João Lourenço: A Corrupção e a Esperança do Povo “Burro”

A espera tem sido um dos maiores desvios da consciência colectiva angolana. O cidadão espera, porque aprendeu a esperar que lhe digam o que deve esperar. Muitos chamam esperança a esta espera em vão. As mudanças não acontecem com espera, mas com participação proactiva.

Depois de 38 anos de alienação e rapina sob o comando de José Eduardo dos Santos, temos um novo presidente, e o povo agora tem de esperar, para saber o que deve esperar de João Lourenço (JLo). É demasiada, e acaba por tornar-se num problema básico de cidadania. A verdade é que quem exerce a cidadania não espera, participa.

Com extraordinário sucesso, o MPLA manietou os angolanos de tal modo, que estes reconhecem apenas, como supremo, o poder partidário e o do seu líder, e não o poder do Estado, o da cidadania. Não conhecemos o valor de uma sociedade que, de mãos dadas, constrói um Estado inclusivo. O povo foi educado a esperar, de forma preguiçosa, na candonga. Messiânico, Agostinho Neto, o líder afundador da nação, declarava num dos seus poemas, “eu sou aquele por quem se espera”. Afinal, foi uma barbaridade que teve como ponto alto os massacres do 27 de Maio de 1977. Com Dos Santos, foi o reino da corrupção.

O povo tem sido usado como burro de carga para a construção exclusiva do Estado do MPLA, que, através da corrupção, tem enriquecido de forma pornográfica os seus dirigentes e umas poucas famílias escolhidas. É o mesmo MPLA que está no poder – há 42 anos – com os mesmos dirigentes: a única mudança é que o anterior ministro da Defesa, general João Lourenço, é agora o presidente da República. A actual primeira-dama, Ana Dias Lourenço, foi ministra do Planeamento durante mais de dez anos. Qual foi o seu bom planeamento? Já ninguém pergunta.

Mas há júbilo nas ruas, porque João Lourenço vai combater a corrupção e tem uma mulher inteligente para o ajudar. É como se o único corrupto tivesse sido José Eduardo dos Santos e os únicos beneficiários tivessem sido os seus filhos Isabel dos Santos (a PCA da Sonangol), José Filomeno dos Santos (PCA do Fundo Soberano), Tchizé e José Paulino dos Santos “Coréon Dú” (TPA 2).

Mas ninguém se pergunta como é que um homem que foi escolhido por um sistema corrupto vai combater esse mesmo sistema. E não venham falar de Gorbatchov. Gorbatchov queria salvar o comunismo e falhou redondamente. Por isso, é tido como um pária na sua pátria, a Rússia. Teve de pôr fim à vida pública e passar a fazer anúncios das malas Louis Vuitton.

Mesmo dentro do MPLA, onde o oportunismo é a lei máxima, espera-se que João Lourenço demita em breve os filhos de José Eduardo dos Santos dos cargos públicos para os quais foram nomeados.

Se João Lourenço der estes passos, será elevado à categoria de herói por um povo e um grupo de influenciadores de opinião acomodados na preguiça, à espera que o novo presidente os vingue.

É preciso lutar já contra esta distracção. Basta notar que, antes de José Eduardo dos Santos ter abandonado a presidência, promoveu, sem qualquer mérito do beneficiário, o irmão de João Lourenço, Sequeira João Lourenço, a general do exército. Em retribuição, João Lourenço nomeou, no dia 1 de Novembro, a sobrinha de José Eduardo dos Santos e esposa do famoso general Bento Kangamba, Avelina dos Santos, para directora-adjunta do seu gabinete. Como se diz em kimbundu, etu mudietu (uma mão lava a outra). Não há quem reconheça méritos técnicos ou outros a Avelina dos Santos, para a função que ocupa.

JLo tem recebido aplausos por medidas insignificantes. As pessoas nem sequer sabem o que realmente esperar dele, mas aplaudem por tudo e por nada, porque é a melhor forma de, mais uma vez, os cidadãos se sujeitarem à educação do MPLA. Povo não é para pensar. Povo não é para exercer a cidadania. Povo não é para participar. Povo é para esperar.

No entanto, a pergunta urge: onde estão as medidas legislativas e de polícia para combater a corrupção? Se João Lourenço quisesse efectivamente combater a corrupção, já tinha apresentado um pacote de leis adequado. Por exemplo, punindo o enriquecimento ilícito através da sua criminalização, criando um departamento policial para combate à corrupção, nomeando um procurador especial para investigar a corrupção. Na realidade, nada foi feito, e os corruptos do passado voltaram a ocupar o seu posto, ou outros idênticos. Apenas andou o carrossel.

Aplausos e truques mediáticos

Têm-se registado truques mediáticos para distrair o povo, cujo objectivo é manter a indiferença e o abandono relativamente às responsabilidades cívicas e políticas dos cidadãos, que continuam a não exigir prestação de contas por parte dos seus líderes.

O maior dos truques foi o comunicado angelical do PGR a lembrar que os novos ministros e dirigentes teriam de apresentar as suas declarações de bens.

É notável a iniciativa de alguns cidadãos, entre os quais Nuno Álvaro Dala, Mbanza Hamza e Inocêncio de Brito (do Processo 15+2), que através de uma petição pública exigem que os dirigentes cumpram a lei e entreguem as suas declarações de bens.

Por sua vez, o procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, reagiu bem. Lembrou aos faltosos que é seu dever cumprir a lei. Mas a este mesmo PGR pode imputar-se total falta de zelo no combate à grande corrupção, nos anos desenfreados de José Eduardo dos Santos.

No entanto, a lei não obriga a que estas declarações de rendimento sejam do conhecimento público. Se os dirigentes e gestores públicos prestarem falsas declarações, não teremos como saber. Nem teremos como saber por que meios tantos se tornaram tão ricos ou com quanto entram para este governo, para controlarmos com quanto saem no fim das suas funções.

Portanto, se João Lourenço quer efectivamente combater a corrupção, deve servir de exemplo de probidade moral. Apresentar publicamente a sua própria declaração de bens será um acto de grande envergadura da sua parte. Isso servirá para que outros dirigentes o sigam, como o farol de mobilização contra a corrupção. Os mesmos que seguiam José Eduardo dos Santos no saque desenfreado do Estado poderão agora mostrar arrependimento e seguir o caminho do bem e da boa gestão que João Lourenço deve traçar.

João Lourenço tem poderes constitucionais para, com urgência, propor a revisão da Lei da Probidade, a lei que supostamente serve para combater a corrupção, mas que não menciona uma única vez a palavra “corrupção” em nenhum dos seus articulados. Os presidentes normalmente impõem-se nos seus primeiros cem dias, implementando actos legislativos que deverão guiar a sua agenda governativa. João Lourenço ainda não anunciou as suas prioridades legislativas.

Nessa revisão, para garantia de transparência efectiva e fiscalização por parte dos cidadãos, João Lourenço deve propor que as declarações de bens sejam acessíveis para consulta pública.

João Lourenço é presidente para servir o povo angolano. Mas só o fará se este povo acordar e se cada cidadão assumir a sua responsabilidade individual de cidadania e exercer os direitos civis e políticos. O povo não tem de esperar pela realização de promessas, reais ou falsas, por parte dos políticos do MPLA ou da oposição.

O povo não é burro, como o MPLA faz crer com os seus abusos. O povo é apenas cúmplice, corrompido, alienado, enfeitiçado, distraído. Mas tem filhos que o podem guiar para a afirmação da sua soberania.

Como cantava Geraldo Vandré contra a ditadura brasileira: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.”

 

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