A Morte de Jimmy Mubenga

Por Lara Pawson

 

O cidadão angolano Jimmy Kelenda Mubenga, de 46 anos, foi morto a 12 de Outubro de 2010, durante a sua deportação para Angola, determinou ontem o júri, em Londres.

Jimmy Kelenda Mubenga sofreu um colapso cardio-respiratório, como resultado da imobilização a que foi sujeito por três guardas da empresa de segurança privada G4S, a bordo de um avião da British Airways, no aeroporto de Heathrow.

“O senhor Mubenga foi empurrado ou pressionado por um ou mais dos guardas, causando o impedimento da sua respiração. Concluímos que os guardas usaram força excessiva e agiram de forma ilegal. O facto de o senhor Mubenga ter sido empurrado ou pressionado, ou uma combinação dos dois, foi uma causa significativa, e não apenas mínima, da sua morte”, considerou o júri, após quatro dias de deliberação.

Falando à porta do tribunal Isleworth Crown, no final das nove semanas e meia de deliberações, Adrienne Makenda Kambana, a viúva de Mubenga e mãe dos seus cinco filhos, disse: “Agradeço ao júri este veredicto… As últimas oito semanas têm sido difíceis, muito difíceis … Mas agora eu sei a verdade … Eu sinto que agora o Jimmy descansa em paz “.

Mubenga foi sujeito a uma ordem de deportação depois de ter sido condenado a dois anos de prisão, em 2006, por agressão com ofensas corporais. A lei britânica estipula que o direito de um imigrante a “residência permanente” pode ser revogado se ele for condenado por um crime que resulte em pena de prisão.

Na tarde de 12 de Outubro, Mubenga foi escoltado de Brook House, um centro de detenção de imigrantes, para o aeroporto de Heathrow por três guardas da empresa de segurança privada britânica G4S. Mubenga mostrou-se transtornado com a sua deportação, tendo sido visto a chorar naquele dia. No entanto, não havia manifestado resistência ao processo de deportação. Foi só depois de embarcar no vôo 77 da British Airways, perto das 19:10, que os problemas começaram.

Relatos Contraditórios sobre Os Últimos Momentos de Vida de Mubenga

Mubenga foi autorizado pelos guardas a usar os lavabos na parte de trás do avião. De acordo com Stuart Tribelnig, o guarda da G4S responsável pela operação, depois de ter saído dos lavados, Mubenga atacou-o, rasgando a camisa do guarda e empurrando-o para o corredor. Seguiu-se uma luta entre Mubenga, Tribelnig e um segundo guarda, Terence Hughes. Eventualmente, os dois guardas conseguiram ganhar o controle da situação e, com a ajuda do terceiro guarda, Colin Kaler, algemaram Mubenga com as mãos atrás das costas e conseguiram sentá-lo na última fila do avião. O que aconteceu depois de Mubenga estar sentado é pouco claro. Os relatos das testemunhas oculares, incluindo os mais de 30 passageiros e membros da tripulação, contradizem em vários pontos as versões dos três guardas da G4S.

De acordo com os guardas, Mubenga continuou a debater-se. Mesmo depois de sido sentado, com o cinto de segurança apertado, continuava a gritar e a dar pontapés, tentando por-se de pé. Nesta altura, Mubenga tinha um guarda sentado de cada lado – Hughes e Kaler – e um terceiro, Tribelnig, ajoelhado no assento na fila seguinte, de frente para ele.

Num testemunho recolhido pela polícia em Outubro de 2010, Tribelnig disse que ele tinha agarrado a cabeça de Mubenga na tentativa de controlá-lo. No tribunal, no entanto, ele disse que durante todo o período no vôo 77, nunca agarrou na cabeça de Mubenga ou tentou empurrá-la para baixo. Ele disse que foi Mubenga que empurrou a sua própria cabeça para baixo. Tribelnig disse que ele ordenou aos seus dois colegas para “traze-lo de volta para cima”. No tribunal, Hughes corroborou o testemunho de Tribelnig, afirmando que ele nunca o viu colocar qualquer pressão sobre a cabeça de Mubenga. Hughes e Kaler também disseram que eles tentaram puxar Mubenga para cima, mas não conseguiram. Kaler afirmou que não havia nada que impedisse Mubenga de sentar-se em posição vertical.

No entanto, vários membros da tripulação disseram que viram o guarda sentado à frente de Mubenga, Tribelnig, debruçado sobre ele, agarrando a sua cabeça ou puxando-a para baixo. Vários membros da tripulação ouviram Mubenga gemer e gritar, incluindo “Vocês estão a matar-me”.

Vários passageiros disseram que ouviram Mubenga queixar-se que não conseguia respirar. Ouviram-no dizer, entre outras coisas, “Vocês estão a matar-me”, “Não quero ir, eles vão matar-me”, e “Ajudem-me, ajudem-me, eles estão a tentar matar-me”. Um passageiro disse ter ouvido Mubenga gritar por socorro pelo menos 20 vezes. Outra passageira revelou tê-lo ouvido pedir socorro e depois dizer “Vocês estão a vê-los matar-me. Como podem ficar aí sentados?”

Os testemunhos dos passageiro, em relação ao que vira, são bastante consistentes. Vários passageiros corroboraram ter visto Tribelnig empurrando a cabeça de Mubenga para baixo ou debruçando-se sobre o seu assento e usando o peso do seu corpo ou a sua mão sobre Mubenga. Outros disseram que viram Mubenga tentando sentar-se e sendo empurrado para baixo pelos guardas. Vários passageiros testemunharam ter ouvido, depois de algum tempo, Mubenga a gemer apenas, sem ter articulado qualquer palavra.

Quando ele ficou silencioso, vários passageiros julgaram, segundo os seus depoimentos, que Mubenga finalmente tinha acalmado ou adormecido.

Segundo Tribelnig, Mubenga manteve-se quieto quando a aeronave iniciou a sua deslocação em direcção à pista. Aparentemente, em certos momentos, Mubenga estava sentado com os olhos e a boca abertos e uma expressão vazia no rosto, ou estava inclinado para a frente e apoiando a cabeça sobre o travesseiro. Como guarda responsável pela operação, Tribelnig decidiu verificar o pulso de Mubenga. Era fraco. Os guardas removeram as algemas a Mubenga e sentaram-no na cadeira em posição vertical.

Cerca das 20:20 horas, os guardas alertaram a tripulação de que havia algo errado e o avião voltou para o stand de embarque. Paramédicos vieram a bordo para administrar primeiros socorros, incluindo reanimação cardio-pulmonar (RCP), cerca das 20:38 horas. De acordo com o pronunciamento de ontem pelo júri, Mubenga já estava morto quando os paramédicos chegaram a bordo.

Factos Médicos

Três patologistas forenses altamente experientes – incluindo um ao serviço do Ministério do Interior britânico – concordam que Mubenga morreu de colapso cardio-respiratório devido a imobilização. No exame médico, foi determinado que ele sofreu uma série de lesões, incluindo: duas costelas partidas, hematomas em redor dos ombros e pescoço consistente com sendo empurrado para baixo ou empurrado para cima contra alguma coisa, e hemorragia em duas partes do olho, possivelmente indicando morte por asfixia.

Aceitar a morte de seu marido tem sido extremamente difícil para Adrienne Makenda. Um dos aspectos mais angustiantes é que Mubenga estava rodeado por tantas pessoas, tanto passageiros como tripulantes, no período que antecedeu a sua morte. “Ele foi negligenciado”, diz Makenda. “O que as testemunhas disseram: ouviram-no pedir ajuda. Muitos deles ouviram. Mas ninguém ajudou. A minha pergunta é “Porquê?” Se alguém o tivesse ajudado, Jimmy estaria aqui hoje.”

Mensagens Racistas nos Telefones dos Guardas da G4S

Outro elemento particularmente angustiante veio de um dos guardas, Hughes, em cujo telemóvel foram encontradas cerca de 65 mensagens de teor racista altamente ofensivo. No tribunal, o juiz pediu-lhe para ler várias das mensagens, que incluíam comentários sobre imigrantes, muçulmanos, asiáticos e negros. O guarda Tribelnig também admitiu ter mensagens racistas no seu telemóvel, que foi apreendido pela polícia. Os dois guardas disseram que não sabiam como apagar as mensagens ou simplesmente não se preocuparam em fazê-lo.

Muitas Perguntas Por Responder

Embora o veredicto tenha sido bem-vindo pela família de Mubenga, muitas questões relacionadas com a sua morte continuam por responder. Porque foram os três guardas detidos apenas a 18 de Outubro de 2010, 6 dias depois da morte de Mubenga? Em resultado dessa demora, os três guardas tiveram pelo menos cinco dias para para corroborar as suas histórias, se quisessem faze-lo.

E porque continuam os guardas da G4S a usar métodos de imobilização que incluem empurrar para baixo a cabeça de alguém que se encontra sentado? Desde 2003 tem sido levantadas preocupações sobre mortes de detidos em estado de imobilização. Em Abril de 2004, um rapaz de 15 anos de idade, Gareth Myatt, morreu sob custódia enquanto estava imobilizado por guardas da G4S. O adolescente queixou-se de que não conseguia respirar, mas os guardas continuaram a segurá-lo com a cabeça para baixo.

A G4S precisa também de explicar porque continua a empregar guardas que são racistas e que têm 65 mensagens de teor racialmente ofensivo nos seus telemóveis. É importante ressaltar que a G4S opera em 30 países africanos, incluindo Angola, onde tem escritórios no Miramar, em Luanda.

Ligação Histórica de Mubenga à Grã-Bretanha

Para muitos britânicos, a deportação de Mubenga – se não a sua morte – foi merecida. Poucas pessoas aqui acreditam que a Grã-Bretanha tenha qualquer dívida para com os angolanos ou qualquer ligação com Angola. Poucos na Grã-Bretanha estão cientes do facto de que o nosso país tem uma longa história, não apenas com Angola, mas especificamente com as Lundas. De acordo com sua esposa, Mubenga cresceu em Cafunfo, na Lunda Norte.

“Desde a década de 1920 até a década de 1990, os diamantes de Angola mantiveram a Grã-Bretanha no centro do universo do comércio diamantífero”, diz Chris Gordon, um especialista em diamantes de Londres. E os diamantes, que eram tão fundamentais para a riqueza e o estatuto da Grã-Bretanha, no século 20, vinham todos das Lundas. Embora, a Diamang, Companhia de Diamantes de Angola, tenha sido detida conjuntamente pelo Estado português e interesses belgas, britânicos e dos Estados Unidos, foi sobretudo um negócio britânico. Uma vez que Portugal não tinha experiência nem conhecimento técnico, a empresa de mineração de diamantes De Beers entrou no negócio. Fundada em 1888 pelo empresário inglês e grande defensor do colonialismo britânico Cecil Rhodes, a De Beers foi adquirida em 1927 pelo alemão Ernest Oppenheimer, que se tornou comerciante de diamante em Londres com a idade de 17 anos. Graças a estes homens, até à década de 1990, todos os diamantes que foram extraído das Lundas foram vendido em Londres.

Desde a morte de Mubenga, tenho muitas vezes reflectido sobre a terrível ironia que um homem da Lundas, onde as empresas de segurança privada continuam hoje a cometer terríveis crueldades dia após dia, morreu em Londres, sob custódia de uma das nossas próprias empresas de segurança privada. No entanto, ele veio para a Inglaterra em 1994, em busca de asilo. Quem teria imaginado que o país no qual ele buscou segurança acabou por ser aquele onde ele iria morrer? Se houver justiça para Jimmy, assim como para muitos outros requerentes de asilo, refugiados e imigrantes económicos que vêm para a Grã-Bretanha, é preciso que olhemos para a fundo da nossa História.

Este artigo é uma tradução resumida de um texto originalmente publicado na Open Democracy.

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