Salvando Bandidos? Os EUA, o Tribunal Supremo e Lídia Amões

A boa notícia é que no habeas corpus requerido por Lídia Amões ao Tribunal Supremo, o procurador desta alta instância considerou que o juiz José Sequeira não fundamentou “com clareza, como deveria ter feito” as razões que levaram à prisão preventiva de Lídia Amões.

Estranhamente, o distinto procurador não retira a consequência óbvia e legal da sua afirmação: ou seja, a nulidade absoluta da detenção.

Contudo, o mais bizarro é que esta posição do Ministério Público foi tomada a 6 de Junho e, passados 40 dias, o Tribunal Supremo não tomou, que se conheça, qualquer decisão.

Escusado será voltar a referir que a providência de habeas corpus é uma providência urgente, que deve ser analisada rapidamente e acima de todas as outras diligências. Em Portugal, país que é conhecido pela lentidão e ineficiência da justiça, o habeas corpus é decidido em 8 dias. E é-o efectivamente. Em Angola, arrasta-se, como já se arrastou, e se perdeu (!), o habeas corpus referente aos 15+2.

O Tribunal Supremo parece fazer uma gestão temporal da lei. Face a desmandos judiciários, em vez de agir prontamente vai deixando os casos maturar, as pessoas apodrecendo na cadeia; talvez para, como se diz na gíria policial, “amolecerem”, e só quando consideram que o indivíduo “amoleceu” é que fazem o normal: libertá-lo. Aconteceu justamente isto com os 15+2. O requerimento de habeas corpus andou bolandas durante vários meses, pelo menos três meses, até ser decidido. Agora a história repete-se, e quantos mais casos haverá?

É por isso que são altamente criticáveis as declarações de Todd Haskell, adjunto da subsecretária de Estado para os Assuntos Africanos dos Estados Unidos da América, quando felicitou o Tribunal Supremo pela libertação dos 15+2. O Departamento de Estado americano não condenou a prisão ilegal dos 15+2, e agora vem felicitar o regime!

Este constitui, de resto, um erro trágico de política externa norte-americana. Premeia os prevaricadores quando estes têm, no meio de inúmeros actos de bandidagem e prejuízo para o seu povo, um gesto positivo, que possivelmente só acontece devido ao impacto mediático.

O mesmo erro está a ser cometido no Zimbabué. Depois de ter enchido os seus cofres e dos seus apaniguados, e de ter conduzido a economia com uma incompetência extrema, Robert Mugabe levou o país à falência. Agora, o seu ministro das Finanças, Chinamasa, percorre o Ocidente de mão estendida a pedir dinheiro. E aparentemente o FMI, sob influência americana, prepara-se para conceder essa ajuda, prolongando o regime de Mugabe e a agonia do povo daquele país. Que mente brilhante estará a orientar a política africana dos EUA, não se sabe. Mas sabe-se que esta política americana de querer entusiasmar os pequenos passos de montra de loja que os regimes autoritários e espoliadores do seu povo dão apenas serve para conservar o poder das ditaduras e prolongar o sofrimento dos povos.

É evidente que qualquer modificação, quer em Angola, quer no Zimbabué, quer noutros países com regimes cleptocráticos semelhantes, só acontecerá com uma partilha de poder com a oposição e a sociedade civil. Nunca, em absoluto, com o reforço do apoio aos ditadores. Esta política origina justamente as situações caóticas que os americanos têm sido mestres em criar com as suas políticas ambíguas.

Angola não dará qualquer passo na direcção de se transformar num verdadeiro Estado de Direito e defensor dos direitos humanos se os EUA continuarem a fazer “festinhas” ao regime. E o caso de Lídia Amões é um micro-exemplo. A prepotência judicial prossegue depois do caso 15+2. Basta que os novos casos não sejam mediatizados.

África é o continente do futuro. Os Estados Unidos têm um papel a desempenhar lá, mas não pode ser o de prolongar as ditaduras e a agonia dos povos.

 

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