Isabel, Calcanhar de Aquiles de João Lourenço

O presidente João Lourenço tem vindo a mostrar indícios, entre os seus pares no MPLA, de que se sente afrontado pela arrogância e pelo desprezo com que Isabel dos Santos, a presidente do Conselho de Administração da Sonangol, tem tratado o seu poder.

João Lourenço queixa-se de que não pode governar sem dinheiro, assim aludindo indirectamente a Isabel dos Santos. A Sonangol é, na prática, o cofre do país, e a sua chave, que é como quem diz a sua gestão opaca, está nas mãos de Isabel dos Santos e dos assessores estrangeiros que esta contratou.

Para já, Isabel dos Santos começa a ser o calcanhar de Aquiles de João Lourenço e o mais difícil teste na sua afirmação como presidente no pleno exercício dos seus poderes constitucionais.

Como manobra ofensiva, João Lourenço nomeou Carlos Saturnino para secretário de Estado dos Petróleos, atribuindo-lhe a missão de controlar Isabel dos Santos e de, eventualmente, preparar a sua demissão.

Em Dezembro passado, Isabel dos Santos demitiu Carlos Saturnino da função de presidente da Comissão Executiva da Sonangol Pesquisa & Produção, acusando-o de má gestão e de graves desvios financeiros. Em sua defesa, na altura, Carlos Saturnino respondeu à acusação pública de Isabel, tendo afirmado que “não é correcto, nem ético, atribuir culpas à equipa que somente esteve a dirigir a empresa no período entre a segunda quinzena de Abril de 2015 e 20 de Dezembro de 2016”.

Caberia a João Lourenço, que prometeu combater a corrupção, inquirir antes sobre a acusação feita por Isabel dos Santos a Carlos Saturnino, e disponibilizar informação pública sobre se o homem está limpo ou não. Aí, sim, poderíamos começar a aferir, pelos actos de João Lourenço, se Isabel dos Santos simplesmente mentiu à nação angolana sobre as supostas falcatruas de Carlos Saturnino, ou se tem provas para defender a sua posição.

Neste caso, é visível a incoerência de João Lourenço e a inexistência de qualquer política de Estado para combater a corrupção.

Segundo consta, os maiorais do MPLA aconselham João Lourenço a tolerar Isabel dos Santos e a não ponderar demiti-la, assim manifestando deferência ao seu antecessor, o actual presidente do MPLA e pai de Isabel, José Eduardo dos Santos.

Porquê? Os estatutos do partido indicam que o presidente do MPLA pode substituir o seu vice-presidente, João Lourenço, bastando para o efeito a convocação de uma mera reunião do Comité Central anunciando tal decisão. O vice-presidente do MPLA é escolhido pelo presidente.

Na luta intestina que assim se desenha, José Eduardo dos Santos tem o poder de afastar João Lourenço da liderança do MPLA, deixando-o vulnerável enquanto presidente da República, e sem o controlo ou o apoio da máquina partidária. Isto poderá vir a implicar, na prática, a transferência dos poderes presidenciais, no que diz respeito às grandes decisões do país, para a sede do MPLA.

Como prova da disfunção desta presidência bicéfala, na passada quarta-feira João Lourenço esteve na província do Huambo, para a abertura do ano agrícola. Fez-se deslocar no avião privado de Tulumba Kaposse, deputado e membro do Comité Central do MPLA. Esse indivíduo é o maior beneficiário do saque desenfreado de fundos públicos do Banco de Poupança e Crédito (BPC), figurando como o maior devedor desta instituição, de onde desviou 517 milhões de dólares. Em 2007, os militantes do MPLA na Huíla chumbaram, em vão, a candidatura de Tulumba Kaposse ao Comité Central, embora aquele ostente a patente de coronel, sem todavia ter cumprido serviço militar, e tendo direito a pagamento mensal pela Caixa Social das FAA.

Por sua vez, o presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, continuará a usar o Boeing habitual, normalmente fretado por mais de 600 mil dólares por viagem, para as suas deslocações ao exterior do país: nos próximos dias, depois da reunião do Comité Central do MPLA, o ex-presidente deverá deslocar-se a Espanha para tratamento médico, usando o avião reservado às deslocações presidenciais.

Entretanto, em Londres, para onde se auto-exilou, Isabel afirmou angelicamente aos media estrangeiros que tudo corre no melhor dos mundos com João Lourenço e que este está a par de toda a evolução registada na Sonangol.

É evidente que a Sonangol é o campo de batalha onde se definirá o futuro de Angola, e onde se verá se João Lourenço é o verdadeiro presidente da República, ou uma mera figura de opereta que se entretém a ir ao KFC sem guarda-costas. É bonito, mas não resolve os problemas do país.

Sejamos muito claros. Enquanto Isabel dos Santos estiver à frente da Sonangol é ela quem manda no país, pois é ela quem decide se financia ou não os cofres do Estado. Em 2014, as receitas petrolíferas representavam 67 por cento do financiamento público, mais de dois terços das quais provinham da Sonangol. Em 2015, devido ao decréscimo do preço do petróleo, as receitas públicas petrolíferas já só representaram 50 por cento. Mas tal implicou automaticamente que o endividamento do país aumentasse para cerca de 40% em 2015 e 50% em 2016, face ao PIB, o que demonstra necessariamente que quando as receitas do petróleo baixam, o país fica sem dinheiro e tem de se endividar (Fonte: Relatório de Energia de Angola 2016, Universidade Católica de Angola).

Portanto, quem abre e fecha a torneira do financiamento público não é o presidente, nem o ministro das Finanças, é Isabel dos Santos. Daí a importância estratégica fulcral da sua presença ou não à frente dos destinos da Sonangol.

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