Ferramentas para Destruir o Ditador: Um Manual Pacífico
“A verdadeira democracia só pode nascer da não-violência.” É assim que começa o manual de filosofia política de Domingos da Cruz, cuja leitura deu origem à detenção dos 15 presos políticos.
A filosofia é, essencialmente, uma reflexão da razão, e propõe o domínio da força pela razão. Em A Paz Perpétua, Kant afirmava que “a razão […] condena absolutamente a guerra enquanto procedimento de direito, e, pelo contrário, faz do estado de paz um dever imediato”.
É verdade que Karl Marx tentou transformar a filosofia em acção, e que Lenine, em Que Fazer?, elaborou um manual prático de filosofia revolucionária, que culminaria numa actuação violenta e sanguinária. Ora, Marx e Lenine inspiraram o MPLA, mas não inspiraram o manual de Domingos da Cruz, que se aproxima mais dos ideais kantianos, da mudança através da razão, ou dos ideais da esquerda utópica do século XIX.
A guerra civil e a guerra convencional são repudiadas, e todas as esperanças são depositadas na desobediência civil. A desobediência civil é a recusa de obedecer a leis injustas, e tem fortes raízes no pensamento da liberdade, de Henry David Thoreau a Gandhi. Mas é na Antiguidade Clássica, mais precisamente na figura de Antígona, que podemos encontrar o repositório civilizacional das ideias de Domingos da Cruz.
Antígona, uma das filhas do antigo rei de Tebas, Édipo, desafia Creon, o actual rei de Tebas, quando esta tenta impedi-la de conceder ao seu irmão Polinices um enterro apropriado. Num discurso agitado, afirma que acima de tudo deve obedecer à sua própria consciência e não às leis humanas. Antígona tem mais medo de ferir a sua consciência do que da morte. A princesa grega torna-se, assim, o símbolo da consciência livre.
É nesta tradição de consciência livre que se coloca o manual de Domingos da Cruz, que aliás afirma expressamente “um golpe de Estado representa retrocesso civilizacional e viabilizaria o nascimento de nova ditadura militar”.
Como se explica, então, que a leitura do manual “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura: Filosofia Política da Libertação para Angola” sirva de fundamento para a acusação de rebelião, golpe de Estado e atentado ao presidente, levantada contra Domingos da Cruz e os outros 16 jovens? É que o manual pugna exactamente pelo contrário. Por uma actuação civil e livre assente em “ataques pacíficos e sistemáticos”. Sim, os ataques pacíficos envolvem queimar pneus na ruas, mas não envolvem lançar os pneus a arder para lado algum. A queima de pneus é um acto de desafio simbólico.
Aliás, o manuscrito propõe uma “sociedade aberta” no sentido de Karl Popper, em que se espera que o governo seja tolerante e dialogante, e os mecanismos políticos transparentes e flexíveis.
O manual é um convite à liberdade de consciência, à liberdade de pensamento, à liberdade de expressão, todas as liberdades formalmente garantidas pela Constituição Angolana. É um convite à transição de liderança. Será que isso não é lícito?
Não pode um pensador angolano querer um regime diferente através da não-violência? É aqui que a acusação apresentada em tribunal não consegue entroncar com o livro. A acusação montou uma história de preparação revolucionária que se insinua violenta; no livro, o que se pretende é uma revolução de mentalidades. Na acusação, fala-se em caos, instabilidade, rebelião; no livro fala-se em consciência, resistência passiva.
Naturalmente, a “Filosofia Política da Libertação de Angola” não é um catecismo religioso. É um manual teórico e prático para alcançar a liberdade.
Por que razão agiram assim as autoridades, desta maneira irracional e inteiramente desadequada aos factos? A realidade é que as autoridades precisam de encontrar um inimigo interno que recicle as frustrações da população, gravemente atingida pela crise económica e financeira criada pela gestão incompetente do poder. O que surge agora é uma velha técnica de sobrevivência política: face a dificuldades, criam-se colunas de fumo e inimigos para desviar a atenção das pessoas, enquanto se espera que a crise abrande. São criados os Inimigos do Povo – Ennemies do Peuple, para concentrar ódios e serenar contestações. Foi com esta expressão que Robespierre procurou legitimar o Terror na Revolução Francesa, assim como Lenine procurou legitimar as mortes e detenções dos opositores do regime com a figura do vrag naroda. Só que semelhante táctica não resultará desta vez.
A mudança em Angola é inescapável.
O Maka Angola disponibiliza desde já o manual de Domingos da Cruz, para que o público leitor entenda melhor quão ridículas são as acusações e a actuação do poder judicial angolano. Os magistrados do Ministério Público e do Tribunal Provincial de Luanda prestam-se a legalizar a invenção de tramas políticas e a prender cidadãos pacíficos para protegerem o poder corrupto e ditatorial de José Eduardo dos Santos.
Descarregue e leia aqui as “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura: Filosofia Política da Libertação para Angola”.