Arão Tempo e a Invenção do Crime de Rebelião

Arão Bula Tempo, presidente do Conselho Provincial de Cabinda da Ordem dos Advogados de Angola, foi formalmente acusado dos crimes de rebelião e tentativa de “colaboração com cidadãos estrangeiros, no sentido de condicionar o Estado angolano”. Pode vir a incorrer numa pena máxima de cinco anos de prisão por ter "convidado" jornalistas congoleses, e mais 12 anos por "rebelião". A defesa foi informada das acusações a 22 de Outubro.

Arão Tempo foi posto em liberdade condicional em Maio, depois de ter passado dois meses na prisão. Tinha sido detido a 14 de Março juntamente com o seu cliente Manuel Biongo, empresário e igualmente acusado de tentativa de colaboração com cidadãos estrangeiros. Biongo poderá ter de enfrentar uma pena de cinco anos de prisão.

O procurador do Ministério Público, António Nito, acusou ambos de terem convidado jornalistas da República do Congo para cobrirem um protesto contra violações dos direitos humanos e má governação no enclave. O protesto estava marcado para o dia 14 de Março, mas foi proibido pelas autoridades e não aconteceu.

O activista dos direitos humanos José Marcos Mavungo, que organizou o protesto, foi detido e preso no mesmo dia, quando saía da missa. A 14 de Setembro foi condenado a seis anos de prisão pelo juiz Jeremias Sofrera, num julgamento amplamente considerado injusto por observadores e peritos. De entre vários, o aspecto mais gritante deste julgamento é o facto de a testemunha central ter negado as afirmações da acusação que o procurador apresentou a juízo.

Mavungo foi considerado prisioneiro de consciência pela Amnistia Internacional.

As acusações lançadas sobre Arão Tempo e Manuel Biongo são descabidas e única e exclusivamente fundadas na vontade deliberada e reiterada do governo angolano de negar os direitos fundamentais de liberdade de expressão e reunião pacífica. As acusações em causa encaixam-se naquele que é já um comportamento padrão das autoridades, que utilizam todos os métodos possíveis para intimidar ou encarcerar aqueles que são considerados adversários potenciais ou efectivos do regime.

Não é de contornar a lei que aqui falamos; as autoridades angolanas têm vindo a atropelar a lei sistematicamente, e uma série de cidadãos desafortunados pagam por isso. Organizar e levar a cabo protestos pacíficos é um direito salvaguardado pela Constituição Angolana, assim como o é convidar jornalistas – nacionais ou estrangeiros – para cobrir todo e qualquer evento público. As duas maiores forças políticas em Angola, o MPLA e a UNITA, bem como outras organizações, fazem-no amiúde, para a cobertura dos seus eventos. No entanto, ainda que Tempo e os seus colegas tivessem convidado jornalistas da República do Congo, estes teriam de obter visa, o que possivelmente lhes seria negado pelas autoridades.

A obsessão em manipular o sistema judicial a qualquer preço, com vista a reprimir vozes dissidentes, redundou, neste caso, numa reviravolta kafkiana: Arão Tempo, por exemplo, é falsamente acusado de dois crimes contra a segurança do estado. Em primeiro lugar, acusam-no de ter convidado jornalistas estrangeiros, os quais nunca apareceram, para cobrir um protesto, o qual não aconteceu. Em segundo lugar, acusam-no de estar associado ao organizador do protesto, o qual nessa mesma altura já se encontrava preso, acusado de rebelião.

A acusação alega que, ao convidar jornalistas estrangeiros para cobrirem um protesto que, caso não houvesse sido banido, teria “previsivelmente” levado a confrontos violentos com a polícia e a um banho de sangue, o acusado “tentou a todo o custo colaborar com cidadãos estrangeiros no sentido de coagir o estado a submeter-se a interferências externas”.

O espírito da lei vai no sentido de que um cidadão deve ser presente a juízo para responder por acusações válidas para além de qualquer dúvida razoável. Suposições vagas e generalizações são peremptoriamente descartadas; os procuradores terão sempre de se basear em evidências concretas.

No julgamento de Mavungo, a acusação produziu e apresentou elementos que não puderam ser associados ao acusado – ou a qualquer outra instituição. Quanto ao caso de Tempo – que jornalistas são estes a que se refere a acusação, e que indícios existem de que estariam mal-intencionados? E quais seriam as intenções deste país não identificado que estaria a tentar intervir nos assuntos internos do estado angolano?

Como prova da acusação de rebelião que pende sobre Arão Tempo, o procurador cita mensagens de texto sobre o protesto, que Arão Tempo teria trocado com Mavungo. O activista é referido como o “mentor do protesto de incitação à violência e rebelião”. As mensagens de texto encontradas no telemóvel confiscado de Mavungo são interpretadas como prova de alegada “incitação à guerra civil e à rebelião”.

O único “crime” de Arão Tempo é a sua convicção de que defender e promover os direitos humanos é obrigação ética e dever profissional de um advogado.

Desde que foi colocado em liberdade condicional, as autoridades judiciais têm negado repetidamente os seus pedidos para sair do enclave de Cabinda, para participar numa conferência sobre direitos humanos em Benguela, para se deslocar em viagens de trabalho ou para receber tratamentos médicos de sua preferência. Devido ao constante assédio e ameaças de agentes de segurança de que tem sido alvo desde Maio, Tempo receia não estar seguro em hospitais públicos.

A 9 de Outubro, Arão Tempo sofreu um AVC que o deixou com uma paralisia parcial da face e dificuldades no discurso. No dia seguinte requereu autorização do tribunal para deixar o enclave para receber tratamento médico urgente. O pedido foi-lhe negado por oficiais de justiça com a justificação de que o presidente do tribunal de Cabinda se encontrava ausente, em férias.

Este é mais um exemplo da crescente frieza do regime angolano. Também a Mavungo têm sido repetidamente negados cuidados médicos de qualidade. Muitos outros presos políticos, por todo o país, têm sido vítimas do mesmo.

Os casos de Arão Tempo e Manuel Biongo elevam para vinte o número de activistas dos direitos humanos e outros falsamente acusados de crimes contra a segurança do estado apenas neste ano. Os procedimentos criminais contra Tempo e Biongo vêm confirmar a preocupante tendência das autoridades judiciais reprimirem as dissidências pacíficas no país com sucessivos abusos de poder.

O mais lamentável é que o mau uso do poderjudicial está a comprometer seriamente a credibilidade das instituições centrais do país. Não há maior evidência de que um sistema judicial é pouco fiável do que a prática de deter cidadãos inocentes com base em evidências que não sobrevivem a um escrutínio sério.

 

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