Velhos e Novos Ventos na Economia Angolana
Muito recentemente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) escrevia acerca de Angola: “Em 2022, a economia angolana continuou a recuperar (…), apoiada pelo aumento dos preços do petróleo, a melhoria da produção petrolífera e a resiliência da atividade não petrolífera. Não obstante uma conjuntura externa difícil, o crescimento não petrolífero foi generalizado. Prevê-se um crescimento de 3,5% para 2023. A inflação global diminuiu de forma considerável para 13,8% (…) devido à redução dos preços dos produtos alimentares a nível mundial, à valorização do kwanza e aos esforços envidados anteriormente pelo banco central no sentido de uma maior restritividade da política monetária.”
Estava assim traçado um cenário optimista e caucionador da política económica do governo angolano. Parecia que os fundamentos macroeconómicos da economia de Angola estavam, finalmente, sólidos e o crescimento garantido. Faltava fazer chegar ao povo o efeito concreto das melhorias.
No entanto, no passado mês de Junho um vendaval pareceu abater-se sobre este cenário quase idílico, voltando a mostrar uma tormenta em formação.
Tudo começou com o anúncio da retirada do subsídio ao preço da gasolina, implicando um aumento desta na venda ao público em mais de 80%. O choque popular levou à pronta demissão do arquitecto da política económica, o então ministro de Estado e da Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior, ao mesmo tempo que a moeda nacional entrava numa depreciação acelerada, e o Instituto Nacional de Estatística de Angola (INEA) anunciava que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de Angola se fixará em 0,3% nos primeiros três meses de 2023, em termos homólogos, e recuará 1,1% face ao trimestre anterior, admitindo que esta seria a primeira vez em que o PIB trimestral deslizaria para terreno negativo desde o segundo trimestre de 2021.
Some-se a isso a violenta depreciação cambial, que fez a taxa de câmbio ultrapassar a marca de 800 kwanzas por dólar norte-americano, um aumento de mais de 60% em poucos dias e que rapidamente deverá ser transmitido para os preços no mercado.
Finalmente, ao nível da inflação, a interrupção da sua descida já se verificou e até já faz parte das projeções divulgadas pelo Banco Nacional de Angola, que “reviu em alta as previsões da taxa de inflação para o intervalo de 12% a 14%, justificada, essencialmente, pelo efeito da depreciação recente da moeda nacional” (comunicado do Comité de Política Monetária de 14 de julho de 2023).
Em cadeia, as más notícias e perspectivas sobre a economia sucedem-se. Em vez de crescimento, Angola corre o risco de voltar à recessão e à perda de poder aquisitivo da população, sobretudo dos angolanos mais pobres.
Qual a razão para esta modificação, aparentemente abrupta, da situação económica?
Há uma primeira observação a fazer. Os números oficiais e as análises optimistas do FMI não se traduziram num aumento significativo do bem-estar da população. Na realidade, não se notaram os “animal spirits” de que falava Keynes a tomar conta dos mercados, nem uma diminuição de queixas sobre desemprego, miséria e fome. Tudo pareceu desenvolver-se ao nível das estatísticas e não das pessoas.
Uma primeira explicação para esta espiral de notícias ruins seria que Angola teria sido atingida novamente pelos ventos desfavoráveis da sua dependência do petróleo. Alguns estudantes do tema haviam indicado no passado que o governo teria cometido um erro ao fixar o preço médio de referência orçamental do barril brent em 75 USD, que poderia levar a uma sobrestimação das receitas petrolíferas. No final de contas, os dados do Ministério das Finanças mostram que os preços de exportação se mantiveram sistematicamente um pouco acima desse patamar e que foi a descida da produção do petróleo que levou a uma queda das receitas. Os números que a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) tornou oficiais demonstram que, comparando os primeiros seis meses de 2023 com o mesmo período em 2022, foram produzidos menos 19 milhões de barris, ou seja, aproximadamente 100 mil barris diários, tal significando um decréscimo das exportações de quase 10%. As receitas brutas com a exportação desta matéria-prima caíram 28,5%, passando de 20.846 milhões USD para 14.409 milhões USD, provocando um declínio do saldo do petróleo na balança comercial.
No entanto, o desempenho aquém do esperado do setor de petróleo não é uma surpresa capaz de explicar a brutal mudança ocorrida no mercado cambial e muito menos no cenário orçamental – que, diga-se, foi muito provavelmente o que levou o governo a retirar abruptamente os subsídios sobre os combustíveis.
Na última sexta-feira, 14 de julho, após reunião da Comissão Económica do Conselho de Ministros, foi divulgado que o Ministério das Finanças se teria apercebido, no decurso da execução do OGE 2023, de que se gerou um défice orçamental na ordem dos 7,4 biliões (trillion, no sistema americano) de kwanzas e que, segundo o secretário de Estado para as Finanças e Tesouro, Ottoniel dos Santos, “continuando tudo como está, do ponto de vista da execução do OGE, teremos que lidar, até ao fecho do ano, com uma situação de um diferencial de cerca de 10 mil milhões de dólares”. Estamos, portanto, diante de um monumental défice orçamental.
Uma explicação para este diferencial é que há uma grande desorçamentação na economia angolana. Muitas das despesas públicas efectuadas, sobretudo, ao nível da contratação simplificada ordenada pelo presidente da República não estarão contempladas no Orçamento Geral do Estado, o que quer dizer que não se refletem nas estatísticas oficiais. Despesas não orçamentadas significam maiores pressões na dívida, tornando-a maior do que o estimado previamente, e, quando financiadas pela emissão de moeda, provocando o aumento dos preços e a diminuição do valor do dinheiro (desvalorização). Refira-se ainda que a desorçamentação é uma forma facilitadora de corrupção. Isto é significativo, quando começam a surgir indícios de um retomar das práticas de corrupção ao nível do Estado.
Outro problema poderá estar ligado com a gestão de passivos, a existência de reservas e as pressões geopolíticas. Muitos observadores e economistas apontam uma influência negativa da China nesta situação. O argumento avançado é o seguinte: a China, a propósito da pandemia de covid-19, aceitou uma moratória no pagamento do stock da dívida pública angolana. Acontece que a pandemia já foi declarada oficialmente como terminada e os pagamentos de capital terão recomeçado, apertando a tesouraria do Estado angolano. Segundo o mesmo argumento, a aproximação de Angola aos Estados Unidos terá levado a China a ser totalmente inflexível, não aceitando nenhum adiamento dos pagamentos e criando deste modo problemas de liquidez e reservas ao tesouro angolano. O relatório Stock da Dívida Externa Pública por País do Banco Nacional de Angola informa que, só no primeiro trimestre de 2023, o endividamento com a China se reduziu em 1,5 mil milhões de dólares. Trata-se de um volume de amortizações que não foi compensado a contento por novos financiamentos advindos de nenhum outro país. A “armadilha de opacidade” em que assentam as relações económicas entre a China e Angola não permite comprovar ou afastar na sua totalidade este argumento, que coloca o ónus da crise na China e na política externa de João Lourenço.
Finalmente, no campo da inflação, também tem impacto a intervenção desastrada do Estado no mercado de abastecimento alimentar, designadamente ao nível dos importadores; as barreiras que se têm criado levam a uma retracção da actividade destes agentes económicos, não deixando o mercado funcionar adequadamente. Temos então uma crise que aparenta ter sido criada pelo próprio governo, ao persistir em práticas de desorçamentação que geram surpresas nas contas públicas e criam tensões inflacionistas, ao não controlar a dívida externa e, por motivos de vaidade e oportunidades de fotos na Casa Branca, alienar a China – a que acresce uma eventual piora na gestão da produção de petróleo – e, finalmente, ao manter a excessiva intervenção do Estado nos mercados abastecedores de alimentos.
* O Grupo de Estudos Económicos é constituído por um conjunto de especialistas em economia (angolanos, brasileiros e portugueses) que se dedicam há anos ao estudo independente da economia de Angola, tendo estabelecido parceria com o Maka Angola para divulgar de forma didáctica as suas apreciações nesta matéria. É sua ambição contribuir para a tomada de decisões de política económica, nunca cedendo a tendências de pensamento único.