A sonolência cúmplice do PGR

Com o seu bigode farfalhudo e a face rechonchuda, o procurador-geral da República (PGR), general João Maria de Sousa, assemelha-se muitas vezes a um felídeo sonolento.

E a dormir deve estar, tendo em conta a sua nula reacção às revelações bombásticas de alegados crimes cometidos em Angola que têm surgido em processos judiciais em Portugal.

Aquilo que aqui vamos reportar não são conversas da avó na quitanda, nem sequer notícias anónimas em jornais de maior ou menor reputação. São informações provenientes de processos judiciais em curso em Portugal e que não estão em segredo de justiça.

Referimo-nos a dois processos em concreto: o processo contra o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, denominado Operação Fizz; e o processo contra o antigo primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, denominado Operação Marquês. No primeiro já foi feita acusação, pelo que não há segredo de justiça. E no segundo o segredo de justiça já foi levantado por ordem do juiz “amigo” de Angola, Rui Rangel.

Nestes processos, têm aparecido vários depoimentos ou resultados de investigações do Ministério Público que indiciam a prática de crimes graves em Angola. Em qualquer país realmente interessado em fazer prevalecer a justiça, perante os factos elencados pública e notoriamente nestes processos, o PGR estaria obrigado por lei a abrir um processo-crime para a respectiva investigação.

Não o fazendo, o general João Maria de Sousa torna-se cúmplice, por omissão, de eventuais crimes altamente prejudiciais ao país.

O primeiro conjunto de crimes: BESA

Ricardo Espírito Santo Salgado, antigo proprietário do Grupo BES (Banco Espírito Santo), conhecido em Portugal como DDT (Dono Disto Tudo) e também dono do BESA (Angola), afirmou em depoimento prestado às autoridades judiciárias portuguesas o seguinte:

“Álvaro Sobrinho [ex-presidente do BESA] devia ter ido logo para a cadeia. O homem devia ter sido preso em Angola”, mas “ninguém lhe tocou. Isso é inconcebível!”, resumiu. “Portanto, eu só posso concluir que houve mais pessoas em Angola que beneficiaram com o prejuízo do BESA”, rematou.

Nas suas afirmações, Salgado explicitou que Sobrinho deixou que “desaparecessem” mais de cinco biliões de dólares do banco em Angola, levando-o à falência. Sobrinho terá cometido crimes em Angola, entregando fraudulentamente empréstimos a importantes dirigentes angolanos, e por isso foi protegido.

As informações que constam nos processos judiciais a decorrer em Portugal obrigam o PGR angolano a investigar a actuação de Sobrinho, a actuação das pessoas a quem ele entregou dinheiro “roubado” do BESA, e a das pessoas que o protegeram. São factos aparentemente reais que ocorreram em solo angolano. A divulgação do depoimento de Salgado é suficiente como indício para se abrir uma investigação.

Porque não o faz o general João Maria de Sousa? Não acreditamos que tenha recebido qualquer favor ou empréstimo de Sobrinho ou do BESA?

O segundo conjunto de crimes: Portmill

Um segundo grupo de crimes prende-se directamente com Manuel Vicente e resulta da acusação proferida contra ele pelas autoridades portuguesas.Nela se afirma que “a sociedade Portmill era utilizada pelo arguido Manuel Vicente no desenvolvimento dos seus negócios privados”. Explica o jornal Expresso: “A relação de Vicente com a Portmill, comprovada agora pelo Ministério Público, tem um alcance maior do que parece. A compra dos 24 por cento do BESA pela Portmill foi feita à custa de um empréstimo concedido em Dezembro de 2009 pelo Banco Angolano de Investimentos (BAI), cujo vice-presidente era o próprio Manuel Vicente e cujo maior accionista era a Sonangol, sendo um exemplo claro de como o número dois do Governo de Angola lidava com potenciais conflitos de interesses que pudesse ter e como os seus negócios pessoais se confundiam com os negócios da petrolífera angolana.” E acrescenta: “No caso da aquisição de 40 por cento da Movicel ao Estado angolano em agosto de 2009, Manuel Vicente, como um dos donos ocultos da operadora móvel do Estado, passou a estar numa dupla posição de vantagem. Porque fazia parte da administração da Unitel, a líder do mercado das comunicações móveis, de que a Sonangol é acionista, tinha informações privilegiadas que podia usar em seu proveito como acionista pessoal da segunda maior operadora angolana.”

Aqui temos mais um conjunto de factos que constituirão crimes financeiros de vária ordem e gravidade. E o que faz o sonolento PGR? Continua a dormir.

Qual a sua obrigação legal? Abrir inquéritos-crime sobre cada uma destas graves alegações. Até pode chegar à conclusão de que não se confirma a prática de nenhum crime e arquivar as investigações. O que não pode é fingir que não se passa nada.

Há que não esquecer: o silêncio do PGR é, em si mesmo, um crime por omissão.

Acorda, procurador!

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