O Patriotismo e o Amor à Vida de Luaty Beirão

Em recente conferência de imprensa, o ministro do Interior, Ângelo de Barros Veiga Tavares, aludiu a uma conversa telefónica mantida entre nós a 20 de Outubro passado. 

De forma expedita e cordial, o ministro acedeu ao meu pedido para visitar os 14 presos na Cadeia de São Paulo e recolher as suas mensagens para o Luaty Beirão, que se encontrava internado numa clínica de Luanda, em greve de fome. Já antes disso, todos os detidos tinham tentado, em vão, obter autorização dos serviços prisionais para visitarem Luaty, a quem pretendiam apelar directamente que acabasse com a greve. Temiam pela vida de Luaty.

Quando telefonei ao ministro Ângelo Tavares, ele pediu-me apenas que não revelasse o teor da nossa conversa ou o facto de ter sido ele a autorizar a diligência. Por uma questão de princípio, abstenho-me, por isso, de comentar aquilo que supostamente foi a nossa conversa. Para melhor esclarecimento da sociedade, cabe às autoridades divulgarem, na íntegra, a gravação da referida conversa.

Cabe-me, no entanto, reiterar o que é do domínio público e antecede as declarações do ministro. Obtive autorização oficial para visitar os 14 detidos e tive a oportunidade de conversar individualmente com todos eles, na presença de um alto oficial dos serviços prisionais.

É também do domínio público que todos eles escreveram mensagens individuais ao Luaty, solicitando-lhe que terminasse a greve de fome. Queriam-no vivo, queriam que desempenhasse o papel de líder moral, e agora têm-no finalmente junto de si. Da minha parte, apenas servi de ponte e fui portador desse desejo dos companheiros de causa de Luaty.

Nos encontros, tive a oportunidade de falar sobre a liberdade de expressão com alguns dos detidos. Por que motivo falei com os jovens sobre a luta pela liberdade de expressão enquanto foco principal das batalhas cívicas que se avizinham? Porque, justamente, a sua detenção foi (é) um dos muitos e constantes ataques à liberdade de expressão que se verificam na suposta democracia angolana. Estes jovens foram detidos porque estavam a ler um manual e a debater ideias sobre estratégias de resistência não-violenta contra a ditadura. Estavam a pensar. Cometeram o crime de pensar e discutir ideias.

A liberdade de expressão é um direito consagrado na Constituição Angolana, e é a essência para a demanda de todos os outros direitos, incluindo os direitos humanos, o direito à manifestação e a liberdade de imprensa. É também um direito constitucional sistematicamente violado pelo governo e pelas autoridades em Angola.

No Processo dos 17, o cerne do problema é inequivocamente a violação do direito à liberdade de expressão. Não é o facto de se terem organizado ou de terem saído à rua para se manifestarem.

O medo e a intriga, que têm paralisado a maioria dos cidadãos, são os vírus que têm sido usados contra o exercício pleno da liberdade de expressão.

Por uma questão de transparência, pedi aos serviços prisionais que fizessem cópias de todas as mensagens recolhidas para o Luaty para os arquivos de quem de direito. Assim procederam.

Nessa noite, fui à clínica, acompanhado pelo mesmo alto oficial dos serviços prisionais. Entreguei as mensagens ao Luaty e tivemos uma discussão mais acesa, bem à nossa maneira, sobre a visão e a estratégia de luta pela liberdade de expressão após a libertação de todos os presos políticos.

Partilhei com ele, por escrito, algumas ideias sobre como se pode criar um movimento pela liberdade de expressão e como ele poderia contribuir sobremaneira para uma luta cívica mais estruturada. Foi a palavra estrutura que causou polémica entre nós.

Com um sorriso e um abraço, o Luaty desfez a tensão que julgou pairar no ar. “Não fica zangado comigo, mô kota”, disse-me, brincando comigo. Informou-me que ponderava cuidadosamente sobre todas as propostas que lhe chegavam às mãos, por via daqueles que o visitavam.

Forneci o papel, com as ideias sobre a liberdade de expressão, ao oficial dos serviços prisionais, para que informasse os seus superiores. O Luaty escreveu também uma mensagem aos seus “manos” na Cadeia de São Paulo. Entregou-me a mensagem e eu entreguei-a ao oficial dos serviços prisionais para a fazer chegar aos destinatários. 

Cabe-me reconhecer as inúmeras iniciativas de solidariedade em Angola, em Portugal e em várias partes do mundo para com os 15 presos políticos.

Em grande medida, essa solidariedade deveu-se ao heroísmo de Luaty Beirão, que passou 36 dias em greve de fome e, com isso, alertou o mundo para uma causa que deve ser de todos os angolanos de bem.

Conheço bem o Luaty e conheço o seu amor à vida. Só alguém altruísta como ele pode colocar a sua vida em risco, de forma voluntária, em defesa da vida de milhares de cidadãos que não têm voz nem defesa. É o amor à vida dos grandes soldados, que lutaram pela pátria e a defendem. O Luaty não tinha, nem terá, uma arma na mão para defender a pátria de salteadores. Fê-lo apenas com o seu protesto individual, e isso é muito mais corajoso.

A Mónica, sua esposa, a sua filha, a sua mãe, os 14 companheiros de causa e a solidariedade mundial proporcionaram ao Luaty, o amor, a irmandade, a amizade, o apoio e a vitória de que necessitava para continuar a sua luta, mais fortalecido.

O fim da greve, por si declarado, nada teve que ver com a minha intervenção. Servi apenas de ponte entre Luaty e os seus companheiros, quando eles mais precisavam de comunicar entre si.

Celebraremos, a 11 de Novembro, 40 anos de independência com a ironia de um apelo crescente que define o estado actual das relações entre o poder e a sociedade: “Liberdade já!”

Somos independentes, mas não temos liberdade.

 

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