A Chuva de Empréstimos para Angola: Para Quê?

Nos últimos tempos, a imprensa afecta ao governo angolano tem anunciado a contracção de variados novos empréstimos pelo Estado e pela Sonangol. Tal fartura é apresentada implicitamente como um indício da eficaz gestão económica de João Lourenço, que teria conseguido colocar o país a receber dinheiro, depois da secura dos anos derradeiros de José Eduardo dos Santos.

Empréstimos vindos de todo o mundo

– A China, através de dois bancos, o Banco Internacional e Comercial da China e o Banco Chinês de Export-Import, emprestará 13 mil milhões de euros a Angola. Desses, um pouco mais de 600 milhões destinam-se à Estrada de Corimba, 700 milhões são para o sistema de transporte de electricidade da Barragem da Luachima, e cerca de mil milhões vão para a Academia Naval de Porto Amboim. Os restantes dez mil milhões de euros têm como destinos projectos não especificados. Começa aqui, portanto, o mistério.

– O African Export-Import Bank (Afreximbank) está a preparar uma linha de financiamento de até 1720 milhões de euros, de modo a garantir a importação de alimentos e medicamentos por Angola. Ficamos à espera para ver quantos medicamentos chegam aos hospitais.

– Estão também em curso movimentos para dois financiamentos – um de 420 milhões de euros com o Crédit Agricole (França); outro de 500 milhões de euros com o BBVA (Espanha) – para assegurar as exportações de empresas espanholas para Angola.

– Existem também arranjos com o Standard Chartered Bank (Reino Unido) e com o Banco Mundial, para abrir uma linha de financiamento de 503 milhões de euros, e ainda outra de 569 milhões de euros com o BNP Paribas (França), em conjunto também com o Banco Mundial.

– Outra negociação em curso é com o Commerzbank (Alemanha), e diz respeito a um financiamento de 500 milhões de euros para exportações para Angola.

– A isto acresce o anúncio feito pela Sonangol de que pretendia duplicar a sua dívida à banca em 2018, contraindo mútuos até ao valor de quatro mil milhões de dólares. Relembre-se que a dívida assumida pela Sonangol é de 4900 milhões de dólares.

Se não contabilizarmos a Sonangol, os empréstimos anunciados em catadupa perfazem um valor aproximado de 16,5 mil milhões de euros. Se somarmos a Sonangol, alcançamos o valor de 20 mil milhões de euros em novos empréstimos para Angola, um bolo no qual a China assume papel de destaque. O tema das relações entre a China e Angola será objecto de outro artigo – hoje, o importante é reflectir acerca do que representa esta aparente chuva de dinheiro.

Estes novos empréstimos e a forma vaga como têm sido apresentados colocam dois problemas sérios a Angola. O primeiro diz respeito à estabilidade macroeconómica e à criação de condições para um crescimento económico estável e sustentado. O segundo problema tem que ver, obviamente, com o pecado capital em Angola: a corrupção.

Os novos empréstimos e a estabilidade macroeconómica

O relatório da visita do FMI a Angola elaborado a 16 de Março de 2018 assumia um tom optimista. No que dizia respeito à dívida pública, o relatório anunciava factualmente que, em 2017, e incluindo as responsabilidades da Sonangol e da TAAG, essa dívida correspondia a 64% do PIB. Foram assim louvadas as medidas de contenção anunciadas pelo governo no sentido de diminuir o peso da dívida até aos 60%. Simultaneamente, na altura, as previsões de crescimento do PIB também eram razoavelmente elevadas. Portanto, o FMI estava esperançado e anunciava uma certa bonança para a economia e as finanças de Angola.

Acontece que hoje, por um lado, já se percebeu que as previsões de crescimento do PIB de Angola têm de ser afrouxadas. O Instituto Nacional de Estatística finalmente descobriu que a economia esteve parada nos últimos anos, e as Nações Unidas reviram recentemente em baixa, para 2%, a previsão de crescimento para este ano. Por outro lado, a contracção dos empréstimos mencionados vem contradizer as intenções transmitidas ao FMI pelo governo angolano.

Considerando que, em 2017, a dívida pública correspondia a 64% do PIB, tal quererá dizer que andaria na ordem dos 50 mil milhões de euros. Ora, se é aumentada em cerca de 20 mil milhões de euros em 2018, quer dizer que ascenderá a 70 mil milhões de euros. Obviamente, haverá amortizações de dívida ao longo do ano e o PIB subirá um pouco.

No entanto, tudo considerado, tanto quanto é possível face à ausência de estatísticas atempadas e credíveis, é possível que o nível de endividamento público de Angola atinja os 80% do PIB já em 2018.

Ora, este é um valor perigosíssimo para a estabilidade macroeconómica, e representa um peso demasiado grande para um Estado que deveria libertar-se das práticas do passado.

Sem qualquer reforma da economia, sem nenhuma abertura à competitividade, nem promoção da produtividade, insuflar a economia à custa de empréstimos que têm de ser pagos – e não sabemos a que taxas de juros reais – é colocar um peso demasiado grande nas costas do povo. Por isso, esta corrida aos empréstimos parece pouco prudente e demasiado arriscada, sobretudo não sendo acompanhada de medidas económicas “à Deng Xiaoping”, como João Lourenço se anunciou a si próprio.

O perigo ao virar da esquina: corrupção

O outro problema que estes empréstimos colocam é o da corrupção. Talvez já tenha passado à história o facto de os empréstimos iniciais da China a Angola terem estado envolvidos numa teia de corrupção onde se destacaram Sam Pa, hoje aparentemente preso na China, e vários dirigentes angolanos, entre os quais Manuel Vicente, actualmente de volta às altas lides (ver aqui e aqui). Mas basta olhar para o novo enorme empréstimo proveniente da China para surgirem suspeitas. A maior verba identificada – mil milhões de euros – destina-se à construção de um Academia Naval em Porto Amboim. Como pode um edifício custar mil milhões de euros? Uma Academia Naval só custaria esse montante se lá se quisesse colocar o Oceano Atlântico como lago de treino.

Entretanto, surgem dez mil milhões de dólares sem destino específico… É impossível fugir à pergunta: quanto desses dez mil milhões irá parar às mãos dos dirigentes?

Enquanto não forem criados mecanismos de transparência e alocação eficiente dos recursos, continuará a suspeitar-se de que estas operações de novos empréstimos para o país se destinam na verdade a criar uma nova classe de fiéis a João Lourenço.

E é este, na verdade, o problema que todos estes empréstimos milionários indiciam. Não se percebe para o que servirão, e não se percebe por que razão de repente Angola começa a contrair empréstimos por todo o lado.

Veja-se o caso da Sonangol. Em Fevereiro de 2018, o novo presidente do Conselho de Administração proferiu a sua famigerada conferência de imprensa em que acusou Isabel dos Santos de toda a espécie de males. No seu contra-ataque, Isabel afirmou que Carlos Saturnino nem sequer tinha apresentado um Plano Estratégico para a Sonangol. Ninguém sabia qual o rumo que a petrolífera iria tomar.

De facto, hoje continuamos sem conhecer o futuro da Sonangol, o seu plano de reestruturação, ou qual a visão do sector dos petróleos para Angola. O que se sabe é que a empresa se prepara para duplicar o seu endividamento num só ano.

Não podemos ainda deixar de referir que todo este movimento de mútuos ocorre numa época de aumento do preço do petróleo, quando supostamente as receitas do Estado deveriam estar a aumentar. Há algo que não bate certo.

Concluindo: sem uma visão clara e transparente, e sem uma reforma simultânea da economia, o recurso a empréstimos avultados contém em si a semente do descalabro financeiro e da continuidade da corrupção. É urgente criar mecanismos para evitar estes males, pois eles já causaram, ao longo de décadas, prejuízos suficientes ao país e ao povo angolano.

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