação individual. A vossa acção, a vossa mobilização são essenciais para se criarem as dinâmicas colectivas e as sinergias para uma verdadeira participação nas tomadas de decisão e para que haja um real capacidade de fiscalização, obrigando o poder a prestar contas.

Petróleo, diamantes e povo

Durante décadas, o presidente José Eduardo dos Santos não se preocupou com o povo. Não precisava. A sua riqueza não vinha do povo, nem dos impostos que a população pagava (ou não pagava), nem da produção dos cidadãos. A sua riqueza vinha do petróleo e dos diamantes. E para isso ele não precisava do povo. Angola foi um país sem povo. Daí a miséria a que chegámos, neste que é um dos países mais ricos do mundo.

Hoje, é diferente. O petróleo e os diamantes não resolvem tudo. São as pessoas, são os jovens que têm o destino da nação nas mãos.

Por tudo isto, não fiquem à espera do que o Presidente faz. Ele já apontou o seu programa. Compete a cada um de nós agir e, na nossa esfera de influência, melhorar a situação. Cada um de nós deve ser o líder de si próprio.

A liberdade de expressão é a condição fundamental para que os cidadãos possam estabelecer, sem medo e sem hesitação, inúmeros espaços de debate público. Deverão ser esses espaços os palcos para o desabrochar de um novo sonho colectivo dos jovens angolanos sobre o futuro do país.

A mudança

Estamos a falar de mudança. E a primeira, a mais urgente, é mudança de mentalidade.

A segunda é o respeito pelo conhecimento. O angolano aprendeu a temer e a admirar quem tem poder, quem é chico-esperto, quem rouba feio, o exibicionista.

Todavia, quando olhamos para muitos dos “ricos” em Angola, a maior parte das vezes o que sentimos não é admiração, mas desprezo. Desprezo porque sabemos que a sua fortuna foi roubada, desprezo porque só vemos arrogância, e não vemos trabalho. Desprezo porque não lhes identificamos qualquer vantagem sobre nós. Por outro lado, admiramos empreendedores e sábios que mudaram o mundo para melhor, que descobriram curas para doenças, que se empenharam no desenvolvimento da humanidade. O conhecimento é a grande riqueza do século XXI, não o dinheiro.

A terceira mudança deve passar pela propagação de ideias sobre moralidade, responsabilidade, organização e liderança. Enquanto não assumirem certos valores morais – como a virtude, no sentido de excelência moral – os jovens terão dificuldade em perceberem os bons exemplos universais sobre o desenvolvimento humano.

Sem o espírito de responsabilidade enquanto cidadãos interdependentes, os angolanos poderão continuar a pensar que a resolução dos problemas do país é do domínio exclusivo do presidente, que detém poderes formais absolutos.

Voltemos aqui ao caso dos professores do Chinjenje. Na busca de melhores condições para a sua existência pessoal, eles poderão colocar em risco o acesso de dezenas de crianças à educação elementar.

Os jovens, como todos os seres humanos, têm direito ao bem-estar. Têm direito aos seus sonhos e aspirações pessoais. Mas também têm a obrigação de ser ver como parte de um todo, com responsabilidades sociais e com um papel a desempenhar na sociedade. Para desempenharem o seu importante papel, precisam de entender os problemas estruturais que o país atravessa, precisam de se posicionar como peças essenciais e enérgicas para que, a médio e a longo prazo, as suas famílias, as suas comunidades, o seu país possam superar o patamar da miséria, para finalmente viverem com dignidade. Precisamos do empenho de todos os cidadãos, é certo, mas sem o vigor, sem a criatividade e sem o compromisso da juventude nada será possível.

Temos de lutar pela organização do Estado, de modo que o governo que o controla cumpra com o seu propósito constitucional de servir os cidadãos. O governo é do MPLA, mas o Estado somos todos nós. A responsabilidade é de todos nós!

Comunicação apresentada na conferência “A Juventude e a Mudança”, organizada pelo Jango Cultural, na cidade do Huambo, a 25 de Janeiro de 2019.

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