Sobrevivente de Rapto Detido por Sequestro

Um dos membros do grupo informal Movimento Patriótico Unido (MPU), Alberto António dos Santos, continua encarcerado há mais de 120 dias, na Comarca de Luanda. A polícia mantém-no sob detenção, sem culpa formada, como suspeito pelo desaparecimento de Isaías Cassule e Alves Kamulingue, raptados há mais de um ano.

Em conversa com o Maka Angola, na Comarca, Alberto dos Santos falou sobre o mandado de captura emitido contra si, a 26 de Fevereiro passado. O director da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), Comissário Eugénio Pedro Alexandre, ordenou a sua captura por “participação em sequestros” do líder do MPU, Isaías Cassule e Alves Kamulingue.

“O chefe do Departamento de Crimes contra Pessoas da DNIC, Fernando Receado e o instrutor do meu processo, Armindo César, insistiam comigo, nos interrogatórios, para eu assumir que um partido [da oposição] me deu dinheiro para sequestrar os meus próprios colegas”, afirmou o detido.

“Eu recusei assumir essa mentira. O Sr. Fernando Receado insistiu para eu dizer que foi a UNITA quem ordenou o sequestro. Ele disse-me ‘nós [instituições do Estado] vamos te proteger’ e ameaçou-me que, se não aceitar acusar a UNITA, eu ficarei muito tempo na cadeia e sofrerei muito”, revelou Alberto dos Santos.

Perguntado sobre a sua falta em ter comunicado imediatamente, à Polícia Nacional, o seu testemunho ocular sobre o rapto de Isaías Cassule, Alberto dos Santos justificou-se. “Eu expliquei à DNIC que não fui apresentar queixa à polícia porque não sabia se estávamos a ser perseguidos pela própria polícia, pelo SINSE (Serviços de Informação e Segurança de Estado), por milícias ou por quem”, disse.

Segundo Fernando Caboco, irmão de Alberto dos Santos, o procurador junto da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), referido apenas pelo primeiro nome, Deodato, explicou à família que o detido se manterá em prisão preventiva. “Depois vão decidir se o enviam para tribunal ou se o libertam”, disse.

“O Alberto dos Santos já se encontra em situação de excesso de prisão preventiva”, disse o presidente da Associação Mãos Livres, Salvador Freire. Por outro lado, o advogado insurgiu-se contra a prática de coacção do arguido para acusar a UNITA. “A investigação criminal tem de adoptar outros métodos de trabalho. A coacção é ilegal, assim como o acto de forjar provas. Isso é crime”, sublinhou.

Maka Angola tentou ouvir, sem sucesso, a DNIC.

Alberto dos Santos foi detido na manhã de 27 de Março passado, quando se encontrava a fazer compras no Mercado do Asa Branca, no Cazenga. Dois indivíduos à paisana, abordaram-no no local, identificaram-se como agentes da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), algemaram-no e levaram-no para uma viatura com vidros fumados, onde se encontravam mais três agentes.

O rapto de Cassule e Kamulingue

A 29 de Maio de 2012, Alberto dos Santos dirigiu-se à casa de Isaías Cassule e ambos foram ao encontro de um indivíduo identificado como Tunga, ao anoitecer. “Ele [Isaías Cassule] telefonou-me de manhã para informar-me que alguém tinha filmado o rapto do Alves Kamulingue e queria partilhar as imagens connosco”, afirmou Alberto dos Santos.

“Encontrei-me com ele [Isaías Cassule] em sua casa e fomos ao encontro, no Fontenário do Angola e Cuba, no Cazenga”, disse. Durante a breve conversa, segundo o activista, “vários homens cercaram-nos e agarraram-nos. Eu escapei das maõs de um deles e fugi”.

Alves Kamulingue foi raptado a 27 de Maio de 2012, por volta das 14h00 em plena baixa da cidade de Luanda. Pouco antes do sucedido, Alves Kamulingue informou Isaías Cassule, por telefone, que estava a ser perseguido. Segundo Alberto dos Santos, Alves Kamulingue indicou, em estado alarmado, que “caso o seu telefone estivesse desligado seria o sinal de que tinha sido apanhado”.

Desde então, tanto Alves Kamulingue como Isaías Cassule nunca mais foram vistos. Presume-se que tenham sido executados pelos seus raptores.

Os eventos que antecederam ao rapto estavam relacionados com uma tentativa de manifestação por parte de centenas de desmobilizados da Unidade de Guarda Presidencial (UGP).

Alberto dos Santos foi mecânico da então Casa Militar do Presidente da República, ora Casa de Segurança, e serviu de elo de ligação entre os desmobilizados descontentes e o MPU, liderado por Isaías Cassule. Cabia ao MPU o papel de assessoria e mobilização de outros grupos de desmobilizados e jovens manifestantes para uma reivindicação mais abrangente.

Em 2002, centenas de efectivos da UGP foram desmobilizados e integrados, como varredores de rua e colectores de lixo, na Brigada Especial de Limpeza (BEL), uma empresa criada para o efeito. Em 2010, os oficiais da Casa de Segurança, responsáveis pela BEL, conduziram-na à bancarrota, deixando centenas de desmobilizados no desemprego e com meses de salários em atraso.

Os ex-guardas presidenciais decidiram protestar após terem recorrido, sem sucesso, ao sistema judicial para fazer valer os seus direitos.  Após negociações com a Casa de Segurança e com Bento Kangamba, os desmobilizados da UGP cancelaram a manifestação. Os ex-guardas presidenciais nunca se pronunciaram, publicamente, sobre o destino dado àqueles a quem pediram apoio para reivindicar os seus direitos.

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