Governo Lucra mais com Cervejas e Desculpa-se com o Petróleo
O executivo do presidente José Eduardo dos Santos tem gerido com extraordinária serenidade e bastante habilidade a comunicação sobre a crise económica que o país atravessa. A isso se junta a extrema serenidade presidencial e a sua indisputável competência na manutenção do seu poder pessoal.
No entanto, a falta de responsabilidade política, civil e criminal pela gestão da coisa pública ameaça consumir, de forma irreversível, a capacidade de manipulação da realidade, desenvolvida ao longo de 40 anos no laboratório de governação do MPLA.
A crise que o governo atribui à queda do preço do petróleo tem servido para mascarar uma realidade caótica muito mais profunda e antiga, precedendo em muito as razões ora anunciadas pelos governantes. O Tribunal de Contas oferece algumas pistas aterradoras.
Segundo dados revelados pelo Tribunal de Contas, o Estado obteve, em 2013, dividendos na ordem dos 95.4 milhões de kwanzas (US $954 mil) pela participação directa num universo de 37 empresas. A lista causa incredulidade. O Estado, à parte a empresa petrolífera Sonangol, lucrou apenas com a venda de cervejas através da sua participação em três cervejeiras. Desse modo, o executivo de José Eduardo dos Santos foi buscar 67.9 milhões de kwanzas à Cuca, mais 23.5 milhões à N’gola e, finalmente, quatro milhões de kwanzas à Eka. O Estado detém apenas um por cento do capital social da Cuca e N’gola, e quatro por cento na Eka.
O Banco de Poupança e Crédito (BPC) não apresentou quaisquer dividendos a favor do Estado, que é o principal acionista com 99 porcento das quotas. Também não o fez o Banco de Comércio e Indústria (BCI), detido em 91 por cento pelo Estado.
Agricultura, Inércia e Investimentos no Estrangeiro
Escândalo maior é a empresa Gesterras S.A, detida pelo Estado em 99 porcento, para investimentos no sector da agricultura. Em 2011, esta empresa tinha “dezoito projectos agrícolas, avaliados em 800 milhões de dólares” em curso em seis províncias províncias, nomeadamente Benguela, Bié, Cunene, Kuando Kubango, Malanje, Moxico, Uíge e Zaire.
Na altura, o presidente do Conselho de Administração da Gesterras, Carlos Alberto Jaime, disse à Angop que "hoje somos [Gesterra] uma das empresas com maior volume de produção agrícola no país, devido a cifra que atingimos”.
Ademais, todos os anos, a Gesterra, segundo declarações da sua direcção em 2012, gasta US $60 milhões na reposição de maquinaria porque “se está apostar numa produção em larga escala e em função disso temos de empregar as tecnologias mais avançadas que existem no mercado mundial”. Mas esta empresa não dá dividendos ao Estado.
A serenidade com que o executivo remete a Conta Geral do Estado referente ao exercício fiscal de 2013, ao Tribunal de Contas, revela inaudito sangue frio do presidente e chefe do governo José Eduardo dos Santos. ?
O executivo apresenta uma tabela de 11 multinacionais nas quais o Estado angolano tem participações. No ramo petrolífero investiu na Chevron Texaco Corporation, a ExxonMobil Corporation, a British Petroleum, a Royal Dutch Petrol e a Andarko Petroleum. Tem ainda investimentos numa das maiores empresas farmacêuticas do mundo, a Abbot Laboratories, assim como num dos maiores fabricantes de produtos químicos, a Dow Chemical Company.
O executivo anuncia, então, os dividendos colectados junto das 11 multinacionais nas quais investiu e que “para o exercício de 2013 resultou no valor de Kz 11 milhões”. Segundo o governo, “o equivalente deste valor em USD, estão depositados em contas no exterior”. Ora, em 2013, 11 milhões de kwanzas equivaliam a perto de 110 mil dólares. Assim, o Estado ganhou mais com as cervejas do que com os seus investimentos no exterior do país. O valor arrecadado no exterior não serve sequer para pagar uma viatura Lexus LX 570, que a Assembleia Nacional distribuiu a cada um dos 220 deputados, os representantes do povo.
O Tribunal de Contas anotou a extraordinária inércia do executivo no que toca a contabilizar os dividendos a que o Estado tem direito. Por isso, recomenda que o executivo envide “esforços no sentido de cobrar regularmente os dividendos devidos ao Estado referentes à sua participação nas empresas do sector empresarial público que apresentarem resultados positivos”.
Das participações indirectas do Estado em 220 empresas, o Tribunal de Contas esclarece que os documentos remetidos pelo ISEP [Instituto para o Sector Empresarial Público] não permitiram analisar os dividendos recebidos através das participações indirectas do Estado, “uma vez que não foi prestada nenhuma informação relativamente aos mesmos”. O ISEP é o órgão do Estado que acompanha as empresas públicas e as participações do Estado no sector privado.
Entre dividendos e privatizações, o ISEP revelou ao TC a variação negativa em 87.5 por cento na arrecadação de receitas em 2013, comparado com os 743.9 milhões obtidos em 2012 (US $7.4 milhões).
Entretanto, este mesmo governo – que demonstra tamanha negligência na aplicação de fundos de Estado no sector empresarial – gastou, em 2013, perto de US $55 milhões na aquisição de transportes, inundando as ruas esburacadas de Luanda com viaturas de luxo. Esse valor serviu para a aquisição de 6,209 viaturas ao preço médio de US $88.4 mil cada. Por isso, hoje os generais e comissários da Polícia Nacional, mesmo os que vivem nos musseques, podem desfilar garbosamente pelas estradas do país em viaturas que custam acima de US $100 mil. E depois vem o slogan do MPLA: “Crescer mais para distribuir melhor”, apregoando a ilusão de que todos comem da mesma panela e de forma igualitária.
Como podemos seriamente falar na crise do petróleo e na diversificação da economia, se o governo não consegue prestar contas nem obter lucros com os investimentos que tem feito no sector empresarial?
No ano passado, as receitas da Sonangol, a maior empresa pública, caíram para US $750 milhões, registando uma quebra de 77 por cento. Já nos esquecemos da política de diversificação do tempo do actual vice-presidente da República Manuel Vicente, como presidente do Conselho de Administração da Sonangol, que levou esta empresa a investir em vários domínios em Angola e a expandir-se em negócios bancários em Portugal, para além de negócios imobiliários, de aviação e outros na Ásia, na América do Sul e nos Estados Unidos, por via da China-Sonangol. Manuel Vicente dizia que “não podemos meter todos os ovos no mesmo cesto”. Então, já não sabem por onde espalharam os ovos ou estes partiram-se todos? Lá se vê que só mesmo a Isabel dos Santos, a nossa bilionária, entende de ovos. Os governantes entendem mais de cervejas.
O Instituto da Insegurança
Então, crescemos como para além do petróleo? Com a arrecadação de impostos? Muito bem. A título de exemplo, o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), para onde são canalizados os impostos sobre rendimento de trabalho, realizou, em 2013, contratos no valor de US $190 milhões, sem o consentimento prévio do Tribunal de Contas, como exige a lei. Desse valor, US $50 milhões são para a construção do seu próprio edifício.
Os fiscais do TC notaram ainda que o INSS realizou contratos de construção de 17 pavilhões ocupacionais, no valor de US $18.2 milhões, nas províncias do Bengo, Benguela, Cabinda, Malanje, Luanda e Lunda-Sul. As obras foram concluídas mas “não constam do inventário patrimonial da entidade”, constata o TC.
Esses são os fundos dos contribuintes, destinados às pensões. Não há um sector público que escape ao frenesim do saque.
Em 2012, recomendou-se que as contas do Instituto fossem submetidas à avaliação de auditores independentes, mas sem efeito.
Que o país está a saque e à deriva, sabemo-lo bem. Que os angolanos continuam a portar-se como carneiros, seguindo o líder José Eduardo dos Santos em direcção ao precipício, também o sabemos bem. O que parecemos não saber bem é que não somos carneiros, mas sim angolanos com responsabilidades de cidadania, por cada um de nós, pelo governo e pelo rumo do país. Somos idiotas.