Preço da Gasolina: Mais Uma História de Corrupção?

Entre 2014 e 2016, o preço/litro da gasolina em Angola medido em euros (moeda não atingida pela inflação) aumentou, em termos reais, de € 0,40 para € 1,00.

O preço de 2014 era um valor baixo na tabela dos preços mundiais, equivalendo ao que se pratica nos Emirados Árabes Unidos ou na Nigéria. O preço actual já não o é, correspondendo ao nível da Índia, China ou Austrália.

A verdade é que em apenas dois anos o preço da gasolina mais do que duplicou.

A justificação oficial para estes aumentos é a de que se tem procurado cumprir as recomendações do FMI contidas no seu relatório sobre os combustíveis em Angola.

Como é habitual, esta justificação pretende escamotear parte da realidade e da verdade. O Relatório do FMI recomenda a redução dos subsídios ao preço dos combustíveis para aliviar o orçamento, ou seja, para reduzir a despesa pública, em tempos de queda das receitas do petróleo. O FMI também considera que a existência dos subsídios ao preço do petróleo promove a ineficiência da economia, além de impedir que o Estado invista em educação e saúde.

Assim, segundo o Relatório do FMI, o aumento dos preços dos combustíveis teria dois objectivos essenciais: diminuir a despesa pública como um todo e permitir o aumento da despesa em educação e saúde.

Na prática, nenhum destes objectivos foi alcançado (ou sequer tentado) através do aumento dos preços dos combustíveis e da eliminação gradual dos subsídios.

O problema essencial subjacente ao valor elevado dos subsídios e à presente subida abrupta dos preços dos combustíveis está nas margens fixadas para os importadores e distribuidores de combustíveis (o chamado sector downstream do petróleo).

O próprio FMI chama a atenção para o facto de as margens serem excessivas, por comparação internacional. São precisamente estas margens que contribuem para um elevado nível de subsídios. Diz o FMI:

“Para produtos refinados internamente, em vez do preço de mercado internacional, as autoridades usam um preço de referência que corresponde ao preço orçado para o petróleo bruto aumentado por uma margem de refinação fixada por decreto (12,5 por cento em 2014). O total das margens é de cerca de 43 Kwanzas (ou US $ 0,44) por litro, em média, em 2014, o que parece ser elevado para os padrões internacionais (Banco Mundial, 2005; FMI, 2013)." [sublinhado nosso].

As margens são, em termos simples, os lucros que as companhias que importam e distribuem petróleo obtêm. Isto quer dizer que, quando havia subsídios integrais, uma boa parte deles servia para sobrevalorizar as margens dos intermediários (em artigos anteriores no Maka Angola, vimos que esses intermediários são, essencialmente, uma associação entre o general Leopoldino Fragoso do Nascimento, companheiros palacianos e a multinacional Trafigura), para o seu lucro artificial. Assim, os lucros que obtinham não eram frutos da capacidade de negócios do general, mas do seu poder político e da capacidade de fixar administrativamente os preços acima dos valores de mercado.

Agora, provavelmente, uma boa parte do aumento do preço continua a servir para beneficiar as margens do general e seus amigos.

Portanto, estamos perante um problema de margens artificiais, de lucros artificiais. Só a concorrência efectiva poderá levar ao estabelecimento de preços de gasolina simultaneamente justos e eficientes. Na actual estrutura de mercado, estamos apenas a garantir lucros artificiais para os negócios do Palácio Presidencial. E quem paga é sempre o povo. Antes pagava através das receitas do Orçamento do Estado, agora paga através da compra de gasolina na bomba.

É esta opacidade do mercado em Angola que torna a economia pouco dinâmica e diversa e que levou o presidente a recusar a intervenção do FMI neste ano. Segundo várias fontes de Washington, o FMI queria executar um amplo programa de reformas que tinha dois objectivos: criar transparência nas contas públicas e liberalizar os mercados. Ora, isso seria a morte dos “artistas”.

Basta ler as declarações do representante do FMI em 14 de Junho de 2016 para compreender os objectivos definidos para Angola:

“Olhando para o futuro, é importante permitir que o sector privado lidere o crescimento económico. A promoção de um sector financeiro forte e de um ambiente propício para os negócios é, portanto, fundamental para incentivar a poupança e o investimento privados, que formarão a base para a diversificação económica. Também é fundamental melhorar a eficiência e a transparência das despesas públicas, uma vez que o sector público terá de fazer mais com menos recursos ".

Terão sido estes dois objectivos — mercado interno livre favorecendo a iniciativa privada, transparência e controlo dos gastos públicos — que assustaram José Eduardo dos Santos.

 

 

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