Lídia Amões e o Arbítrio do Estado

Uma sociedade evolui se cada um souber o que é seu, e se não tiver medo de que o Estado lhe tire tudo de um momento para o outro. Esta conclusão é simples e está vertida nos estudos do Banco Mundial, nas conferências de Hernando de Soto ou nos livros do Nobel Mario Vargas Llosa. Uma das razões para a queda do comunismo foi o desrespeito por esta regra, que impediu que os negócios prosperassem e os países se desenvolvessem economicamente.

Angola atravessa um problema idêntico de indefinição jurídica e arbítrio do Estado. É um problema que não afecta apenas os activistas políticos idealistas como Luaty Beirão, mas também as empresas e os homens e mulheres de negócios. Se não houver um clima de segurança e tranquilidade jurídica para os empresários, estes não investem, porque têm medo de perder o seu património de forma arbitrária. Ora, sem investimento privado não há progresso económico sustentável.

Tudo isto vem a propósito do caso de Lídia Amões, uma das herdeiras do Grupo Valentim Amões, até há poucos anos um dos maiores conglomerados do sul de Angola. Este caso arrasta-se na justiça sem resolução nem concretização aparente.

A 9 de Janeiro de 2014, Lídia Amões foi constituída arguida num processo-crime, e na mesma altura foram-lhe impostas uma série de medidas de coacção visando essencialmente que não se ausentasse de Luanda. Simultaneamente, o Ministério Público congelou as contas bancárias e os movimentos bancários do Grupo Valentim Amões, levando àquilo que muitos observadores descrevem como o estrangulamento da empresa, estrangulamento esse que abrirá espaço para que outros ocupem o seu lugar.

A questão que se coloca é se o Ministério Público pode ou não coagir durante dois anos e inviabilizar financeiramente um grupo económico. A resposta é simples: legalmente, não pode, mas na realidade é o que está acontecer.

Vejamos: tendo Lídia Amões sido constituída arguida a 9 de Janeiro de 2014, a 9 de Abril do mesmo ano devia ter terminado a instrução preparatória e sido formulada a acusação. Ora, estamos em finais de 2015. Dois anos volvidos de investigações, e não surge qualquer pronunciamento formal por parte do Ministério Público. Lídia Amões encontra-se com os passos limitados, ao mesmo tempo que as empresas vão definhando. No passado sábado, Lídia Amões deu à luz o seu segundo filho, e tem de apresentar-se já ao Ministério Público, como tem feito quinzenalmente ao longo dos últimos dois anos, sob pena de lhe ser aplicada a prisão efectiva.

A Constituição garante a todos os cidadãos um julgamento célere (artigo 72.º), garante a todos os cidadãos o direito à propriedade (artigo 37.º) e proclama a presunção de inocência (artigo 67.º, n.º 2). Todos estes direitos fundamentais foram atropelados e rasurados neste procedimento judiciário por parte do Ministério Público.

Passaram dois anos, e não há sequer uma acusação ou uma formação de culpa. Os direitos de propriedade foram ignorados, e Lídia Amões vive como culpada, quando deveria presumir-se a sua inocência. Entretanto, o grupo económico desmorona-se.

Hoje, neste texto, o problema não é de política. Sobre o fim da greve de fome de Luaty Beirão e sobre a sua coragem, muitos outros escreverão, e melhor que eu. O problema aqui é de Direito e Economia.

Que país traz riqueza aos seus cidadãos se não respeita as suas regras? Que país promove empresários, se de um momento para o outro e com actos arbitrários lhes retira tudo? Que negócios se podem fazer num país em que forças do Estado não respeitam os direitos de propriedade?

Nenhuma nação pode ter uma economia de mercado forte sem uma protecção adequada da propriedade de bens, sobretudo da interferência arbitrária do Estado.

 

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