Guardas Presidenciais: O Lixo de Kopelipa

Na sexta-feira passada, o presidente José Eduardo dos Santos despediu-se, com pompa e circunstância, dos seus ministros e mais directos colaboradores, a quem agradeceu o trabalho. O presidente sai com imunidades, uma fortuna incalculável e um sucessor que lhe é subordinado enquanto seu vice-presidente no partido. Mas o presidente deixa também os mais de cinco mil homens que protegeram a sua vida – os membros do Regimento Presidencial e da Unidade de Guarda Presidencial (UGP) – na penúria.

A 28 de Setembro de 2001, Ricardo Colino, actualmente com 55 anos, recebeu das mãos do chefe da UGP, general Alfredo Tyaunda, um certificado de mérito, por ter servido a unidade com dedicação e zelo durante 17 anos. No dia seguinte, a UGP deu por terminado o seu serviço e passou-o à disponibilidade; a licença oficial, no entanto, só lhe seria entregue sete anos mais tarde. Ricardo Colino recebeu três meses de salário e nada mais, o mesmo acontecendo aos restantes 300 homens dispensados no mesmo dia.

Descontentes, os ex-guardas presidenciais apresentaram uma reclamação oficial. “O general Kopelipa levou a nossa preocupação ao presidente da República, que mandou criar a Brigada Especial de Limpeza (BEL) em 2002”, refere Bapolo Saprino, de 54 anos, um dos representantes do grupo.

“Quando pedimos o nosso reenquadramento social, o chefe de Estado mandou meter-nos no lixo, mesmo depois de todo o sofrimento por que passámos. Aceitámos humildemente e passámos a ser tratados por matumbos”, conta.

Na verdade, Bapolo Saprino, não foi da Unidade de Guarda Presidencial, mas comandante de uma companhia de tanques do Regimento Presidencial, a unidade combativa especial da Presidência da República, que mantém o cordão de segurança de Luanda.

A experiência combativa de Bapolo Saprino remonta a 1983, contra as forças sul-africanas no Cunene, enquanto tanquista ao serviço das Forças Armadas Populares de Angola (FAPLA). Enquanto membro do Regimento Presidencial, participou nos combates para a libertação dos municípios do Mussende e da Gabela, em 1991.

Em 2010, através do Despacho 01/CMPR 2010, o ministro de Estado e chefe da Casa Militar (actualmente de Segurança) do PR, general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, determinou a desmobilização de efectivos excedentários da Presidência da República, designadamente da Unidade de Guarda Presidencial.

Neste Despacho, o general Kopelipa, qual patrão capitalista sem coração, fixou o número de efectivos a eliminar em cada uma das unidades e empresas sob seu controlo, embora salientando que os despedidos deveriam ser indemnizados ou inscritos na Segurança Social, encarregando o secretário-geral de acompanhar a situação e o manter informado.

Como nada daquilo que Kopelipa determinou – à excepção do despedimento selvagem – foi cumprido, imagina-se que o secretário-geral da Casa Militar tenha dado conhecimento ao ministro de Estado. Este nada fez para remediar a situação. Limitou-se a deixar que os seus antigos subalternos fossem tratados como excrescências sociais.

António Mateus Calyombo, Nelson Júlio Pinto, Ricardo Colino, Rafael Muteca, Manuel Bapolo Saprinho, Joaquim Domingos Djundo, Pascoal João Lucas, Gabriel Manuele, Adriano Adão João António, Lúcio Mangumba, Domingos Araújo Cassessa, Teixeria Ndiavo Ndonto, Samuel Malundo, Luís Francisco Sebastião e Avelino Samahando, porta-vozes de milhares de ex-guardas presidenciais, apresentaram queixa e obtiveram uma vitória no Tribunal Provincial de Luanda, 2.ª secção, Sala do Trabalho.

Essa vitória é uma sentença que declara ilegal o despedimento colectivo de que foram alvo pela sua entidade empregadora, a BEL – Brigada Especial de Limpeza, e condena a entidade empregadora a pagar-lhes vários salários, subsídios e compensações.

Ao ler a sentença, o importante a realçar é o seguinte. A Lei Geral do Trabalho em vigor à época dos factos (2010) impunha uma série de procedimentos e formalidades para a realização de um despedimento colectivo. Este tinha de ter determinados fundamentos, havia a necessidade de se tentar uma conciliação e, se o despedimento se concretizasse, os trabalhadores despedidos tinham direito a substanciais compensações.

O que se explicita na sentença deste caso é que nenhum dos formalismos exigidos pela lei foi cumprido.

Fundamentação do despedimento, comunicações ao Ministério da tutela, cumprimento de prazos, pagamento de indemnizações. Nada de nada. Imperou a selvajaria. A BEL afixou uma lista e “correu” com os trabalhadores com se fossem animais sujos.

“Muitos colegas apanharam tuberculose, depois de anos a recolherem lixo, sem qualquer tipo de protecção nem cuidados médicos. É lamentável. Depois desses anos todos de sacrifício pela pátria e pelo Presidente, ficámos sem nada e nem sequer conseguimos enviar os filhos para a universidade”, refere Ricardo Colino.

“A BEL expulsou-nos [ex-guardas presidenciais] sem aviso prévio e empregou outros funcionários da conveniência dos chefes”, lamenta Bapolo Saprino.

Ao contrário do que sugere a declaração de falência da BEL proferida pelo general Kopelipa – que assim justificaria os despedimentos sem compensação dos ex-efectivos da UGP – a BEL continua a operar. “A BEL foi praticamente tomada pelos antigos homens do Terminal Aéreo Militar, por compadrio e discriminação. A empresa funciona e foram removidos apenas os elementos provenientes da UGP”, confirma Bapolo Saprino.

O general Kopelipa e o presidente José Eduardo dos Santos.

A 19 de Julho de 2010, os ex-guardas presidenciais escreveram ao seu comandante supremo, José Eduardo dos Santos, que até hoje os ignorou por completo. “Ele nunca respondeu”, lamenta Ricardo Colino.

“Só queremos o nosso dinheiro de indemnização, pelos oito anos que trabalhámos na BEL”, afirma Bapolo Saprino.

O tratamento a que foram submetidos os ex-guardas presidenciais é absolutamente indigno, tanto mais que por detrás de toda a operação está o multibilionário ministro de Estado Kopelipa. Segundo fontes da imprensa internacional, Kopelipa desviou 300 milhões de dólares do BESA para o Dubai, eventualmente tendo-os perdido no Banco Espírito Santo, e não cuida dos antigos colaboradores.

Cassule e Kamulingue

O caso dos ex-guardas presidenciais levou ao assassinato de dois activistas, Alves Kamulingue e Isaías Cassule, pelos serviços de segurança. O motivo? Kamulingue e Cassule eram considerados perigosos, pois estavam empenhados em mobilizar os referidos guardas para acções de protesto de rua.

Após a desmobilização de uma manifestação de ex-membros da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), marcada para o dia 27 de Maio de 2012, agentes policiais e de segurança detiveram Alves Kamulingue e o fuzilaram-no mesmo dia, conforme relato já publicado pelo Maka Angola.

Dois dias depois, um agente policial, em comissão de serviço no comité provincial do MPLA, comandou a acção de rapto de Isaías Cassule. Mataram-no por asfixia e atiraram o seu corpo aos jacarés, na ponte sobre o Rio Bengo, em Kifangondo.

Alguns oficiais do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE) e da Polícia Nacional envolvidos nos assassinatos foram condenados e continuam a cumprir as suas penas. Todavia, a verdade é que a morte destes dois activistas foi selada pelas mais altas instâncias, numa reunião de 26 de Maio de 2012, na Casa de Segurança do PR, em que participou o chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM), general Zé Maria. As mais altas patentes nunca foram ouvidas sobre o caso.

 

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