A “Conspiração dos Juízes”: é Urgente Criar Uma Comissão Presidencial Anticorrupção
Estava tudo preparado. Rui Ferreira, presidente do Tribunal Supremo, e Joel Leonardo, juiz-presidente da Câmara dos Crimes Comuns do mesmo Tribunal, já tinham as justificações jurídicas e o mandado de soltura preparado: Zenú ia ser libertado na passada quinta-feira, dia 4 de Outubro. Foi por um triz que a libertação do filho do antigo presidente da República não ocorreu.
Nesta tentativa de terminar com a prisão preventiva de José Filomeno dos Santos, não houve qualquer decisão judicial que sustentasse a libertação, tratou-se de uma pura conspiração política dos juízes, debaixo das suas vestes talares.
Não admira que haja juízes envolvidos em resquícios e tentativas de salvação do Antigo Regime. O mesmo aconteceu depois da Revolução Francesa de 1789. Tão contra-revolucionária era a postura dos juízes face aos desejos de liberdade, igualdade e fraternidade, que os novos poderes tiverem de proibir, sob pena de prisão, os juízes de interferirem com as novas leis e as próprias actividades da administração pública. Também, em tempos um pouco mais recentes, depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), uma das razões que levaram o famoso jurisconsulto Hans Kelsen a defender a instauração de um Tribunal Constitucional diferente dos tribunais comuns na nova República Austríaca, que sucedia ao Império Austro-Húngaro, foi a reacção anti-republicana por parte dos juízes ordinários.
Em Angola, onde ainda não foram criadas instituições com perenidade e valores comuns, mas apenas teias de interesses e clientelismo, facilmente se percebe que em parte do poder judicial – nomeado e alimentado nos tempos de José Eduardo dos Santos – haverá uma propensão para resistir a qualquer reforma efectiva da sociedade. Muitos juízes são os primeiros a não cumprirem a lei, ao terem negócios e interesses comerciais espalhados pelo país fora. Outros terão dívidas de lealdade para com José Eduardo dos Santos ou os seus associados.
Portanto, não admira que as iniciativas anticorrupção acabem por se esboroar paulatinamente através da acção de um poder judicial criado e promovido por José Eduardo dos Santos.
Na verdade, em Angola, mais ainda do que na África do Sul – onde o conceito foi desenvolvido –, existiu uma completa “captura do Estado” (State capture) por parte de interesses corruptos.
Para desmanchar essa captura, será necessário utilizar instrumentos inovadores. Enquadrados na Constituição e no Estado de Direito, mas inovadores e convincentes.
A criação da Comissão Presidencial Anticorrupção
Um primeiro aspecto a considerar é a centralização e operacionalização do combate à corrupção através de um organismo para-judicial focado no tema.
Esse organismo deveria ser uma Comissão Presidencial Anticorrupção constituída por pessoas não comprometidas com o passado. Ou seja, sem que se reciclassem indivíduos comprometidos com práticas corruptas, como tem acontecido em diversas situações. Também seria abandonada a perspectiva fragmentada dos processos, em que se salta de um para o outro sem abarcar a realidade subjacente.
Por isso, os termos de referência da Comissão consistiriam no levantamento das situações em que tivesse existido a captura do Estado por interesses corruptos de grande porte, determinando quem, onde e como se realizou essa captura.
Para fazer esse levantamento, a Comissão teria poderes atribuídos de acordo com o Código de Processo Penal e a Lei das Medidas Cautelares. Esses poderes seriam de investigação, aplicação de medidas de coacção e de recuperação de património, bem como a produção de acusações criminais finais, que competiria aos tribunais julgar.
Por consequência, a luta contra a corrupção seria unificada numa estrutura vocacionada para o efeito, com orçamento, peritos e técnicos adequados. Esta estrutura teria como objectivo abarcar o fenómeno da corrupção enquanto matéria que levou à dissolução do Estado, encontrar culpados, levá-los a julgamento e recuperar os bens.
A reforma do poder judicial
Ao mesmo tempo, encetar-se-ia uma profunda reforma do poder judicial, que começaria pelo reforço da imparcialidade e independência dos juízes. Todos aqueles que tivessem negócios e interesses comerciais, directos ou indirectos, seriam afastados. Uma nova geração de juízes não comprometidos com as práticas do Antigo Regime seria promovida. O funcionamento dos tribunais seria simplificado e tornado mais transparente.
Conclusões
A criação de uma Comissão Presidencial Anticorrupção e a reforma do poder judicial são medidas estruturantes que permitirão prosseguir eficazmente o combate à corrupção e a mudança do paradigma legal de impunidade e fidelidade política.
Recentemente, o antigo ministro das Finanças da África do Sul, actual ministro das Empresas Públicas, Pravin Gordhan, referiu numa conferência na Universidade de Oxford, a propósito da “Captura do Estado” por corruptos ocorrida nesse país, que eram necessários dez anos para construir instituições sólidas, mas bastava um ano para as destruir.
O problema de Angola é mais grave. Nestes últimos 38 anos, não foram construídas instituições sólidas. Só agora se poderá começar a pensar em fazê-lo.
Para isso, é preciso começar um longo caminho com determinação e enfoque no essencial, caso contrário ficar-se-á atolado nas lamas do passado e tudo não terá passado de um breve sonho de uma noite de Verão…