O Problema das Eleições de 2017: a Confiança

O “indicado” João Lourenço já anunciou que vai obter uma “vitória retumbante” nas eleições de 2017.

Enquanto isso, o “vice-indicado” Bornito de Sousa dirige o ministério do governo que procede ao registo eleitoral para as mesmas eleições. E afirma que não há nenhuma incompatibilidade entre o facto de ser o responsável pelo registo eleitoral e, simultaneamente, candidato a vice-presidente da República, ironizando: “Não há nenhuma incompatibilidade legal ou constitucional para esta situação, e eu diria, se fôssemos então no rigor de colocar suspeições para uma situação desta, no limite então os senhores deputados, por exemplo, teriam de se demitir agora, porque estivemos a ver legislação eleitoral.” Na realidade, não se percebe bem a relação entre uma coisa e outra, i. e., entre o facto de os deputados aprovarem legislação eleitoral e o ministro coordenar o registo eleitoral. Mas, enfim, deliciemo-nos com a ironia do ministro. Sempre é melhor um ministro irónico do que um ministro “trombudo”.

Ainda no mesmo tema, um deputado jurista do MPLA, João Pinto, também veio a terreiro explicar que, em França, o ministro do Interior organiza as eleições e é candidato a deputado, e assim com esta descoberta secunda o “vice-indicado” e, na opinião de alguns bastidores, posiciona-se fortemente como futuro ministro da Casa Civil.

O ilustre deputado do MPLA encontrará muitos mais exemplos, além do francês, de sistemas em que o poder executivo organiza e administra as eleições, mas também verá, se fizer um estudo mais detalhado, que mesmo nesses países vão sendo criados mecanismos mais independentes de gestão eleitoral, havendo uma tendência global de redução do papel dos executivos nessa gestão.

Contudo, a questão de fundo não é esta.

Vamos recapitular algumas premissas básicas sobre eleições. As eleições são a pedra angular da democracia representativa. Embora não sejam suficientes para a consolidação da democracia, os processos eleitorais permanecem essenciais para garantir a legitimidade democrática.

Portanto, de um processo eleitoral adequado depende a existência ou não de uma democracia. E o mais importante num processo eleitoral é a confiança.

Na realidade, a confiança no processo eleitoral é o aspecto fundamental para a aceitação do resultado eleitoral como legítimo.

É importante que aqueles que perdem dêem o seu consentimento. Dito de outro modo: aqueles que participam e perdem umas eleições devem confiar no resultado, acreditar que foram derrotados por meios legítimos e inequívocos.

E este é o problema real do processo eleitoral em Angola: a confiança. Quem acredita que o processo não será manietado pelo governo? Que o registo eleitoral não está orientado para favorecer o governo? Que a campanha eleitoral não se consegue realizar em vários pontos do país devido a ameaças ou episódios concretos de violência? Que os resultados não podem ser adulterados?

A realidade é que os partidos da oposição e a sociedade civil não têm confiança na lisura do processo eleitoral. E é acima de tudo essa confiança que deve ser dada através dos mecanismos formais instituídos para o processo eleitoral.

Em França – para retomar o exemplo do deputado jurista do MPLA – não há desconfianças sobre o processo eleitoral. Quem perde um escrutínio acredita nos resultados. A história política francesa tem assistido a alternâncias de poder constantes por via eleitoral. Ainda nas últimas eleições presidenciais, o candidato incumbente (Nicolas Sarkozy) foi derrotado por François Hollande, que se tornou presidente da República. Não houve qualquer sombra de desconfiança sobre o procedimento eleitoral.

A situação francesa não tem qualquer paralelo com a angolana, infelizmente. Aqui, nunca houve alternância de poder, e os perdedores não acreditam nos resultados.

Logo, os mecanismos a implementar têm de ser pensados de forma a incutir uma confiança que não existe.

Acresce um ponto muito importante. Em França, o poder judicial é um poder independente, e é exercido como tal. Portanto, qualquer cidadão eleitor saberá que, em última análise, em caso de qualquer ocorrência grave poderá recorrer aos tribunais, e estes actuarão. O mesmo não acontece em Angola. À excepção de dois ou três casos, o comportamento judicial angolano tem sido vergonhoso na sua deferência e dependência face ao poder político.

Em resumo, não tem qualquer sentido – para nosso desconsolo – comparar França com Angola. As realidades, para o bem e para o mal, são diametralmente diferentes. Como os arautos do regime não se cansam de apregoar, Angola tem de ter soluções angolanas. E, no caso das eleições, essas soluções têm de transmitir confiança aos contendores e à sociedade.

E, por isso, pergunta-se: que sentimento de confiança é transmitido quando o candidato a vice-presidente é o responsável pelo registo eleitoral? Que sentimento de confiança é transmitido quando o registo eleitoral é realizado por um ministério e não por uma comissão independente, como parecia resultar do artigo 107.º da Constituição? A resposta é fácil: nenhum.

E este é o problema das eleições de 2017; não há qualquer confiança no seu processo e nos seus resultados, e o governo não está sequer preocupado com isso.

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