Os equívocos de Manuel Rui Monteiro
Manuel Rui Monteiro fez o que faz bem: escreveu. Mas Manuel Rui Monteiro não é somente um escritor. É um político. Um político, que no tempo de Agostinho Neto foi ministro da Informação.
Na altura, o arquétipo de qualquer ministro da Informação de um regime marxista era Lev Mekhlis, o editor-chefe do Pravda soviético nos anos 1930. A informação era uma arma do Estado e do Partido Único para exterminar os “inimigos do povo”, sempre presentes nas retóricas radicais e demagógicas.
É com estes dados em mente que devemos perspectivar o texto de Manuel Rui (conforme assina) publicado no Jornal de Angola em 22 de Fevereiro de 2017, sob o título “Poder, justiça e comunicação social“.
Logo na abertura do artigo, Manuel Rui acusa a comunicação social de incinerar pessoas na praça pública e de violar o segredo de justiça, obrigando a justiça a condenar quem já foi previamente condenado pela comunicação social. É verdade. Assistimos hoje, por todo o mundo, a uma relação muito perigosa entre a comunicação social e a justiça, que por vezes leva a condenações precipitadas, injustas e espúrias.
Contudo, a abstracção e grandiloquência das palavras de Rui escondem um problema ainda mais elementar. Em Angola, não há (quase?!) imprensa livre. Se a imprensa incinera alguém, é porque um Mekhlis equatorial obediente ao seu Estaline assim o quer.
E já agora, no caso concreto abordado por Manuel Rui — o caso de Manuel Vicente —, quem violou o segredo de justiça foi… o procurador-geral da República de Angola, não foi nenhum jornal.
Aliás, neste momento, o processo de Manuel Vicente em Portugal já não está em segredo de justiça, pois terminou o inquérito (instrução preparatória em Angola). Portanto, objectivamente, as queixas e lamentos de Manuel Rui não têm razão de existir, a não ser que ele se esteja a queixar do PGR angolano, o general João Maria de Sousa.
Depois, Manuel Rui elabora sobre a corrupção no mundo, e defende que África não é diferente da média, evocando o caso do presidente Zuma. Mais uma vez, o escritor-político esconde-se atrás de palavras genéricas, e esquece-se dos casos concretos. E Angola? Onde estão as condenações de dirigentes políticos por corrupção em Angola? É que, antes de nos preocuparmos com a África do Sul (onde aliás não sabemos bem como vai terminar a história de Zuma), temos de olhar para Angola. A corrupção em Angola envergonha o mundo e mata. Essa é a realidade. Em muitos outros países também existe, mas não mata.
Mais abaixo, o escritor-político-ex-advogado defende que o processo de Manuel Vicente deveria ser julgado em Angola… Não há dúvida de que temos aqui uma ideia com uma profundidade jurídica imensa. O ideal mesmo era garantir que o PGR de Angola, que já teve acesso privilegiado aos processos portugueses, despisse as suas vestes de procurador e se tornasse juiz de Manuel Vicente, utilizando os conhecimentos judiciais que obteve dos processos ainda em segredo de justiça. Estaria assegurada a imparcialidade da justiça angolana.
Todos dormiríamos melhor se Vicente fosse retirado das garras dos ineptos tribunais portugueses e entregue às mãos sábias do PGR angolano.
O escritor-político termina o seu preclaro artigo lançando suspeitas sobre a comunicação social portuguesa, que pretenderá estragar o reforço dos laços luso-angolanos ainda agora protagonizados pelo ministro dos Negócios Estrangeiros português, divulgando à saciedade as informações sobre a corrupção de Manuel Vicente.
Enquanto alimenta estas suspeitas infundadas, Manuel Rui parece esquecer-se de que foi o governo angolano — e não a comunicação social portuguesa — quem suspendeu unilateralmente a visita da ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van-Dunem a Luanda (cujo irmão, José Van-Dunem, assassinado no massacre de 27 de Maio de 1977, Manuel Rui possivelmente conhecia bem). Assim se vê o verdadeiro empenho do governo angolano no reforço das referidas relações.
Não bastam palavras genéricas, não bastam ideias genéricas. O tempo é outro, e isso Manuel Rui ainda não percebeu.