Carta Aberta: A Procuradoria-Geral da República e a Chantagem

 

Da cama do hospital, escrevo-lhe como cidadã deste país perseguida há anos pelo Ministério Público que V. Ex.ª dirige.
Em 2013, como primogénita e cabeça-de-casal, fui vítima de denúncias caluniosas, por parte de algumas senhoras que tiveram filhos com o meu pai – Valentim Amões, o malogrado empresário e membro do Comité Central do MPLA – e de um dos meus tios paternos, que desencadearam vários processos contra mim por causa da herança deixada pelo meu pai.

As referidas acusações foram o escudo para que a PGR, sem quaisquer fundamentos, decidisse precipitadamente constituir-me arguida, sujeita às seguintes restrições ilegais da minha liberdade: (i) termo de identidade e residência; (ii) interdição de saída do local de residência, sem autorização prévia, para o exterior do país ou para fora Luanda; (iii) apresentação quinzenal na instituição, agora acrescida de (iv) apreensão do passaporte. Estou nestas condições praticamente há dois anos, sem qualquer acusação formada.

Neste quadro de gritante abuso de poder, encontrando-me eu em estado de gestação, fui interrogada duas vezes durante 14 horas, respectivamente aos 3 e aos 7 meses de gravidez. Para impedirem que eu saísse do país, fui obrigada a submeter-me a peritagem médica na Maternidade Lucrécia Paim num momento em que não era aconselhável submeter o nascituro aos referidos exames, tendo o instrutor do processo exigido assistir aos referidos exames. Ademais, a PGR caluniou-me junto de todas as instituições bancárias, ordenando o bloqueio de todas as contas das empresas do G.V.A., para que eu não continuasse a “desviar dinheiro da herança” sem apresentar uma só prova. Posteriormente, estando eu novamente em estado de gestação, solicitei autorização para me deslocar à África do Sul, para efeito de consultas médicas. A DNIAP autorizou a 17 de Junho, quarta-feira, por despacho com o ofício n.º 000593/15; no entanto, sem qualquer aviso prévio, três dias depois, um sábado, o mesmo despacho foi revogado. Consequentemente, quando me dirigi ao aeroporto com o meu filho e o meu esposo, fui humilhada e detida, entre outras crueldades.

Digníssimo Procurador-Geral:

Quando é investigada, caso existam motivos para o efeito, essa pessoa deve ser acusada e julgada em tempo útil – isto é um princípio básico da humanidade. Não é preciso invocar a Declaração Universal dos Direitos do Homem ou a Constituição angolana para perceber isto.

Não lhe escrevo para me absolver ou para me condenar, nem V. Ex.ª pode fazer isso. Escrevo-lhe para lhe dizer que basta.
Desde Janeiro de 2014 que estou a ser investigada, perseguida, coagida, impedida de levar a minha vida avante. Dizem que há vários processos contra mim.

Muito bem, que existam processos. A questão é que não acontece nada. Não sou acusada, não sou ilibada, mas já cumpro uma pena há dois anos, sem poder ter uma vida digna e livre.

Hoje sou uma cidadã adiada, impedida de exercer os meus direitos, mas não me dizem porquê. Qualquer jurista que opine sobre este processo fica arrepiado diante de tanta ilegalidade vinda de uma instituição cuja missão constitucional é, justamente, defender a legalidade.

O provedor de Justiça, entre outras entidades, é frequentemente questionado quanto aos motivos que levam a PGR a violar de forma tão expressa e clara os meus direitos. Contudo, o Ministério Público simplesmente remete-se ao silêncio, assim aplaudindo a injustiça!

O meu tio, um dos queixosos, abordou a minha mãe, dizendo que o MP encerraria o processo contra mim caso ela desistisse de receber metade da herança do meu pai. E eu pergunto: o MP é um instrumento para chantagear  cidadãos? A Justiça está nas mãos de interesses privados? Não quero acreditar nisto. Quero justiça para mim. Quero poder defender-me.

Angola é um país em que cada uma de seis crianças não passa da adolescência, e em que a mortalidade infantil abunda. E V. Ex.ª não permitiu que eu tivesse acesso aos cuidados médicos adequados para o meu parto de risco.

Denuncio, nesta missiva, a submissão da actuação da PGR a interesses que não são os da legalidade e da democracia neste processo.

Denuncio, nesta missiva, a violação inquestionável dos meus direitos mais elementares por parte da PGR do meu próprio país.

Denuncio, nesta missiva, a ausência de legalidade e de justiça num processo que viola reiteradamente os meus direitos.
Digníssimo procurador-geral general João Maria de Sousa, estou muito agastada, cumprindo na prática uma dura pena, mas sem acusação, sem crime, sem julgamento. Apenas sei que a única regra que norteia a conduta da Procuradoria-Geral da República neste processo é a da ilegalidade! Solicito-lhe, por tudo isto, que cumpra a lei e que corrija o caminho da injustiça.

Nunca é tarde!

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