Racismo e Más Condições Laborais na Multichoice Angola

Os trabalhadores da Multichoice Angola Divisão (MAD) acusam a direcção de racismo e alegam existir maus tratos e péssimas condições de trabalho. Por seu turno, David Russell, director-geral da MAD, nega as acusações.
 

São cerca de 300 os trabalhadores de nacionalidade angolana que se queixam de maus tratos e falta de condições laborais por parte da distribuidora de televisão por satélite que opera no país há já 15 anos. Segundo vários testemunhos, os actos de racismo são praticados não só por colaboradores directos de David Russell, como também pelo próprio director.
 

“Em alguns momentos, já ouvimos o director afirmar que se pudesse colocaria todos os trabalhadores angolanos a limpar o posto de trabalho no final do expediente”, denunciaram.
 

Outro acto que denota racismo por parte de David Russell, na opinião dos queixosos, é o facto de este ter preenchido os cargos de direcção maioritariamente com trabalhadores estrangeiros, dos quais se destacam os seus concidadãos portugueses.
 

“Aqui tens de ser português ou mestiço para ser chefe. Uma das formas que o director tem usado é criando um clima de intimidação, fazendo com que a vida dos trabalhadores esteja mais complicada”, disse um dos trabalhadores, sob anonimato, pois teme represálias. 
 

Um outro trabalhador lembrou ter ouvido David Russell, em referência ao despedimento de dois directores angolanos, dizer: “Eu já não quero esses pretos aqui. Tenho de trazer o meu pessoal, que vai ganhar menos e fazer melhor trabalho”, quando a realidade é que os substitutos de nacionalidade portuguesa ganham o mesmo que os demitidos, segundo frisou o descontente.
 

Em resposta à acusação de racismo, David Russell começou por afirmar que “há na empresa uma política clara contra qualquer prática deste tipo”, acrescentando que “existe um processo instituído e gerido por uma empresa externa independente que investiga qualquer acusação”, não apenas de racismo.
 

“As investigações vão até às últimas consequências, já que tal prática é ilegal, além de eticamente incorrecta. E vai directamente contra as normas internas da empresa e da Divisão [da Multichoice] em Angola”, garantiu Russell.
 

Prosseguindo, o director-geral informou que a empresa “dá formação específica de como qualquer colaborador pode contactar directamente essa entidade independente”, garantindo ainda que “todos os funcionários têm esse contacto”.
 

Os trabalhadores mostraram-se perplexos ao saberem dessa explicação: “Nunca fomos informados sobre método algum para denunciar essas práticas, até porque isso não é do interesse da empresa.”
 

Segundo David Russell, até à presente data nunca houve qualquer situação comprovada de actos de racismo na empresa.
 

MISÉRIA DE SALÁRIO
 

O salário base na Multichoice Angola é inferior ao prémio de produtividade. O valor mensal a que os trabalhadores podem ambicionar é de 30 por cento de salário base, a que pode acrescer 70 por cento de prémio de produtividade.
 

Visando alterar esse quadro, os trabalhadores da MAD, representados pela Comissão dos Trabalhadores local, enviaram uma proposta à direcção da empresa solicitando a inversão deste sistema. A sugestão foi aceite.
 

“O processo tem sido ajustado há vários anos e será ajustado totalmente. Este pedido da nossa Comissão de Trabalhadores será, portanto, atendido. De resto, como é do conhecimento dos seus responsáveis”, argumentou David.
 

Para os trabalhadores angolanos, segundo a comissão que os representa, o salário mínimo na Multichoice Angola é de 15 mil kwanzas (US $150, enquanto o máximo ronda os 150 mil kwanzas (US $1500). De acordo com a referida comissão, os expatriados, sobretudo portugueses, auferem salários mensais mínimos de US $5,000 (transferidos para o exterior), mais ajuda de custos mensais no valor de 200,000 kwanzas (US $2,000). O salário máximo de um expatriado ronda os US $15,000 (depositados no exterior), mais 500,000 kwanzas (US $5,000) de ajuda de custos mensais.
 

“A nossa Divisão paga todos os encargos sobre o valor do salário total e não sobre o salário base, ou seja, segurança social, subsídio de férias, subsídio de Natal são todos pagos com base no salário total”, justificou Russell.

FALTA DE QUALIFICADOR PROFISSIONAL E DE FORMAÇÃO

A inexistência de um mapa onde se especifiquem as categorias profissionais da empresa tem sido, na opinião de muitos trabalhadores da Multichoice, motivo para constantes violações da Lei Geral do Trabalho e factor de oportunismo por parte da direcção, que insere na empresa pessoas de conveniência, criando inclusive cargos para as acomodar.

 

Quando tais postos são criados, ou na necessidade de se preencher um cargo, não tem existido transparência no processo de recrutamento, acusaram.
 

Confrontado com tais acusações, David Russell defendeu-se dizendo: “A Multichoice é uma Divisão da Jembas Assistência Técnica, que, enquanto empresa autónoma, tem um qualificador profissional, tal como a lei angolana exige. Mas como o nosso objectivo, enquanto Divisão, é melhorar continuamente os nossos processos e procedimentos para com todos os trabalhadores que connosco colaboram, contratámos uma empresa de consultoria que está a detalhar melhor as actividades profissionais e a melhorar a descrição de funções existentes na mesma”, tendo em seguida garantido que “este trabalho estará concluído em breve”.
 

Os descontentes acusam ainda a MAD de pouco ou nada investir na formação profissional dos trabalhadores angolanos, ao contrário dos estrangeiros. 
 

A título de exemplo, um dos empregados contou que em 2013 a direcção empregou uma jovem de nacionalidade portuguesa, que logo na segunda semana de trabalho “foi agraciada” com o pagamento de uma formação. “É só para ver como estamos a ser tratados. Enquanto nós, que estamos aqui há mais de dois anos, nunca tivemos nenhuma formação sequer”, desabafou.
 

Em resposta, Russell declarou: “Qualquer colaborador da Divisão [da Multichoice] para as áreas operacionais e de serviço ao cliente, seja na sede ou numa loja, assim como todos os nossos agentes, são formados e recebem formações complementares no mínimo anualmente.”
 

Conforme dados fornecidos pelo director-geral, dois por cento do valor anual arrecadado pela empresa é implementado no programa de formação dos quadros internos. O mesmo asseverou ainda que “as formações adicionais são requisitadas nas avaliações formais efectuadas trimestralmente entre cada colaborador e o seu superior hierárquico directo”.
 

Relativamente ao processo de recrutamento, tanto interno como externo, Russell disse que “sempre que há uma vaga nova há uma informação a todos os nossos colaboradores internos para poderem, obviamente, candidatar-se ao lugar em aberto. Caso não tenhamos as competências exigidas internamente, então procuramos opções externas via anúncios e empresas de recrutamento profissionais”.
 

David Russell reconheceu existirem falhas na informação dada aos trabalhadores sobre as disponibilidades dos cargos, mas atribuiu a responsabilidade à Comissão de Trabalhadores, uma vez que esta, meses depois de lhe ter sido solicitada uma proposta para melhorar este processo, não forneceu resposta.
 

“Já solicitámos à Comissão de Trabalhadores – de há vários meses a esta parte – sugestões práticas de como melhorar este processo, porém não tivemos qualquer resposta até ao momento”, lamentou.

ABUSO DE PODER

Há relatos de que David Russell, em algumas ocasiões, “servindo-se da arrogância que o caracteriza”, tem ordenado a trabalhadores da MAD que realizem serviços domésticos na sua residência.

 

“Houve caso em que o director-geral usou os rapazes que fazem limpeza para irem trabalhar na sua casa, transportando mobílias. O mesmo tem acontecido com os motoristas da empresa, que são usados para apoiar os familiares dos directores, apesar de os directores já terem carros próprios oferecidos pela empresa”, atestaram os trabalhadores.
 

Ao tomar conhecimento destas acusações, Russell reiterou que “qualquer colaborador, desde que possa apresentar provas inequívocas, pode efectuar a denúncia na empresa independente junto da Jembas e da Divisão Multichoice”, acrescentando: “Este aspecto não corresponde de forma nenhuma à verdade.”

GREVE À VISTA

Impacientes com a falta de respostas eficazes às reclamações apresentadas pelos trabalhadores, a Comissão de Trabalhadores da MAD convocou uma greve para hoje, 4 de Agosto.

 

Em cumprimento da lei, a Comissão deu entrada de um caderno reivindicativo no dia 21 de Maio do ano em curso, onde constam as exigências dos empregados.
 

No entanto, fonte próxima da Comissão lamentou a “falta de sensibilidade” por parte da direcção, uma vez que as mesmas queixas já foram expostas à direcção da empresa por mais de oito vezes, ao longo de dois anos.
 

“As negociações são antigas. Quando começámos ainda estávamos instalados no Cassenda, e éramos dirigidos por Francisco Homem”, frisou a fonte, acrescentando: “Estamos cansados de tudo isto. Segunda-feira cruzaremos os braços e só voltaremos quando tudo estiver resolvido. Chega de promessas.”
 

A MAD, divisão da empresa Jembas, tem como receita mensal um montante que oscila entre os 12 milhões USD e os 15 milhões USD, só em subscrições, segundo dados fornecidos por fonte ligada à empresa.
 

A MAD é uma empresa de capital sul-africano, detentora da plataforma televisiva DStv. Os proprietários têm conhecimento das denúncias a que o Maka Angola teve acesso, mas “nada fazem porque apenas estão interessados nos 15 milhões de dólares que recebem mensalmente”.
 

Angola é o segundo maior mercado da DStv, depois da Nigéria. A greve que se avizinha surge depois de os funcionários da MAD já terem recorrido à direcção da Multichoice África, ao MAPESS e aos órgãos de informação públicos e privados. 
 

“Daqui a nada haverá consequências graves. Esta realidade que estamos vivendo é o mesmo que está a acontecer em quase todas as empresas onde temos estrangeiros como chefes e angolanos como servos. Brevemente poderá acontecer uma revolta muito violenta e fatal”, finalizaram.

 

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