A Insustentável Leveza dos Generais Juristas

Não é do conhecimento público quantos generais existem em Angola. Mas é do conhecimento público que há uma imensidão de generais e ex-generais a comandar todas as áreas do país. Os generais são omniscientes, sabem tudo, e estão em todo o lado.

A justiça, por estranho que pareça, é uma das áreas dos generais, com consequências negativas para o seu funcionamento. Os generais sabem da guerra, da disciplina, do comando e certamente de muitas outras coisas. Mas não sabem de justiça.

Justiça é equilíbrio, harmonia, imparcialidade, independência. Guerra é desequilíbrio, parcialidade, disciplina, ataque, vitória a todo o custo.

Os parâmetros de formação são diferentes. Os generais deviam fazer a guerra e garantir a paz. Os juristas deviam fazer a justiça e garantir o direito. Quando os papéis se trocam, temos trapalhada grave. Isto tem sido visto muito claramente na ineptidão do general João Maria de Sousa como procurador-geral da República. Tantas têm sido as “broncas”, que foi necessário o presidente da República inventar uma Lei da Amnistia para salvar o regime das atribulações deste procurador.

Recentemente, outro general, figura discreta e que não entra habitualmente em celeumas, produziu afirmações que abanaram qualquer ideia de independência e imparcialidade que se deveria atribuir ao presidente do Supremo Tribunal Militar.

A propósito dos tiros que mataram o menor Rufino António nas malfadadas ocupações de terras efectuadas pelo exército, o juiz-conselheiro-presidente da instituição, general António dos Santos Neto “Patónio”, afirmou ao Jornal de Angola que: “Caso se conclua que o tiro foi efectuado por um militar, tendo em conta que não se tratou de uma acção isolada, a Justiça militar tem de responsabilizar o mandante da operação. Aqui estaríamos diante de um crime praticado por um militar contra um civil. Se assim for, o processo passa a ser da competência do tribunal comum. Contudo, daquilo que ouvimos presume-se que os militares agiram em legítima defesa.”

Esta afirmação sublinhada tem uma extrema gravidade, ainda mais sendo proferida por um juiz-presidente de um tribunal superior. O juiz não decide com base naquilo que ouve dizer. Decide com base num processo justo. Um juiz não presume factos, só presume a inocência dos acusados que lhe são presentes, quando lhe são presentes. Portanto, ao afirmar que, segundo o que ouviu dizer – a quem? –, conhece um processo que deveria estar em segredo, o juiz Patónio ou se limita a veicular uma informação jornalística ou está a intrometer-se num caso de modo parcial e contrário à Constituição e à Lei.

Nenhum juiz pode pronunciar-se em concreto sobre nenhum processo. Um juiz não pode dar opiniões em público. Só pode decidir com justiça, se alguma vez o processo estiver sob a sua alçada. Caso contrário, o juiz é o silêncio da lei. No silêncio da lei reside a liberdade. Se o juiz fala, está já a restringir a liberdade.

Neste caso concreto, a opinião por “ouvir dizer” do juiz é um indicador forte para os investigadores de uma predisposição judicial, por isso, naturalmente, irão envidar todos os esforços para promover a linha da legítima defesa. E o problema é que, mesmo que tivesse havido legítima defesa, já ninguém vai acreditar nela. Dirão sempre que foi o juiz Patónio que mandou ser assim.

Por tudo isto, este alto juiz prestou um péssimo serviço à justiça, à acusação e à defesa.

Todos sentirão o processo condicionado, e já ninguém acreditará na versão final.

Mais um infeliz disparate jurídico por parte de um general jurista, que demonstra estar preparado para as encomendas políticas e não para o direito. Mais uma ameaça clara à liberdade.

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