A realidade vista a cores: presos políticos que não são presos políticos

O general Pita Grós e o brigadeiro Chikoti (respectivamente vice- procurador geral da República e ministro das Relações Exteriores de Angola) vieram a público afirmar que os 15 presos políticos detidos recentemente não são presos políticos. Ao mesmo tempo, acusaram esses presos de quererem alterar a “ordem constitucional” e de planearam um “golpe de Estado”.

Das duas, uma: ou estas afirmações resultam de burrice ou de engano. Burrice não é certamente, pois estamos a falar do discernimento de dois ilustres [IH1] dirigentes. Assumamos então tratar-se de um engano.

O dicionário de Cambridge define preso político como “alguém que está colocado na prisão por expressar a desaprovação relativamente ao seu próprio governo, ou por pertencer a uma organização, raça ou grupo social não aprovado por esse governo”. É óbvio que quem supostamente queira alterar a “ordem constitucional” ou “planear um golpe de Estado” está implicitamente a desaprovar o governo, donde, em caso de detenção, tem de ser considerado um preso político.

Os activistas não estão presos por terem cometido qualquer acto concreto. Não mataram, não roubaram, não agrediram. O que fizeram? Eventualmente, manifestaram desacordo com o governo e o estado de coisas. Não concordam com a política do Estado angolano. Se não concordam com essa política e são detidos, o que podemos chamar-lhes?

As palavras não definem a realidade. Não é por um punhado de generais dizer que não há presos políticos que estes deixam de existir. Não é por existirem papéis a dizer que Angola é uma democracia que esta passa a ser uma democracia.

O Presidente Obama disse isto mesmo, agora, em Addis Ababa:

“Tenho de proclamar que a democracia não são apenas a eleições formais. Quando os jornalistas são colocados atrás das grades por fazerem o seu trabalho, ou activistas são ameaçados e os governos reprimem a sociedade civil, então pode existir democracia na forma, mas não na substância. As nações não podem concretizar o pleno potencial de independência se não protegerem plenamente os direitos dos seus povos.”

É possível recorrer a muitas definições de “preso político”. Mas todas elas contemplam uma verdade clara e evidente: preso político é alguém que vai preso por ser contra o governo. É o que aconteceu a estes activistas.

A realidade é a seguinte: o regime queria seguir um modelo chinês. Um regime autoritário disfarçado com uma semântica democrática acompanhada por crescimento económico. O crescimento económico era a legitimação do regime.

Hoje tudo isto mudou, a economia caiu, os abusos da oligarquia dominante tornaram-se obscenos. O povo perdeu a paciência para os vinhos que vêm de jacto de Paris, para as compras de casacos de Inverno em Milão (muito úteis em Luanda!) ou para as mil e uma excentricidades da classe reinante. Por isso, o descontentamento alastra e vai alastrar mais. A legitimidade do regime esfumou-se.

A ditadura angolana está a endurecer. Agudizam-se os tiques fascizantes. Os jornalistas são processados e presos, aqueles que se mostram descontentes são presos. As portas de entrada das prisões estão a abrir-se para todos os que não se submetem.

E os oligarcas, com um medo crescente, dizem disparates como estes: que as pessoas que são detidas por motivos políticos não são presos políticos.


 [IH1]

Só um deles é que é general, o outro é brigadeiro

Comentários