Assassinato em Directo. Afinal, Há Impunidade?

Eu vi, tu viste, todos viram: um cidadão angolano caído, indefeso, no chão, a ser barbaramente assassinado à queima-roupa por um agente do SIC, a 1 de Junho. Foi uma imagem semelhante a esta que levou a opinião pública dos Estados Unidos a condenar a guerra do Vietname nos anos 1960. Esperemos que esta filmagem em Angola tenha o mesmo efeito, que os angolanos decidam que não querem continuar a ter selvagens no poder, e que comecem em definitivo a lutar por uma Angola justa e assente num Estado de direito.

É óbvio que, caso o relatório de Rafael Marques sobre as execuções sumárias em Luanda tivesse sido levado a sério pelas autoridades angolanas, e não objecto de intervenções cosméticas e escaramuças públicas por parte do ministro do Interior Ângelo Tavares, esta situação não teria acontecido, pois há muito tempo teriam sido tomadas medidas de disciplina na actuação do SIC.

Na sequência da divulgação da filmagem do cidadão angolano a ser cobardemente assassinado enquanto agonizava no chão, houve quem viesse dizer que a execução era merecida, já que se tratava de um bandido. Na realidade, não se sabe se era bandido ou não. Essa alegação consta de um comunicado do Ministério do Interior, aparecendo como uma espécie de justificação para o assassinato, e nada mais. Mas não há justificação. O cidadão que foi morto era filho de alguém, talvez marido, talvez pai, talvez irmão. Era um ser humano. Se tinha cometido crimes, competia à polícia apanhá-lo e aos tribunais, julgá-lo. Não disse recentemente o presidente João Lourenço, em entrevista à Euronews (1 de Junho de 2018), que “a justiça por mãos próprias é de se condenar, ninguém deve fazer justiça por mãos próprias, os tribunais existem, justamente, para isso”?. Este é precisamente o ponto. A justiça oficial, praticada pelos órgãos do Estado, é uma das grandes evoluções da civilização. É, aliás, um dos factores distintivos entre a civilização e a barbárie. Ninguém quer que Angola seja uma selva infecta sem lei nem ordem. E esse é o resultado destes procedimentos sumários, que permanecem impunes. Além de violentarem obviamente a pessoa que é assassinada, sem direito a qualquer defesa, violentam toda a vida em sociedade, toda a paz e tranquilidade que se deseja que exista.

E, note-se, qualquer um pode ter um filho que cometa crimes. Por isso mesmo, deve-se desejar que, caso tal aconteça, a pessoa seja levada a julgamento e não abatida como um pobre cão de rua.

De acordo com alegações divulgadas pelo Ministério Público, José Filomeno dos Santos, um dos filhos do antigo presidente da República José Eduardo dos Santos, terá cometido não um, mas vários crimes de gravidade extrema, roubando ao Estado angolano biliões de dólares. Devido a estes crimes, terão morrido muitas pessoas nos hospitais, nas estradas, um pouco por toda a parte. Por cada milhão desviado, faltaram centenas de seringas, milhares de medicamentos, e por isso houve muitas pessoas que não foram tratadas e morreram. Nesse sentido, Zenú não é diferente do meliante que assalta pessoas no musseque. É até pior. E não se espera que Zenú seja arrastado para o asfalto e executado no chão com um tiro de pistola… Espera-se que ele seja acusado e julgado em tribunal.

Queremos que Zenú seja julgado e não abatido a tiro, como queríamos que o jovem que foi abatido a tiro pelo SIC fosse julgado. O raciocínio é o mesmo.

E toda esta questão levanta uma perplexidade. Já se passaram alguns dias e, além do comunicado acima mencionado do Ministério do Interior, não se conhece mais nenhuma medida.

Sejamos claros, a Procuradoria-Geral da República (PGR), face ao conhecimento público de um crime, já deveria ter agido, instaurando um processo-crime aos agentes da SIC que se vêem na filmagem, e muito possivelmente, pois o alarme social assim o justifica, decretado a prisão preventiva daquele que disparou a arma e matou o cidadão. É demasiado estranho que nada aconteça (pelo menos, não se conhece medida alguma).

A PGR tem de agir e tomar medidas contra o assassino do SIC e seus cúmplices. Senão, fica aquele gosto amargo a que começamos a habituar-nos quando ouvimos João Lourenço. Diz coisas bonitas, mas a realidade é diferente. João Lourenço afirma que acabou a impunidade, mas um agente do SIC que mata um cidadão a sangue-frio não é imediatamente detido pela PGR. E Zenú, acusado de desviar biliões, continua a passear alegremente por Luanda. Que combate à impunidade é este?

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