A Justiça Portuguesa e Angola: Uma História Triste

Têm passado relativamente despercebidas em Angola as “pipocas” recentemente surgidas em Portugal sobre as relações incestuosas entre a justiça lusa e os dirigentes de Luanda. Referimo-nos aos casos Cândida Almeida, Rui Rangel e, naturalmente, Orlando Figueira.

O quadro apresentado é uma amálgama de corrupção, tráfico de influências e gestão política dos casos.

Esta situação tem de constituir, antes de mais, um sério aviso para a nova geração de juristas angolanos formados nas universidades portuguesas, os quais, imitando os mais velhos, continuam a olhar para Portugal e o seu direito como um exemplo a seguir e imitar. Não é. Angola tem de procurar a sua originalidade jurídica, com erros, com safanões, mas com determinação. A justiça em Portugal terá muitas virtudes, mas tem sem dúvida defeitos que impedem que se confie nela, ou que se queira importar o seu exemplo por inteiro.

O primeiro caso é o de Cândida Almeida. Esta é uma procuradora-geral adjunta muito famosa em Portugal, que durante vários anos (2001-2013) foi directora do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal). Este departamento é a estrutura mais importante de combate à criminalidade em Portugal, sobretudo do chamado crime económico-financeiro, e por ela passaram todos os casos importantes relativos a Angola.

Uma das suas decisões mais famosas em relação a Angola referiu-se a Isabel dos Santos. Em 2007, surgiram notícias sobre Isabel no âmbito da operação Furação, que estava a ser levada a cabo pelo DCIAP e visava o sector financeiro português e várias empresas ligadas a questões de fugas ao fisco e branqueamento de capitais. Essas notícias davam conta de que, nas suas buscas e averiguações, os investigadores teriam deparado com documentos comprometedores para Isabel dos Santos. Nesse ano, o jornal português Diário de Notícias escrevia “Furacão – MP confirma ligação de filha do Presidente de Angola”, e afirmava que o Ministério Público havia recolhido, numa busca ao escritório do advogado António Frutuoso de Melo, documentação relativa à constituição de uma sociedade sedeada numa offshore utilizada por Isabel dos Santos para a compra de um apartamento em Lisboa. Contudo, pouco depois, Cândida vem retirar qualquer suspeição sobre Isabel dos Santos, arquivando todas as investigações contra ela. Este procedimento repetiu-se em relação a várias personalidades angolanas.

Já se percebeu que o arquivamento ou desaparecimento foram as metodologias utilizadas para tratar dos assuntos angolanos no DCIAP.

Recentemente, uma televisão portuguesa veio afirmar que Cândida Almeida teria dossiers pessoais e confidenciais para acompanhamento dos assuntos relativos a Angola, que os terá levado para casa quando foi afastada do DCIAP, deixando toda a informação numa balbúrdia.

O que aparece insinuado é que o tema Angola era tratado privilegiadamente por Cândida, que possivelmente tentava fazer o “mínimo de ondas” relativamente aos dirigentes angolanos, talvez ficando com a informação guardada para um dia mais tarde…

O que parece resultar é que Cândida Almeida sempre teve noção da gravidade das actividades ilícitas que os máximos dirigentes angolanos andavam a praticar em Portugal, mas optou por não agir e apoderar-se de documentação.

Bem que Rafael Marques podia fazer mil queixas fundamentadas ao Ministério Público português. Todos os documentos comprometedores iriam parar à guarda pessoal de Cândida e nada se passaria. Os dirigentes angolanos teriam a protecção assegurada por parte do DCIAP português. É evidente que ainda não existe a prova completa destas afirmações, apenas o levantar do véu que vai ocorrendo paulatinamente por causa do famoso processo Manuel Vicente, que só começou depois da saída de Cândida e contrariou tudo o que se passava antes. Daí o frenesim… Talvez ainda se venha a descobrir que o procurador Figueira (acusado de ser corrompido por Manuel Vicente) é um bode expiatório de mais graves pecados…

A outra situação que veio recentemente o lume é a dos putativos crimes do desembargador Rui Rangel. Este é um juiz do Tribunal da Relação de Lisboa, famoso por querer ser presidente do Benfica e ter decidido um recurso favorável a José Sócrates (o único) que levou à sua libertação. Rangel está a ser investigado por vários crimes, em que preponderam ligações a Angola. Tudo se diz, pelo que não são ainda completamente claros os factos. Alega-se que Rangel era pago por angolanos importantes para redigir leis, para decidir sentenças e para ter uma atitude geralmente favorável aos interesses angolanos. Ainda se espera a acusação deste processo.

Mas o que se vê é que temos pelo menos três magistrados portugueses “embrulhados” com situações pouco claras com Angola. Cândida Almeida, que tem dossiers pessoais, cria confusão e guarda documentos em casa; Orlando Figueira é acusado de ter sido corrompido por Manuel Vicente; e Rui Rangel poderá ser acusado de tráfico de influências em relação a cidadãos angolanos, entre outros.

Assusta ver que a magistratura portuguesa foi penetrada, talvez corrompida, talvez amaciada, pela oligarquia angolana.

Percebe-se, agora, por que as queixas de Rafael Marques, tão claras e fundamentadas, eram sempre obscurecidas e enroladas por considerações inexplicáveis.

Na realidade, ainda está por fazer a história da atitude da magistratura portuguesa face a Angola na contemporaneidade, mas para já fica a nota de susto.

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