Como o Governador do Kwanza-Sul Atropela a Lei com Impunidade

À Procuradoria-Geral da República                                                                                                                          Palácio da Justiça                                                                                                                            Luanda                                                                                                                                                       

Digníssimo Procurador-Geral da República                                                                                                           General João Maria Moreira de Sousa

 

Assunto: Participação criminal nos termos do artigo 32.º da Lei da Probidade Pública, Lei n.º 3/10, de 29 de Março.

Rafael Marques de Morais [dados de identificação pessoal omitidos] vem nos termos da Constituição (Art. 73.º, n.º 131 e 138) e da Lei da Probidade Pública (Art. 32.º, n.º 1, 2, a, b, c), apresentar ao Ministério Público uma participação respeitante a factos que revelarão improbidade por parte do Governador da Província do Kwanza-Sul General Eusébio de Brito Teixeira [dados de identificação pessoal omitidos] porquanto:


A 22 de Maio de 2014, o General Eusébio de Brito Teixeira, governador da província do Kwanza-Sul fez saber que despachou no processo n.º 80-KS/2014 a concessão do direito de superfície à Sociedade Eusébio de Brito Teixeira (EBRITE) e FILHOS, Lda., representada pelo General Eusébio de Brito Teixeira (ele próprio), de uma área de 2 hectares pertencentes ao Estado para construção de um condomínio residencial (Documento n.º 1).


Essa concessão de direito de superfície foi objecto de um contrato assinado a 22 de Maio de 2014 entre General Eusébio de Brito Teixeira, como governador, e o mesmo General Eusébio de Brito Teixeira, como representante da sociedade EBRITE E FILHOS, Lda.


A sociedade EBRITE E FILHOS, Lda foi fundada em 1998, pelo General Eusébio de Brito Teixeira e seus filhos. Este detém pelo menos 50% da sociedade e tem sido gerente da mesma, enquanto os seus filhos controlam a outra metade.


O valor do contrato foi de Kz 400,000 [US $4,395 ao câmbio de 2014], correspondentes a kz 20 por metro quadrado, a ser pago em cinco prestações anuais de Kz 80,000, sem qualquer actualização proveniente da inflação.


O terreno é rural, mas transformar-se-á em urbano.


No contrato consta uma única assinatura por duas vezes: a de Eusébio Brito Teixeira, como governador e como representante da empresa.


Igualmente, a 27 de Maio de 2014, é certificada a concessão de um direito de superfície de 4 hectares de um terreno rural para construção de residências (Documento n.º 2). A representar a sociedade EBRITE E FILHOS, Lda, surge o filho Carlos Teixeira. A representar o Estado, o pai, Governador Eusébio de Brito Teixeira.


Tanto quanto os participantes apuraram, existem mais situações similares de que se deixa aqui um esboço, solicitando nos termos do artigo 32.º da Lei da Probidade in fine a investigação da sua veracidade por parte do Ministério Público:

i) A 17 de Abril de 2014, a empresa Eusébio de Brito Teixeira e Filhos (EBRITE) solicitou ao governador Eusébio de Brito Teixeira a legalização de um terreno para loteamentos destinados à urbanização na orla marítima, na praia da Chicucula, comuna da Gangula, município do Sumbe. O terreno, com uma dimensão de 92 hectares, é ocupado por uma vasta comunidade, que será desalojada.

ii) Igualmente, o General Eusébio de Brito Teixeira requereu 48 847 m2 para a construção de um condomínio. O cadastramento dos terrenos foi feito com urgência e o processo ficou concluído a 22 de Abril. Na sequência dos trâmites burocráticos, a 4 de Maio de 2014 o General Eusébio de Brito Teixeira escreveu “a Sua Ex.ª Senhor Governador Provincial do Cuanza Sul”, ou seja, a si mesmo. No requerimento, o general afirmou que: “Desejando legalizar uma parcela de terra com 48 847 m2 para construção de um condomínio na área dos Ex-Carvalhos [Gangula], na cidade do Sumbe vem mui respeitosamente requerer a Sua Ex.ª Senhor Governador que se digne mandar passar a referida autorização”. Passado um mês, a 6 de Junho, o administrador municipal do Sumbe, Américo Alves Sardinha, remeteu ao governador provincial o ofício 252/06.06.09/2014, com cópia para o General Eusébio de Brito Teixeira, ou seja, outra vez o governador provincial. Tratava-se do parecer favorável das entidades locais para que o governador Eusébio de Brito Teixeira pudesse, finalmente, conceder a autorização de legalização do terreno que ele próprio solicitou. O referido terreno situa-se junto à Estrada Nacional 100 e ao futuro Campus Universitário, e está ligado ao projecto de construção habitacional da nova centralidade.


Todos estes factos apontam para um comportamento impróprio e ilegal por parte do Governador do Kwanza-Sul, General Eusébio de Brito Teixeira.

10º
A função de Governador Provincial corresponde ao exercício de uma função pública como órgão titular singular da Administração Local do Estado (artigo 8.º, n.º 1 e 3 do Decreto­Lei n.º 2/07, de 3 de Janeiro). Nestes termos, enquadra-se na definição de agente público contida na já mencionada Lei da Probidade Pública (cfr. artigo 15.º, n.º 2, e).

11º
Estabelecido que o Governador Provincial é um agente público, é fácil perceber que tem forçosamente de obedecer ao Princípio da Legalidade, tal como expresso na Constituição. Isto é, a lei é o fundamento e limite da sua actuação.

12º
No presente caso, existem duas leis aplicáveis à actuação de Eusébio de Brito Teixeira. O Decreto-lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro, que estabelece as normas do procedimento da actividade administrativa e a citada Lei da Probidade Pública.

13º
Deriva de ambos os normativos que o governador está impedido de intervir em procedimento administrativo ou em actos de contrato da Administração Pública quando nele tenha interesse, por si, ou como representante de outra pessoa (Cfr. por exemplo: artigo 19.º do DL n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro), e também quando seus familiares directos tenham interesses.

14º
Já variadas normas da Lei da Probidade impedem que um Governador requeira a si mesmo a disposição de bens do Estado e despache esse requerimento. Veja-se a disposição do artigo 28.º,n.º1 a) que o proíbe de “intervir na preparação, na decisão e na execução dos actos e contratos” sobre os quais tenha interesse directo ou que favoreçam a cônjuge, os filhos ou outros familiares directos (idem, b). Refira-se também que a Lei da Probidade considera ainda como acto de enriquecimento ilícito a integração ilegal de bem patrimonial público, neste caso, terras, para a propriedade privada do governador (Art. 25.º, j).

15º
Neste caso, temos então um Governador que se atribui por um valor irrisório terras rurais do Estado, para as transformar em prédios urbanos de construção.

16º
Há aqui três factos que denotam actos de Eusébio de Brito Teixeira com gravidade muito relevante:
i) A atribuição de terras sem poderes para isso, uma vez que está impedido por lei;
ii) A atribuição de um valor diminuto a essas terras, certamente inferior ao seu valor comercial como terras urbanizáveis;
iii) A possibilidade prática de urbanizar terras rurais.

Todos estes factos, comprovados documentalmente, corresponderão ao tipo criminal Prevaricação, previsto e punido pelo artigo 33.º da Lei da Probidade, e ao tipo criminal Abuso de Poder, previsto e punido pelo artigo 39.º da Lei da Probidade.
Nestes termos, são os mesmos factos participados ao Ministério Público para a instauração do ulterior processo criminal.
   
Junta: Os dois documentos mencionados

 

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