Polícias e Fiscais Roubam Vendedeiras à Mão Armada

“Três polícias armados e oito fiscais arrombaram a porta da minha casa, entraram e apontaram-me as armas e disseram-me para não me mexer ou falar”, conta Esperança Néné, de 55 anos, residente na Vila de Cacuaco, em Luanda.

O caso aconteceu a 14 de Agosto, por volta das 14h00.  “Eu tentei reclamar que a polícia não tinha o direito de invadir assim a minha casa e apontar-me armas sem eu ter feito nada. Um deles disse-me: ‘Se te mexeres ou continuares a falar vais parar à cadeia e, ainda por cima, vais pagar uma multa de 150,000 kwanzas (US $1,500)”, explica.

Postada à porta de casa, Maria Manuel, de 23 anos, tentou impedir a entrada da polícia para a sala. “O chefe da missão, o Sr. Waldemar, agarrou-a e atirou-a violentamente contra a parede. Depois é que me apontaram as armas”, narra a mãe.

Esperança Néné dedica-se à venda de fardos e calçados em segunda mão. No seu quintal outras vendedeiras guardam também o seu negócio.

“Os polícias roubaram-me seis balões de fardo, oito sacos de calçados usados e oito trouxas de roupa, que algumas senhoras guardavam aqui. Até a minha pasta, com 70,000 kwanzas, que estava no cadeirão da minha sala, os polícias roubaram também”, denuncia a vítima.

De acordo com a vendedeira de fardos, os agentes policiais e fiscais da administração municipal do Cacuaco, não exibiram mandado de busca e apreensão ou invocaram qualquer justificação legal para invadir a sua residência e confiscar os seus bens. Usaram uma carrinha da fiscalização para transportar os bens roubados.

David Mendes, o conhecido advogado dos pobres, refere que os agentes policiais “incorrem no crime de introdução em casa alheia e de roubo qualificado com violência por terem agido sem um mandado de busca e apreensão”.

Segundo o advogado, “o mandado tem de especificar o que os agentes vão buscar ou apreender. A casa tem de estar devidamente identificada no mandado e os objetos, apreendidos têm de ser descritos”.

“No final da apreensão, tem de ser feito um auto de apreensão, assinado pelos agentes da Polícia Nacional e pela dona de casa. Doutro modo, é roubo qualificado”, esclarece David Mendes.

Maka Angola tentou contactar o Comando Municipal da Polícia Nacional em Cacuaco, assim como o departamento de fiscalização, sem sucesso.

Esperança Néné  nota que “eles [agentes policiais e fiscais] têm ordens para dar corrida às mulheres que vendem na rua e não para arrombar casas alheias e roubar”.

Um grupo de mulheres, afectadas pelo assalto, dirigiu-se ao departamento de fiscalização municipal no dia seguinte, a 15 de Agosto, para reaver os seus bens, depositados na referida instituição.

O Perfil das Vítimas do Roubo

Maka Angola ouviu algumas dessas mulheres e as suas histórias pessoais. Todas elas são, sem excepção, a principal fonte de sustento das suas famílias através do comércio informal que praticam.

As mulheres são unânimes em afirmar que, no encontro com o responsável da fiscalização municipal do Cacuaco que comandou o assalto, conhecido apenas por Waldemar, este exigiu a quantia de 55,000 kwanzas (US $550) de cada uma delas para o resgate dos seus bens. O chefe da fiscalização, afirmam, alega que o montante corresponde a uma multa por serem “vendedoras ambulantes”. As mulheres interrogam-se, incrédulas,  como lhes pode ser exigido pagar uma multa por bens roubados à mão armada de uma residência.

Fátima dos Santos, de 40 anos, viúva com três filhos a seu cargo, revela que as autoridades levaram quatro balões de fardo seus, por si adquiridos a 190,000 kwanzas. “Eu e outras senhoras que perdemos o negócio vendemos no mercado do Pique. Nós não vendemos na rua e cada uma das vendedeiras paga, diariamente, 100 kwanzas à fiscalização municipal de Cacuaco. Então, onde está o nosso crime”? Questiona Fátima Santos.

Ao reclamar “com boas maneiras”, junto do responsável da fiscalização, Fátima Santos conta que o Sr. Waldemar disse-lhe “para nós nos queixarmos onde quisermos porque nada vai acontecer. Perdemos e pronto”.

Esperança Néné tem a seu cargo a maioria dos seus nove filhos, e ainda um neto órfão. O marido, motorista de profissão, teve um acidente há 12 anos que o deixou incapacitado para conduzir. Desde então, depende da mulher para o sustento.

Madalena Boa tem 72 anos. Vende maboque à porta da sua residência. Tinha uma caixa de maboque e a sua melhor roupa, para a igreja, guardados em casa de Esperança Néné. Madalena Boa é deficiente física. As vizinhas apoiam-na, para superar as suas dificuldades de locomoção.  As autoridades levaram a sua fruta e a sua roupa para os actos religiosos. “Como a fiscalização me pede 55 mil kwanzas para devolver a minha fruta e a minha roupa que estava bem dobrada num saco? Eu nem sequer tenho dinheiro para comer hoje. Essa polícia nem pena de uma deficiente tem?”, interroga-se.

Joana Manuel, de 34 anos, grávida de oito meses, desmaiou quando soube da perda do seu negócio. Do lote levado pelos fiscais e agentes policiais constavam três caixas de pilhas, lanternas, sabonetes, pasta de dentes e guardanapos no valor de 35,000 kwanzas. O seu marido encontra-se internado há três meses, com diabetes, e tem cinco filhos para sustentar, quatro dos quais são órfãos de pai. “Ficámos sem nada. Era todo o meu negócio para sustentar a família, levar alimentos para o meu marido. Não lhe disse nada para não o matar”, lamenta Joana Manuel.

Maria João, de 43 anos, teve de ir à escola socorrer o seu filho que deslocou o braço, durante uma brincadeira no intervalo da escola. Levou-o ao hospital e, no regresso no período da tarde, dirigiu-se à casa de Esperança Néné para cuidar do seu negócio de sapatos usados. Chegou pouco depois dos agentes policiais e fiscais terem realizado a sua operação. Ficou sem quatro sacos de sapatos usados.

“Eu sou o pai e a mãe de sete filhos, três dos quais são órfãos do meu irmão. O que faço agora? Aqueles sacos eram o meu investimento para sustentá-los”, desabafa Maria João.

Indignada, Maria João conta o que se passou no departamento de fiscalização, para onde se dirigiram a 15 e 17 de Agosto, tendo lá passado o dia todo, até cerca das 20h00. “Nós vimos os agentes da Polícia Nacional e os fiscais a dividirem os nossos bens entre si, quando fomos reclamar à fiscalização. Escolheram o que lhes interessava, o que achavam podre puseram de lado para ir oferecer aos leprosos para fingirem que são caridosos, estes ladrões”, disse.

Maria Alberto, 32 anos, é viúva e mãe de seis filhos. Perdeu um saco de calçado em segunda mão, no qual investiu 25,000 kwanzas. “Os nossos bens estavam dentro de uma casa, não estavam na estrada. Qual é o direito da polícia em arrombar uma casa e levar as coisas que encontra lá?”

Maria José Famoroso, de 24 anos, também perdeu um saco de calçado em segunda mão.  “Nós também fomos à esquadra da polícia da vila de Cacuaco. Os agentes que apontaram as armas à D. Esperança Néné e lhe assaltaram são da esquadra da vila. Deram-nos corrida e mandaram-nos ir ter com a fiscalização. Estamos mesmo mal. A pessoa até já não sabe o que fazer para sobreviver nesse país”, diz Maria José Famoroso.

Efectivos do Comando Municipal da Polícia Nacional e do departamento de fiscalização da administração municipal de Cacuaco continuam a realizar operações de assaltos a residências de vendedeiras, segundo soube o Maka Angola pouco antes da publicação desta matéria. Maka Angola retomará o assunto tão logo obtenha mais entrevistas com as novas vítimas.

 

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