A Autocensura e a Liberdade de Expressão em Angola

Um cidadão que leia o Jornal de Angola verá um país com verdes prados e planaltos arborizados, com cascatas de água fresca que correm alegres por entre os montes.

Observe-se, a título de mero exemplo, a primeira página do dia 10 de Fevereiro de 2016. Aí se anuncia a construção de uma estação de tratamento de águas para Viana, a eleição para secretário-executivo da Conferência Internacional dos Grandes Lagos e, como pano de fundo, uma grande reportagem sobre o Carnaval. Tudo indica que vivemos num país feliz, sem problemas! Tudo está bem no melhor dos mundos possíveis.

No entanto, se olharmos para outro jornal, o Club-K – só disponível via internet -, os títulos são bem diferentes. Aqui fala-se da detenção de activistas dos direitos humanos, de interferências do ministro do Interior no poder judiciário, das obras que Isabel dos Santos ganha, das conspirações do procurador-geral da República contra o presidente.

Dois jornais, dois países diferentes. Mas não é bem assim. Se aprofundarmos a leitura do Jornal de Angola para lá das parangonas, veremos um dos dirigentes mais importantes do regime, Kundi Paihama, a apelar à denúncia pública de “comportamentos que visam fomentar a desobediência civil, pôr em causa a paz, a democracia e a unidade nacional”. Assim como vimos há uns tempos um familiar do presidente da República, Bento Kangamba, a defender o controlo da internet.

Estes dois porta-vozes da ditadura levantam o véu sobre a realidade. A realidade é que a população está muito descontente com o regime e que fervilha uma revolta geral, disseminada pelas redes digitais que o governo não consegue controlar. Enquanto os jornais praticam a autocensura e não publicam nada que afecte o regime, a internet está em polvorosa contra esse mesmo regime. A liberdade de expressão pratica-se na internet.

O regime pode comprar muitos jornais impressos, fechar todos os restantes, a filha do regime pode comprar a Forbes, Portugal pode ser comprado também, mas não é possível comprar os milhares de angolanos que todos os dias frequentam a rede e que falam de sua justiça, num ambiente cada vez mais explosivo. Daí que Kundi Paihama, utilizando velhos mantras comunistas, apele à denúncia pública dos desviacionistas. Mas sejamos claros: que paz, que democracia, que unidade nacional quer Paihama defender num país que, depois de anos a fio com crescimentos económicos superiores a 10% – uma autêntica estrela internacional -, no ano de 2015 ainda é considerado pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano da ONU) como 149.º em termos de desenvolvimento? Num país que se mantém, apesar de toda a riqueza, na cauda do mundo, com um desenvolvimento humano considerado pior do que o do Cambodja (também devastado por uma guerra), de Timor-Leste (também colonizado, devastado por uma guerra e por uma ocupação quase genocida) ou do Kiribati? Angola está menos desenvolvida que o Kiribati. A esperança média de vida ainda se situa nos 52 anos, e todos os demais rácios são desmotivadores.

Este é o problema que nenhuma censura pode iludir. Um país rico que fica permanentemente pobre. Kangamba bem pode mandar os estudantes estudar, mas quanto mais estudarem mais estes estudantes perceberão que têm de mudar o regime para libertar o potencial de Angola.

Esta é a grande luta que está a acontecer na internet: a nova libertação de Angola, agora contra os colonizadores internos.

 

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