Fome e Doença nos Gambos

Por Lázaro Pinduca:

A situação de crise alimentar no município dos Gambos, a sul da capital da província da Huíla, está a agudizar-se e uma epidemia de disenteria assola agora a região.

O chefe em exercício da Unidade Municipal de Saúde nos Gambos, João Acácio, disse ao Maka Angola que, desde Janeiro, a referida instituição registou 12 casos de desnutrição, resultando em duas vítimas mortais. De acordo com este responsável, poderão existir naquela zona muitos outros casos de desnutrição que permaneçam desconhecidos das autoridades de saúde.

Celestino Capenda, agricultor de Chiange, disse ao Maka Angola que o gado está a morrer por falta de capim para comer, e o milho está a secar devido à estiagem prevalecente na região. “Os bois e as pessoas estão a beber a mesma água”, disse. “A situação está demais, nunca vi isto na minha vida”, acrescentou.

A região está também a ser assolada por um surto de disenteria, de causas desconhecidas, que já terá atingido 78 pessoas e causado a morte a 17 doentes.

Segundo o padre Jacinto Pio Wakussanga, da Arquidiocese do Lubango, 14 pessoas terão falecido no município dos Gambos nas últimas duas semanas, apresentando um quadro clínico de vómitos e diarreias. Estes dados foram recolhidos pelos catequistas em várias localidades da região, que estão em contacto directo com as populações e têm contabilizado os óbitos nas suas comunidades.

João Acácio disse ao Maka Angola que se registaram 78 casos com sintomas de vómitos e diarreias, 50 dos quais deram entrada na Unidade Municipal de Saúde e os restantes 28 no posto de saúde do Rio da Areia. “Não estamos em condições de afirmar se é ou não cólera. Recolhemos as amostras e já enviámos as mesmas para Luanda. Estamos à espera dos resultados”, declarou.

Laurinda Constância, professora do ensino primário em Chinge, falou sobre o enterro de duas pessoas suas vizinhas. “Enterrámos a semana passada duas crianças aqui no nosso bairro, Camucuio, que tinham diarreia e vómitos. A Ratinha, minha sobrinha de dezoito anos, e o Paizinho de doze anos, filho de um nosso vizinho. Foram mortes seguidas: a minha sobrinha morreu quarta-feira [20 de Março] e o rapaz morreu sexta-feira [22 de Março]”.

Um outro morador do município foi vítima dos mesmos sintomas. Segundo Luís Catchipia, o seu tio Firmino “contraiu a doença nos Gambos e morreu no Centro de Tratamento de Cólera no Lubango. Enterrámos a semana passada”, contou.

Embora seja ainda cedo para saber a causa deste surto de disenteria na região, podendo tratar-se de uma epidemia de cólera, o padre Pio indicou que as populações desnutridas se encontram mais vulneráveis a todo o tipo de enfermidades.

O município dos Gambos, com uma população estimada em 155 mil habitantes, é uma das zonas mais atingidas pela fome, agravada pela seca prolongada, que se regista em várias províncias do país.

A crise alimentar levou as autoridades religiosas a iniciarem uma campanha de solidariedade, denominada “Mão na Mão”, para socorrer as populações daquela zona que se encontram em situação de risco.

“As reservas alimentares neste momento esgotaram-se completamente, as sementes já não existem, isto devido à estiagem na região, desde 2010. Constatámos esta realidade na nossa convivência quotidiana com os populares, que se estão a alimentar de raízes para poderem sobreviver. As ajudas neste momento são precisas”, disse ao Maka Angola o padre Wakussanga.

Para fazer face à situação de emergência e responder à crise alimentar, os padres destacados na Missão Católica do Chiange têm vindo a recolher donativos junto de outras paróquias da arquidiocese do Lubango.

O presbítero adiantou que as entidades religiosas da região apresentaram “a situação tanto às autoridades administrativas locais, bem como às governamentais. Pedimos uma audiência ao governador provincial da Huíla a fim de juntos procurarmos formas de acudir a estes nossos irmãos. O número de famílias afectadas pela seca é muito elevado, precisamos de mais apoios”.

Fernando Tyetekey, secretário-geral da Associação do Criadores Tradicionais de Gado Ovatumbi, sublinha que “muitos populares estão a deslocar-se para a zona da Tunda a fim de procurarem trabalho junto dos fazendeiros para poderem alimentar-se. Outros, sobretudo as mulheres, muitas delas grávidas, e crianças, percorrem mais de dez quilómetros a pé com baldes e bacias de areia a fim de poderem vender às pessoas que constroem. Têm no mínimo de transportar dez vezes para terem 100 kwanzas para conseguirem um quilo de fuba, que custa 75 kwanzas, e o resto para peixe seco”.

A pastorícia e a agricultura são as principais actividades na região. Mas a população pouco ou nada usufrui destas riquezas porque “os fazendeiros ocupam tudo quando chegam. Aparecem aqui com polícia, vedam as terras, desalojam os populares – uma autêntica violação dos direitos humanos”, adiantou Tyetekey.

O administrador dos Gambos, Elias Sova, negou-se a prestar declarações ao Maka Angola, limitando-se apenas a dizer que “não estamos autorizados a falar para jornalistas”.

No final do ano passado, o Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS) alocou bens de primeira necessidade às localidades mais afectadas pela estiagem no país. Nos Gambos, segundo os relatos dos populares, apenas foram abrangidas cerca de duas centenas de pessoas.

O padre Wakussanga, que integrou o grupo de trabalho da Arquidiocese do Lubango que produziu em Dezembro de 2012 um relatório sobre a fome no município dos Gambos, critica os discursos oficiais que minimizam a crise alimentar em Angola. “O ministro da Agricultura esteve em Itália num encontro organizado pela FAO [Fundo das Nações Unidas para a Agricultura] e declarou que Angola está a fazer tudo para diminuir os índices de fome. Mas esse trabalho não está a ser feito, nem pensar, não está”, disse ao Maka Angola.

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