O Quadro Desolador do Capital Humano em Angola

No dia 8 de Novembro, ocorreu a segunda edição do evento Angola Economic Outlook, organizado pelo Ministério da Economia e Planeamento, em conjunto com a revista Economia e Mercado. Apesar do mote deste evento – “Capital humano como factor decisivo para o desenvolvimento” – foi notória a ausência nos painéis de uma discussão aprofundada sobre o papel da educação e os caminhos para a tornar mais eficaz para contribuir para a formação do capital humano.

A extensa discussão do evento tratou do cenário macroeconómico, da análise da desaceleração do crescimento mundial e seus impactos no sector do petróleo e gás, das repercussões para a economia angolana, ainda muito dependente da extracção e comercialização de petróleo, assim como de iniciativas para a diversificação da economia. A questão do acesso efectivo e da qualidade da educação foi tratada de forma tangencial, por exemplo, no âmbito de discussões sobre o desenvolvimento agro-pecuário, a relação da formação do capital humano com a segurança alimentar e a importância da educação das meninas.

Neste contexto, parece-nos legítimo perguntar: como é possível falar sobre o tema do capital humano em Angola sem avaliar e discutir os enormes desafios na área da educação?

Há amplo suporte na literatura económica sobre a importância do capital humano no desenvolvimento económico. As obras seminais de Theodore Schultz, Jacob Mincer, Gary Becker e Sherwin Rosen formam a base da Teoria do Capital Humano. Estes estudiosos construíram, entre a segunda metade da década de 1950 e a de 1970, os alicerces teóricos para compreendermos o efeito da escolaridade sobre a produtividade dos indivíduos e suas implicações para o crescimento económico de um país.

Resumidamente, indivíduos com mais anos de escolaridade adquirem competências que os tornam mais produtivos. Esta maior produtividade reflecte-se no aumento do produto das empresas e é remunerada por maiores salários. Indivíduos com maior escolaridade também apresentam menor probabilidade de se envolverem em actividades criminosas e, em média, envolvem-se mais profundamente nas suas comunidades e são politicamente mais activos, aspectos que também impactam positivamente o nível de desenvolvimento de uma nação.

Uma das formas de se avaliar o efeito do capital humano sobre o desenvolvimento é por meio de um exercício contrafactual: simular o que aconteceria com o produto do país caso houvesse mais investimentos em educação, de forma a reduzir o abandono escolar e a elevar as aprendizagens das crianças. Utilizando esta técnica, um recente artigo publicado no Journal of Development Economics ajuda-nos a compreender os prejuízos de não se investir na expansão e no aperfeiçoamento da educação básica.

Numa análise de 159 países, o artigo destaca que, segundo os indicadores de avaliação internacional, dois terços das crianças não atingem o nível mínimo de compreensão. Na análise contrafactual, se garantíssemos que as crianças matriculadas atingissem o patamar esperado de aprendizagens, haveria um impacto positivo de 2,7 vezes o PIB mundial. O impacto seria ainda maior se, além disso, fosse possível levar o ensino básico a todas as crianças que estão fora da escola, chegando a 5,4 vezes o PIB mundial, o que evidencia o prejuízo causado pela falta de investimento na universalização do ensino e no aperfeiçoamento das aprendizagens.

Trazendo esta questão para a realidade angolana, qual é a dimensão dos constrangimentos educacionais no país? O diagnóstico mais detalhado que se encontra disponível é o Anuário Estatístico da Educação publicado em 2019 pelo INE.

Primeiramente, destaca-se a sobrelotação das salas de aula. No ensino primário, há em média 70 alunos por sala de aula, contra os 45 previstos na lei. Situação ainda pior se verifica no secundário, com 80 alunos por sala, o dobro do que está previsto na lei. Em segundo lugar, há um enorme défice na formação dos professores: aproximadamente metade dos docentes do primário e secundário não possuem nenhuma formação pedagógica. O quadro é desolador. A grande maioria das crianças em Angola depara-se com salas de aula sobrelotadas e professores com baixa qualificação profissional.

Se em termos qualitativos o cenário é lamentável, ainda mais preocupante é o abismo das taxas de escolarização. Mesmo com a obrigatoriedade do ensino primário, a taxa de escolarização líquida em Angola é de 63,9%, o que significa que quase 36% das crianças que deveriam estar matriculadas da 1ª à 6ª série estão fora da escola. A taxa de escolarização cai para 23% no ensino secundário I, e novamente no ensino secundário II, chegando a 6,6%. Estes números descrevem uma verdadeira tragédia. Milhares de jovens fora da escola, uma enorme dificuldade em garantir a universalização do ensino primário, e uma taxa de abandono escolar colossal ao longo do ensino secundário.

A complexidade demográfica de Angola, um país de 30 milhões de habitantes com uma taxa de fecundidade de 5,6 filhos por mulher, agrava ainda mais este cenário. Do total da população, 65% são jovens com menos de 25 anos de idade. Estes factores são ingredientes que pressionam a acção do Estado no sentido da provisão de serviços públicos. O expressivo crescimento populacional torna ainda mais desafiadora a universalização do ensino básico, em especial a construção de escolas e a formação de professores, necessárias para atender à crescente procura do país.

Por fim, é importante lembrar que o investimento em educação pode auxiliar também na desaceleração do crescimento demográfico. Conforme demonstrámos em artigo publicado em Julho, há uma forte associação entre maior escolaridade e menor número de filhos por família, o que possibilita maiores e melhores investimentos em educação.

Diante de um quadro tão desolador e dos ganhos potenciais que podem ser obtidos se garantirmos que as crianças angolanas acedam a aprendizagens adequadas nas escolas, é ainda mais surpreendente que esta questão não tenha sido um dos principais temas focados num fórum que tinha como mote o «Capital humano». Garantir a estabilidade macroeconómica e estimular a redução da dependência do sector de petróleo e gás são sem dúvida medidas relevantes para o desenvolvimento em Angola. Porém, se a educação não for encarada como área de intervenção prioritária na agenda de políticas públicas, com acções concretas, o que veremos no futuro é um enorme contingente de jovens sem escolaridade enfrentando sérias dificuldades em obter emprego e, em muitos casos, lançando-se em actividades criminosas.

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